A dor e a sorte

Será morte? Estrada adentro pelo cerrado goiano, a 120 km de Brasília fica Abadiânia, uma cidadezinha de pouco mais de 15 mil habitantes, onde a maioria veste branco e tem muita presença de espírito. Proliferam atividades na Avenida Francisca Teixeira Damas: pousadas lotadas, lojas de cristais, bares e restaurantes, sotaques variados do Brasil, de além-mar e do além também.

É um mundo à parte a terra de João de Deus, o Pelé dos tratamentos espirituais. E todos que vão até lá buscam algum tipo de cura. Crianças, idosos, cadeirantes, ricos, pobres, desenganados e desiludidos em intermináveis filas pelo atendimento, um passe, uma cirurgia com ou sem corte.

Ai! Parece que dói. Nada é anestesiado e os cortes são precisos. Os pontos parecem de alta costura. Impera o silêncio absoluto, que se perde no meu grito interno tentando sentir o mistério da Casa Dom Inácio de Loyola. Facas raspando a retina, tesouras que entram pela narina, cortes sem cortes, tudo ao vivo como eu gosto! Sangre… Purificação, logo vem a salvação! Será amor ou será morte?

Começamos pelo banho de cristais, que logo me levaram às nuvens brancas da paz suprema. São várias câmaras com sessões de 20 minutos. Sim, eu recomendo – enfaticamente! Em seguida, o deck do silêncio, onde todos se conectam com uma paisagem de tirar o fôlego. Os raios alaranjados do sol do finzinho de tarde (o famoso e festejado pôr-do-sol do Centro-Oeste), que iluminavam minhas mãos abertas, escapuliram assim que abri os olhos. E, debaixo de um belo cobertor de estrelas, caminhamos 30 minutos para um local chamado A Colina. Todos de mãos dadas, formamos uma grande mandala energética para uma prece a todos os presentes e distantes que buscavam suas curas. Era amor.

De volta à avenida central, proibidos de carne de porco, pimenta e bebida alcoólica, apresento-me ao senhor Chico, cadeirante que faz o seu churrasquinho na encruzilhada. O bar de estrada se chama Max Tone, lá a castanha do cerrado chamada baru era fora de série! A pamonha doce, a melhor da minha vida! Seguindo a degustação, provamos o assado de tira no espetinho de madeira. O animal era criado na fazenda da família, sangrava na brasa e sua lembrança ainda me faz babar…

Sexta-feira, aniversário de Dom Inácio – Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, uma das principais entidades que guiam o médium João de Deus. Grande festa! Foi nesse dia que passamos por João de Deus. Depois de duas horas na fila, entramos em um ambiente de amor e fé incondicional, onde repousavam pessoas depois de cirurgias, outras doando energia e, por fim, cara a cara com o mestre! É um grande ser de luz e pude perceber sua aura expandida, o incrível Hulk da cura divina! Amém! Além da física, há muitos mistérios… Mortos que incorporam nos vivos… O que será a morte? O que será o amor? Aqui é puro amor! É só acreditar! Não vejo a hora de tirar os pontos daqui a uma semana! Esse tempinho ficarei sem sexo e não posso exagerar no exercício físico.

Foi servida uma sopa com produtos orgânicos da região, as cozinheiras apresentaram o sabor da natureza em toda sua simplicidade, deu para sentir o jiló, o quiabo, a mandioca… Tem algo de diferente na boca. Será psicológico? Não importa, voltarei sempre!

A todos daqui e do além: Arigatogozaimashita!!!

* Kappo Cuisine é o conceito que Tsuyoshi Murakami trouxe ao Brasil e tem como base a transparência, o cozinhar em frente ao cliente e o uso de alimentos sazonais. Murakami é sócio e chef do restaurante Kinoshita, em São Paulo.
murakami@restaurantekinoshita.com.br


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