O carioca Sérgio Besserman é um dos pioneiros no Brasil a estudar as consequências econômicas e sociais das mudanças climáticas. Dedica-se à questão desde 1992 e representou o País em conferências sobre o tema na ONU e na Universidade de Harvard, no Programa Executivo em Mudança Climática e Desenvolvimento. Doutor em Economia, Besserman foi diretor de planejamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), entre 1996 e 1999, presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 1999 e 2003, e também presidiu o Instituto Pereira Passos, entre 2003 e 2008. Atua, hoje, como presidente da Câmara Técnica de Desenvolvimento Sustentável da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e como professor do Departamento de Economia da PUC-RJ.
Comprometido em levar importantes questões ambientais ao debate público, Besserman frequentemente manifesta suas opiniões em meios de comunicação de massa, como comentarista de sustentabilidade do canal Globo News e de cidades da Rádio CBN. Em entrevista por telefone à Brasileiros, ele relativizou prognósticos, como a expectativa de que a água se torne uma commodity e a apocalíptica previsão de que em menos de duas décadas faltará água para a humanidade. Bem-humorado, ele tem argumentos otimistas, mas que dependem de um único fator para que sejam materializados: a conscientização urgente dos brasileiros e seus dirigentes.
Brasileiros – Muitos defendem que a água será a commodity do futuro. Qual sua opinião sobre essa perspectiva?
Sérgio Besserman – Água é hoje um tema global e a escassez dos recursos hídricos é uma das grandes questões da crise de sustentabilidade do século XXI. Mas a água não será tão cedo uma commodity. O que caracteriza uma commodity é poder pertencer a um mercado global, com preço definido por esse mercado, mas os custos de transporte em grandes quantidades e as longas distâncias ainda são impeditivos. O desenvolvimento de novas tecnologias e uma enorme redução desses custos de transporte podem tornar possível, em médio prazo, pensar na água doce como uma commodity.
Brasileiros – E como o Brasil tem tratado as políticas de recursos hídricos?
S.B. – O Brasil vem avançando nas políticas de recursos hídricos nos últimos dois governos, mas mais lentamente do que seria desejável para um País com tamanha disponibilidade de recursos, ainda que distribuídos de forma muito desigual, e que tem grandes e médios aglomerados urbanos, com vida econômica e social muito associada a bacias hidrográficas. Avançamos pouco na produção de conhecimento do impacto das mudanças climáticas sobre essas bacias, sobre as necessidades de planejamento e de políticas públicas, e até sinalizações para o setor privado. Há dois fatores importantes para esse avanço. O primeiro é a produção de conhecimento sobre nossos recursos hídricos. O segundo é a definição de um modelo de governança mais eficiente que o atual. É preciso que os comitês de gestão de bacias sejam dotados de poderes mais restritivos, e eu diria que uma das medidas mais radicalmente eficazes seria que as próximas concessões para as geradoras de energia elétrica, ao invés de serem feitas para essa finalidade estrita, apenas gerar energia, sejam ampliadas para a gestão das bacias envolvidas.
Brasileiros – E como estão as atuações da iniciativa privada e da sociedade civil?
S.B. – Dado o crescimento dos custos, o mercado já tem produzido alguns efeitos. Hoje, não há indústria de médio porte que se instale sem considerar o uso de água. Por outro lado, apenas nas cidades onde o eleitorado cobra ações de seus dirigentes, como no Rio de Janeiro, em São Paulo e em outras do eixo centro-sul, começa a haver também exigências na legislação relativa à água, seja do ponto de vista de coleta de água de chuva de reúso ou de permeabilização do solo. Porém, tudo isso se dará na esfera dos novos projetos, das novas construções, e essas cidades têm um estoque de equipamentos de infraestrutura que é totalmente disfuncional. É preciso converter os estoques antigos para novas formas de gerir recursos hídricos, seja do ponto de vista dos equipamentos de gestão pública, seja do ponto de vista dos equipamentos de gestão privados, desde as plantas do setor produtivo, até os prédios domiciliares.
Brasileiros – É possível mensurar os prejuízos decorrentes dessas carências?
S.B. – Os prejuízos econômicos são muito grandes, tanto do ponto de vista dos custos diretos, na medida em que o acesso à água doce vai ficando cada vez mais escasso, portanto mais caro, como dos custos indiretos. A distribuição de água para uma grande cidade é algo que envolve grande quantidade de energia, e ela é cada vez mais cara. Essa energia, muitas vezes, envolve a emissão de gases de efeito estufa, o que afeta o cumprimento de metas que as cidades e os Estados assumem. Há também um lado intangível dessa questão que é muito importante nesses tempos de economia do conhecimento: a cultura do desperdício tem de ser superada por qualquer empresa, cidade, localidade que deseja se inserir competitivamente no mundo atual.
Brasileiros – A visão apocalíptica de que muito em breve não teremos água deve ser uma preocupação real?
S.B. – Essa visão apocalíptica talvez derive de um não entendimento adequado de qual é o problema. O planeta tem muita água, mas apenas 1,9% de água doce. De fato, essa água doce está se tornando mais escassa porque a demanda tem crescido muito. A população chinesa está comendo muito boi, e boi é “água”. A população brasileira está consumindo mais celulares, e vá produzir um celular para ver quanta água é necessária. Pelo lado da oferta, as mudanças climáticas e o aquecimento global reduzem as geleiras, que são importantes para muitas cidades do planeta e também muda o regime de distribuição de chuvas. Isso não leva a um esgotamento da água doce. Esse 1,9% continuará sendo produzido pelo ciclo hidrológico. O que se torna mais difícil é o acesso a esse estoque de água. Seja nas geleiras, no caso de algumas cidades da Ásia, da Europa e da América Latina, seja no fato de que a chuva, ao mudar o lugar que cai, dificulta o acesso. Variáveis que fazem com que a captação para reutilização seja menos eficiente.
Brasileiros – E quais iniciativas devem ser tomadas para superar esse prognóstico?
S.B. – Temos um problema grave, mas não é um problema insuperável, desde que passemos a tratar a água como um recurso finito, e não da forma totalmente ineficiente e pouco inteligente como temos feito. Essa consciência já mudou em países onde a água é mais escassa. No Brasil, como há uma relativa abundância, pois temos a maior reserva de água doce do planeta, ainda há espaço para a cultura do desperdício e seria de grande valia para nossa sociedade e para a nossa economia passar a tratar a água imediatamente nos termos mais modernos possíveis.
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