A farra da Câmara que nós pagamos

Virou deboche. Gostaria muito de mudar de assunto, mas não dá. Cada dia de manhã em que abro o computador para ver as novidades, procuro alguma notícia boa, mas vem sempre mais uma denúncia escabrosa, outro escândalo, novo esculacho na nossa cara. Até quando?

“Deputados e parentes vão ao exterior e Câmara paga”, informa a manchete aqui do iG. Vou ler a reportagem dos colegas Lúcio Lambranho, Edson Sardinha e Eduardo Militão, do excelente site Congresso em Foco (www.congressoemfoco.ig.com.br), e simplesmente não consigo acreditar no que eles contam.

É um soco no estômago de quem trabalha para pagar suas contas e seus impostos. Em resumo: nossos deputados estão levando a família e os amigos para dar a volta ao mundo com suas cotas de passagens, que chegam a ultrapassar R$ 28 mil por mês – sim, por mês. Isto dá para fazer nove viagens à Europa.

Como eles não conseguem gastar tudo sozinhos, resolveram socializar a farra – só entre parentes e amigos, claro. Nos últimos dois anos, revela a matéria, cinco dos 11 integrantes da Mesa Diretora utilizaram suas cotas para bancar 49 viagens internacionais pela Europa, Estados Unidos e América Latina.

Na verdade, quando se diz que a Câmara paga, quem paga somos todos nós, que sustentamos esta esbórnia.

O pior é que ninguém mais tenta negar as denúncias, mas justificá-las, achando tudo muito normal.

“Cada parlamentar faz o que quiser com sua cota”, diz na nossa cara, o inacreditável Inocêncio de Oliveira (DEM-PE), um dos campeões do turismo parlamentar internacional, que está sempre na Mesa Diretora, de onde não sai nem amarrado.

Vamos pegar só o caso dele para ilustrar:

* A mulher de Inocêncio, Ana Elisa Oliveira, e a filha Shely ganharam passagens para quatro trechos cada uma: São Paulo-Nova York, Nova York – São Paulo, São Paulo-Frankfurt e Milão-São Paulo.

* Outras duas filhas viajaram três trechos: São Paulo-Nova York; Nova York- São Paulo e São Paulo Franfurt.

* Exemplar pai de família, ele também não esqueceu da neta Amanda, contemplada com os trechos São Paulo – Miami e Miami- Salvador.

É ou não é uma festa? Lendo estas coisas dá para entender os comentários cada vez mais raivosos enviados pelos leitores reagindo aos posts publicados neste Balaio sobre a proposta do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) para se fazer um plebiscito sobre o fechamento ou não do Congresso Nacional.

Critiquei a proposta de Cristovam e fui criticado pelos leitores. Em sua absoluta maioria, eles não só apoiaram a idéia do plebiscito como atacaram com ira cada vez maior a atuação dos parlamentares.

“Que gente mais sem vergonha na cara”, resumiu, à 1:50 de hoje, a leitora Adailza. Há um abismo crescente entre o que dizem placidamente os deputados e senadores cada vez que são pegos em flagrante – “o regimento permite, não fiz nada de ilegal”, reagiu o Inocêncio – e o que pensam os leitores/eleitores.

Para João Band, das 23:32 de ontem, a culpa é deles: “Sabe quem colocou esta corja lá? E vai continuar colocando? Nós, todos nós.”

Está chegando um ponto em que não tenho mais nem o que dizer. Dá nojo.

E ainda tem gente que diz que sempre foi assim. Não é verdade. Li outro dia um artigo do ex-deputado federal Davi Lerer, sobrevivente da primeira turma de parlamentares em Brasília, quando a nova capital foi inaugurada, em 1960.

Conta ele que os deputados naquela época só tinham direito a quatro passagens por mês de ida e volta a seus Estados de origem, mais nada – e só eles poderiam utilizá-las.

Não tinham direito a carro (uma kombi ia buscá-los no hotel), nem a assessores e secretárias de gabinete. Aliás, nem gabinetes individuais tinham, muito menos este acinte das verbas indenizatórias e todas as mordomias que foram se empilhando com o tempo.

Bons tempos, aqueles. Depois, veio a ditadura militar, implantada, entre outros motivos, para acabar com a corrupção. Pois, sim. Temos aí o resultado do tempo em que a imprensa era censurada e não podia denunciar tudo o que agora vem a público sobre os podres poderes da nossa República.

Eles estão rindo de nós.


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