A fogueira de livros

Bertold Brecht imaginava um escritor que se decepciona ao saber que os nazistas esqueceram os seus livros na grande queima de 10 de maio de 1933.  Ele corre para casa e escreve às autoridades: “Queimem-me!”.

A destruição dos livros foi uma constante na história. Da Biblioteca de Alexandria a um descuido de um amigo da criada de Carlyle, que lhe deitou ao fogo sua primeira versão da História da Revolução Francesa, não é a escala que importa. A dor pela perda de um único livro pode ser tão grande quanto a extinção de uma biblioteca inteira.

No Brasil, país de sempiterno espírito colonial, as elites portuguesas, e mais tarde “nacionais”, não necessitaram de nenhum padrão externo para imitar a perseguição aos livros. Antes mesmo que nossos toscos senhores de engenho, ungidos pelo voto fraudulento e (i)lustrados por uma ou duas visitas à Europa ou aos Estados Unidos, ouvissem falar da fogueira nazista, eles já se exercitavam na destruição da cultura impressa e de outras culturas. O livro A Ilusão Americana, de Eduardo Prado, foi apreendido no mesmo dia em que foi lançado. É que a recém-proclamada República dos Estados Unidos do Brasil não era tolerante com monarquistas que não aderiram a ela. Mais tarde, esse livro foi recuperado e publicado pelo historiador Caio Prado Junior como exemplo de crítica ao imperialismo!

É claro que a literatura “subversiva” mais procurada era a comunista. Já em 1924, a polícia do Rio de Janeiro fazia fogo com literatura marxista. A de Porto Alegre queimou centenas de exemplares da primeira edição brasileira do Manifesto Comunista. Boa parte da segunda edição do Manifesto foi apreendida pela polícia paulista, em 1931.

Romances “proletários” também não escaparam. No início do Estado Novo (1937), 1.500 exemplares da obra de Jorge Amado foram queimados em praça pública porque o autor era comunista. É claro que as ditaduras podiam tudo ou quase. Se no Estado Novo brasileiro queimavam-se livros, no Estado Novo português, dirigido por um professor da Universidade de Coimbra chamado Salazar, a censura tinha até seus rompantes de folclore: a lista de autores proscritos abrangia Boccaccio, Casanova, Sade e Henry Miller, talvez por serem contrários à boa moral. Mas também Schopenhauer! Talvez pessimista demais para o esperançoso fascismo lusitano.

No Brasil, são por demais conhecidas as arruaças militares nas casas de professores, operários, estudantes e tantos outros depois de 1964. A biblioteca do fundador do Partido Comunista do Brasil (PCB), Astrogildo Pereira, foi dilapidada. Algumas situações tragicômicas sobreviveram como anedotas. Os destruidores não sabiam diferenciar Marx de Marques e nem o livro A Capital, de Eça Queiroz, de O Capital, de Karl Marx. Ora, se non é vero é bene trovato

Mesmo após a ditadura militar brasileira, o velho Marx sofreu censura no Brasil. Embora O Capital jamais fosse leitura de um público amplo, não deixa de ser curioso que a Polícia Federal tenha tentado proibir seu uso em escolas secundárias da Paraíba em 1988!

*Professor de História Contemporânea na Universidade de São Paulo.


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