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Não foi pegadinha. Ao permitir a alta do preço da gasolina, dias depois de anunciar a futura queda da conta de luz, a presidenta Dilma Rousseff tinha em mente algo bem mais sério do que deixar o consumidor com cara de bobo, como dizem alguns em manifestações “engraçadinhas” nas redes sociais. Há um raciocínio econômico elaborado que explica essa aparente contradição, assim como a guinada da cotação do dólar, que depois de subir até o fim do ano, caiu abaixo de 2 reais nesta semana.
Fica cada vez mais claro que a intenção de Dilma é deixar sua marca como a presidenta que conseguiu vencer os juros altos. Sendo essa a prioridade, fica mais fácil entender as aparentes contradições do noticiário econômico.
A alta do preço do combustível nos postos – em 6,6% na refinaria e 4,4% na bomba, segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega – tende a pesar muito no bolso do consumidor. Além da facada na hora de abastecer o carro (deve ser de pouco mais de 10 centavos por litro, em São Paulo), há o impacto sobre o custo do transporte público, do frete de cargas e por aí vai. Quando esse movimento coincide com os reajustes de escolas, impostos e outros preços que sobem no início do ano, a gasolina age como nitroglicerina sobre os índices de inflação.
Em outros tempos, a solução para esse impasse seria a mais óbvia: uma pancada na taxa básica de juros. Não importando o efeito danoso sobre a atividade econômica. Os juros mais altos encarecem as prestações para quem quer comprar e os empréstimos para quem quer investir. E a indústria e o comércio se sentem obrigados a segurar preços para manter as vendas. Simples assim.
O que mudou desta vez? Em primeiro lugar, o governo conta com alguns fatores que devem ajudar a segurar a inflação. Um deles é o reajuste do salário mínimo, que ficou bem abaixo do nível de 2012 (foi de 9%, ante 14% no ano passado). A economia desaquecida também acaba contando a favor. A queda das tarifas de energia, anunciada em 18% para o consumidor residencial, também vem em boa hora. O corte começará a ser visto nas contas de luz de fevereiro, e terá efeito inverso ao da gasolina sobre a inflação.
Mas uma manobra fundamental, agora sim, é a reviravolta na política de câmbio. O governo vinha permitindo que o real se desvalorizasse (ou seja, que a cotação do dólar subisse em relação à moeda nacional), como forma de ajudar a indústria nacional a competir com os produtos importados. Neste ano, o movimento se inverteu. Desde o início de dezembro, quando chegou a mais de 2,10 reais por dólar, a relação entre as moedas caiu mais de 6%, para menos de 2.
Embora o câmbio seja flutuante, o Banco Central sinalizou ao mercado (nos leilões diários de dólares) que desejava essa queda. Qual a razão da mudança? Quando o real se valoriza, tudo o que é importado fica mais barato. Isso força os produtores nacionais a baixar os preços de itens que possam ser trazidos de fora. Esse mecanismo é chamado de âncora cambial, e não é novo.
A escolha não foi fácil, e provavelmente nem o BC, nem o Ministério da Fazenda vai admitir que agiu assim deliberadamente. Há o risco de desmotivar a indústria local e jogar por água abaixo todos os esforços feitos até agora pelo governo para estimular a retomada dos investimentos produtivos. Alguns economistas ressalvam que também fica mais barato importar máquinas e tecnologias necessárias para expandir operações em um cenário de juros baixos. Tudo questão de qual a dosagem e por quanto tempo o remédio vai ser usado.
No fim da tarde de quarta-feira, dia 30, Mantega cumpriu seu papel ao desmentir o uso da âncora cambial e dizer que uma nova alta do juro é possível, sim, se a inflação ameaçar fugir ao controle. Evitou, assim, que os investidores apostassem todos numa mesma direção. Prova disso é que a cotação do dólar ultrapassou novamente 2 reais após a fala do ministro, e recuou na sequência com uma nova intervenção do BC. Como se vê, trata-se de um equilíbrio bastante delicado.
Vale lembrar, por fim, que o aumento da gasolina não foi uma decisão mais fácil. A Petrobras vinha registrando perdas com a venda do combustível, justo no momento em que mais precisa de caixa para fazer frente aos robustos investimentos no pré-sal. Cortar impostos nas bombas para manter o preço final significaria ter menos fôlego para oferecer desonerações aos setores que precisam ser incentivados. Em outras palavras, não havia como não subir o preço.
A principal aposta do governo é que todas essas artimanhas têm caráter temporário. Um pico de inflação não é um problema tão grave. Perigo, mesmo, é ver um aumento puxar o outro – fenômeno conhecido como inflação inercial. Se os cuidados tomados agora forem suficientes para apagar o pavio da inflação sem quebrar o ciclo do crescimento, o governo Dilma poderá entrar para a história como o que conseguiu sair da armadilha dos juros. Como todo mundo ganha com isso, a hora é de torcer.
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