A genética de Nelson

A montagem teatral carioca Cachorro!, de Jô Bilac, invade a praia paulistana pela segunda vez depois de curta temporada de sucesso há mais ou menos um ano no Sesc Paulista. De volta ao Rio eles cumpriram pequenas temporadas em alguns espaços e agora se apresentam no espaço da Caixa Econômica Federal, da Praça da Sé, também por um tempo muito reduzido. Para falar a verdade essas temporadas muito breves me incomodam um pouco, pois quando os espetáculos começam a formar seu público, chega a hora de abandonar o espaço. É preciso que os programadores confiem mais em suas descobertas e invistam mais na divulgação do teatro emergente.

Em Cachorro!, sem medo de comparações com as obras de Nelson Rodrigues, Jô Bilac bebe com muita sede o que o mestre das relações familiares e amorosas – muitas vezes as duas coisas ao mesmo tempo – nos ensinou e isso resulta em uma dramaturgia fresca, ácida e muito consistente. Puro Nelson, mas geneticamente modificado.
[nggallery id=15494]

Um triângulo amoroso se apresenta desde os primeiros minutos da ação e manipulando frágeis painéis translúcidos – que por vezes revelam as cenas e que quando necessário as escondem – os três jovens atores utilizam uma linguagem corporal contemporânea que acentua a dramaticidade cômica do texto acompanhada pela sensual trilha sonora assinada por Diogo Ahmed.

Os atores Carolina Pismel, Felipe Abib e Paulo Verlings apesar da pouca idade compreendem esse universo rodriguiano e encantam os espectadores jovens apresentando esse universo dolorido e divertido, como num ritual de passagem. Todos se deleitam com suas atuações irrepreensíveis.

O cenário de Daniele Geammal é formado por divisórias que funcionam como separação das cenas e muitas vezes, apoiados pela luz precisa de Paulo Cesar Medeiros, nos remete ao teatro de sombras nos transformando em voyeurs de momentos proibidos.

A direção precisa de Vinícius Arneiro oferece ao grupo a certeza de estarem trilhando o caminho correto para que exagerem nas tintas quando é necessário e tirem o pé do acelerador quando a trama assim exige. E, para ser honesto, é no exagero que a montagem acaba pegando a plateia de maneira irreversível.

Enfim: boa dramaturgia, ótimas atuações, direção madura. O que mais se pode desejar?

Além da temporada paulista Cachorro! cumprirá extensa temporada Brasil afora.


Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.