O clima lembra uma decisão de campeonato de futebol. Ânimos alterados por todos os cantos. A arena da peleja era o Teatro Paramount, centro de São Paulo, onde acontecia a final do 3o Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, na noite de 21 de outubro de 1967, em meio à crescente tensão política.
De um lado, artistas, que começavam a mudar os rumos da MPB, se revezavam em uma batalha de nervos, movida à canção e poesia. Do outro, uma plateia apaixonada e vibrante, que aplaudia emocionada ou criticava de forma incisiva. “De repente, vi um ovo passando a menos de um palmo de meu nariz”, conta o jornalista Sérgio Cabral, um dos jurados.
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É esse momento histórico que capta o documentário Uma Noite em 67, de Renato Terra e Ricardo Calil. O filme, que marca a estreia de ambos no cinema e abriu a edição deste ano do festival É Tudo Verdade, entra em cartaz no final do mês de julho. Por meio de imagens de arquivos e entrevistas, o documentário faz uma viagem no tempo e visita a antológica competição que entrou para a história dos festivais.
Canções, até então inéditas, foram defendidas por doze ilustres finalistas, como Roda Viva, com Chico Buarque e MPB 4; Alegria, Alegria, de Caetano Veloso; Domingo no Parque, interpretada por Gilberto Gil e Os Mutantes; o samba Maria, Carnaval e Cinzas, na voz de Roberto Carlos; e a vitoriosa Ponteio, de Edu Lobo.
Segundo Calil, naquele festival surgiu uma MPB sofisticada e diversificada que perdura até hoje. “Chico se despediu da imagem mais lírica e partiu para algo mais denso; e Edu chegou ao ápice recriando ritmos do Nordeste.”
Mas não faltaram também doses de drama. Como o de Sérgio Ricardo, com a canção Beto Bom de Bola. Impedido de cantar, acuado por vaias renitentes, o músico não teve dúvidas, arrebentou seu violão, jogou-o na plateia e se mandou.
“É também o momento de uma ruptura”, relembra o produtor musical, escritor e compositor Nelson Motta – um dos entrevistados do filme. “Caetano e Gil se tornam ídolos e começam a confrontar diversas correntes musicais e políticas.”
Marcha contra a guitarra
A guitarra elétrica foi um dos estopins do racha. Para a ala mais conservadora, o instrumento representava a invasão da cultura pop estrangeira. “Ao trazerem as guitarras, Gil e Caetano rompem com a MPB tradicional”, conta Renato Terra. Para ele, é quando surge a semente do Tropicalismo.
A indisposição à guitarra chegou a provocar uma marcha de protesto contra o instrumento, surpreendentemente acompanhada, inclusive, por Gilberto Gil. “Hoje, reconheço que foi ridículo”, admite Sérgio Cabral, que participou do manifesto. Há também histórias pouco conhecidas, como a “amarelada” de Gil, pouco antes da grande final. “Estava agoniado, não queria competir, não é da minha natureza”, explica. O músico foi resgatado no hotel duas horas antes do início do programa.
Uma Noite em 67 faz um merecido resgate do ápice de uma época, entre 1965 e 1972, que ficou conhecida como a Era dos Festivais, organizados pelas TVs Record, Excelsior, Globo e TV Rio em forma de programas de auditório. Um recorte rápido e limitado, mas a iniciativa é louvável, sobretudo em um País tão carente de memória acerca de sua história cultural.
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