A crise econômica mundial ainda estava na fase da quebra dos bancos de crédito imobiliário quando, em Brasília, comemorava-se os 200 anos da criação do Ministério da Fazenda. Nesses 200 anos de história, foram 149 ministros, e desde o primeiro ocupante do cargo, D. Fernando José de Portugal e Castro, Marquês de Aguiar, nomeado em 11 de março de 1808 pelo Príncipe Regente D. João (o futuro D. João VI), até o atual, Guido Mantega, todos enfrentaram crises. D. Fernando, ao tomar conhecimento dos gigantescos gastos da Corte no Rio de Janeiro, criou três impostos, incluindo uma espécie de IPTU, para bancar a gastança. Ele criou o Banco do Brasil, que a Família Real quebrou antes de voltar a Portugal em 1821.
Já o primeiro ministro da Fazenda do Império, Martim Francisco Ribeiro de Andrada, passou seu primeiro ano como ministro tentando tapar o rombo nas contas públicas deixado por D. João VI, sem muito sucesso. O baiano de Santo Amaro da Purificação, Miguel Calmon du Pin e Almeida, o Marquês de Abrantes, é outro personagem marcante. Ele ocupou a pasta nada menos que cinco vezes, sendo a primeira de 20 de novembro de 1827 a 15 de junho de 1828. Na sua segunda passagem pelo cargo, de 1828 a 1829, liquidou o Banco do Brasil que estava quebrado desde 1820. Ao longo de mais de meio século de vida pública, o Marquês de Abrantes foi também por duas vezes ministro dos Negócios Estrangeiros (hoje das Relações Exteriores). Com quatro passagens pelo Ministério da Fazenda, o pernambucano Antonio de Paula Hollanda Cavalcanti, o Visconde de Albuquerque, teve sua primeira passagem na Fazenda entre 1830 e 1831 e a última de 1862 a 1863, quando passou o cargo para Miguel Calmon.
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Francisco de Salles Torres Homem, o Visconde de Inhomorim, médico de formação, acabou ministro do governo conservador do Visconde de Abaeté, em 1858. Além de ter passado o tempo combatendo a política econômica de seu antecessor, Bernardo de Souza Franco, Torres Homem encampou (estatizou) as Estradas de Ferro D. Pedro II e União e Indústria, que ligavam o Rio a São Paulo e a Minas Gerais. Com a queda do gabinete (fato que ocorria com impressionante freqüência e em prazos quase sempre inferiores a dois anos), foi substituído no Ministério da Fazenda por uma das figuras mais notáveis do Império, José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco. Ao longo de mais de 40 anos de vida pública, ele foi, por diversas vezes, ministro dos Negócios Estrangeiros, além das duas passagens pela Fazenda. Em 1871, foi chamado por D. Pedro II para ser o primeiro-ministro. Permaneceu no cargo até 1875, comandando o gabinete mais duradouro do Império. Em sua gestão como primeiro-ministro (acumulando a pasta da Fazenda), o Visconde do Rio Branco (que é o pai do Barão do Rio Branco) combateu a inflação, restringiu a emissão de papel-moeda e investiu na construção de estradas de ferro. No Judiciário, implantou o habeas-corpus, mas a maior conquista de sua gestão foi a aprovação da Lei do Ventre Livre, em 1871, que determinava que os filhos de escravos fossem livres. O último ministro da Fazenda do Império foi Affonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de Ouro Preto, que ocupou o cargo de 1879 a 1880 e depois de 7 de junho de 1889 a 15 de novembro de 1889.
O primeiro ministro da Fazenda da República foi outra notável figura histórica: Ruy Barbosa. Mas sua passagem pelo cargo, de 15 de novembro de 1889 a 21 de janeiro de 1891, durante o governo do Marechal Deodoro, não foi das mais bem-sucedidas. Ele adaptou o sistema financeiro dos Estados Unidos ao Brasil, permitindo que todo o sistema bancário pudesse emitir papel-moeda. A especulação foi tão grande na Bolsa do Rio de Janeiro, que a política econômica de Ruy Barbosa ficou conhecida por “Encilhamento”, momento em que os cavalos de corrida são preparados para correr. É nessa hora que os apostadores aumentam as apostas. Três ministros da Fazenda conseguiram eleger-se presidente da República. O primeiro foi Francisco de Paula Rodrigues Alves, que foi ministro do governo Floriano Peixoto, de 1891 a 1892, quando tentou consertar a bagunça criada pelo “Encilhamento”, e depois no primeiro governo de presidente civil, Prudente de Moraes, de 1894 a 1896. Foi presidente de 1902 a 1906 e aproveitando as finanças saneadas no governo de seu antecessor, Campos Salles, e mantidas em ordem pelo seu ministro da Fazenda, Leopoldo Bulhões, bancou a modernização do Rio de Janeiro. Ele foi novamente eleito em 1918, mas, vítima da gripe espanhola, morreu antes de tomar posse.
O segundo ministro da Fazenda a ser presidente foi Getúlio Vargas, ocupante do cargo de ministro de Washington Luiz, de 1926 a 1927. Depois de sair, foi eleito governador do Rio Grande do Sul. Derrotado nas eleições presidenciais de março de 1930, em outubro liderou a revolução que derrubou Washington Luiz e encerrou a Primeira República. Getúlio permaneceu no poder de 1930 a 1945. Voltou a ser eleito presidente em 1951, ficando no poder até agosto de 1954, quando se suicidou. Foi no período de 1934 a 1945 que o Ministério da Fazenda teve seu ocupante mais duradouro no cargo: o gaúcho Artur de Souza Costa. Ofuscado pela figura dominadora de Getúlio, Souza Costa, em 11 anos no cargo, teve um papel decisivo na modernização do País. Ele criou o Conselho Nacional do Petróleo, a Fábrica Nacional de Motores e a Companhia Hidrelétrica do Vale do São Francisco. Souza Costa também criou o cruzeiro e a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), embrião do Banco Central.
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O presidente seguinte, Marechal Eurico Gaspar Dutra, escolheu para seu ministro da Fazenda o banqueiro Gastão Vidigal. O seu programa econômico, com total liberação no comércio externo, resultou em uma inundação do País com todo tipo de produtos importados, fazendo com que, em dois anos, as importações crescessem 90% enquanto as exportações aumentavam apenas 15%. Getúlio voltou ao poder em 1951, dessa vez pelo voto direto. Seu primeiro ministro da Fazenda foi Horácio Lafer, que implantou um congelamento de preços para combater a inflação e criou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), do Instituto Brasileiro do Café (IBC), e do Banco do Nordeste do Brasil. Em 1953, estabeleceu o mercado livre para o câmbio, fazendo com que o cruzeiro sofresse desvalorização. Foi substituído por Oswaldo Aranha.
O governo Café Filho durou menos de um ano e trouxe para o comando da Fazenda Eugênio Gudin. Monetarista ortodoxo, Gudin implantou um plano de estabilização econômica tradicional, com corte das despesas públicas e na contenção da expansão monetária e do crédito. Ele também abriu o País aos investimentos estrangeiros. Eleito em 1955, Juscelino Kubitschek nomeou José Maria Alkmin ministro da Fazenda de modo a não atrapalhar o famoso Programa de Metas, que incluiu a construção de Brasília. Ele ampliou a entrada no País de equipamentos destinados a setores básicos da economia, permitindo a implantação da indústria automobilística e da indústria de construção naval. Depois de Juscelino, a inflação seguiu aumentando e o ministro Clemente Mariani, do breve governo de Jânio Quadros, apelou para a ajuda do FMI. O resultado foi mais aumento no custo de vida e impopularidade da política econômica.
Durante o governo de João Goulart, os ministros da Fazenda sucederam-se em um ritmo parecido aos tempos do Império. O banqueiro Walther Moreira Salles, Tancredo Neves, Miguel Calmon du Pin Almeida Sobrinho, Santiago Dantas, Antônio Balbino, Carvalho Pinto e até o promotor Hélio Bicudo ocuparam o posto. Com o golpe militar de 1964, quem assumiu o cargo foi Octávio Gouvêa de Bulhões. Com Roberto Campos, do Ministério do Planejamento, implantou um rígido programa econômico que derrubou a inflação de 90% ao ano para 30%. Criou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o Banco Central e o Conselho Monetário Nacional. Nos governos militares de Costa e Silva e Emílio Médici, a estrela da economia foi Antônio Delfim Netto. Aproveitando a situação econômica estável, Delfim conseguiu que a economia crescesse em taxas superiores a 10% ao ano, período conhecido como o “Milagre Brasileiro”. A economia e a indústria modernizaram-se, as Bolsas de Valores expandiram-se, a classe média cresceu. Mas as faixas mais pobres da população não usufruíram do “milagre”.
A partir do governo de Ernesto Geisel, iniciado em 1974, o milagre foi desaparecendo. Nem a capacidade do novo ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, foi suficiente para enfrentar o choque do petróleo de 1973. O resultado foi que, ao final do governo, a inflação já estava em 42% ao ano e a dívida externa em US$ 44 bilhões. No governo do general João Baptista Figueiredo, a coisa seguiu piorando. Três ministros, Karlos Rischbieter, Márcio Fortes e, finalmente, Ernane Galvêas passaram pela pasta da Fazenda, sem sucesso. Na verdade, quem mandava mesmo era Delfim Netto, dessa vez como ministro do Planejamento. O primeiro governo civil, eleito indiretamente em 1984, começou mal antes da posse do presidente Tancredo Neves, operado às pressas na noite da véspera da posse. Seu vice, José Sarney, passou cinco anos de governo combatendo, sem sucesso, a inflação cada vez maior. O mais famoso dos quatro ministros de Sarney foi Dilson Funaro, que tentou derrubar a inflação com o primeiro dos planos que se sucederam desde então. O Plano Cruzado, no começo, deu certo, graças principalmente a um congelamento de preços e salários. Mas o Cruzado fracassou em um ano. A inflação, sempre submetida a novos choques pelos ministros que se seguiram, Luiz Carlos Bresser Pereira e Maílson da Nóbrega, mostrou-se cada vez mais forte. Maílson conseguiu a proeza de chegar, em fevereiro de 1990, a contabilizar uma inflação mensal em torno de 90% (quase 1.000% ao ano).
E quem pensava que já tinha visto tudo foi surpreendido com o plano de Zélia Cardoso de Mello, primeira mulher no comando da economia do País. Escolhida pelo novo presidente Fernando Collor de Mello, Zélia confiscou todo o dinheiro depositado nos bancos, congelou preços, extinguiu dezenas de órgãos públicos, implantou um programa de privatizações e abriu a economia às importações. No começo, deu certo, mas, menos de um ano depois, com a inflação de volta, Zélia foi demitida, em meio à repercussão de seu romance com o então ministro da Justiça, Bernardo Cabral. Collor sofreu um processo de impeachment em 1992. O vice, Itamar Franco, assumiu e seguiu lutando sem sucesso contra a inflação. Em 1993, Itamar nomeou o senador Fernando Henrique Cardoso como ministro da Fazenda. Diante de uma inflação que se mantinha em no mínimo 30% mensais, FHC lançou, em dezembro de 1993, o Plano Real. Inovador, o plano, além de instrumentos tradicionais, como o ajuste fiscal e os cortes radicais nos gastos públicos, preparava o País para a adoção de uma nova moeda por meio de um novo indicador, a Unidade Real de Valor (URV). O objetivo era aos poucos acabar com a chamada inflação inercial. E deu certo. FHC deixou a Fazenda em 1994 para concorrer à Presidência. Foi eleito, tornando-se o terceiro ministro da Fazenda a ser presidente. O ministro da Fazenda de FHC em seus dois mandatos foi o economista Pedro Malan, presidente do Banco Central no governo Itamar Franco e peça fundamental no sucesso do Plano Real. No primeiro mandato, Malan, diante do risco de quebra de boa parte dos bancos brasileiros, criou o Proer, um programa que permitiu o saneamento do sistema bancário brasileiro. O segundo mandato foi mais problemático. Mesmo com a inflação controlada, a crise no setor elétrico – o chamado “Apagão” – começou a afetar o desenvolvimento do País. A situação agravou-se ainda mais em 2002 quando, diante do crescimento da candidatura de Lula, o governo deixou a economia desgarrar, a inflação subir e, especialmente, o câmbio disparar.
Eleito Lula, o médico sanitarista Antônio Palocci, ex-prefeito de Ribeirão Preto (SP) e um dos formuladores do programa da campanha de Lula, assumiu a Fazenda. Fazendo dobradinha com o banqueiro Henrique Meirelles, nomeado para o Banco Central, Palocci implantou uma política econômica austera. Ele saiu do cargo em 2006, em meio à “crise do mensalão”. Com Guido Mantega no comando das finanças do País, Lula foi reeleito em 2006. Mantega tem conseguido, desde então, manter o equilíbrio entre a atividade macroeconômica e uma agenda de retomada do desenvolvimento, com crescimento econômico sustentável, distribuição de renda e redução da pobreza. O crédito interno cresceu 24% em 2007, permitindo que 30 milhões de brasileiros se integrassem ao mercado de consumo. Este ano, as reservas internacionais do País ultrapassaram a marca de US$ 200 milhões, superando, em fevereiro, o total da dívida externa, fazendo com que o País passasse a ser, tecnicamente, um credor internacional. E, em uma espécie de Lei de Murphy às avessas, o que começou bem só está melhorando: descobertas de petróleo na camada do pré-sal, a quase 300 quilômetros da costa do Rio e de São Paulo, indicam um potencial de reservas comparável apenas às do Oriente Médio. Mantega agora enfrenta a crise internacional.
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