A História do PT, de Lincoln Secco, não é apenas um relato da trajetória do partido, mas também uma forma de pensar o Brasil. Impulsionado pela tensão dialética (a mesma que mobiliza outras interpretações do País, como as de Roberto Schwarz e Francisco de Oliveira), o livro flui em um andamento argucioso e agradável que concilia análise com erudição, intuição com objetividade. Trata-se, explica o autor, de “um ensaio de interpretação da nossa história recente centrada na dinâmica interna do partido”, estruturado no balanço entre a força militante, núcleos de base e a investida eleitoral.
A história do partido é dividida em quatro períodos: Formação (1978-1983); Oposição Social (1984-1989); Oposição Parlamentar (1990-2002) e Partido de Governo (2003-2010). Pela análise de suas diferentes fases, a evolução do PT segue uma trajetória análoga à formação da nossa sociedade. As vertiginosas mudanças do partido fazem parte de uma totalidade contraditória que, na verdade, é a própria configuração do País. Além disso, da forma como são narrados alguns acontecimentos definidores do PT, como as greves no ABC na década de 1970, fica manifesto o sentimento da dialética que, segundo Paulo Arantes, é a forma da nossa experiência social. Chama a atenção também o vigor com que o autor retoma certos temas-chave, como o Socialismo e a Social Democracia, que, quando pensados em um país marcado pelo descompasso entre o atraso e a modernidade, ganham movimento particular, diversificam-se e relativizam-se. Esse movimento dual, porém combinado do PT fica claro no livro: “A força centrífuga do capital se opõe à tentativa do partido superar a fragmentação das classes subalternas. Dessa dialética alimenta-se a narrativa de sua formação. Mais do que expor períodos, procurei escrever um ensaio sobre formas, acompanhando as diferentes configurações que o PT assumiu para dar sentido às contradições que ele mesmo interiorizou ao longo do tempo”. Não é empreitada de curto fôlego situar a História do PT – de determinações múltiplas, diríamos, macunaímicas – em um processo social mais amplo. O professor de História Contemporânea da USP procura mostrar que a pluralidade regional e social, as diferentes tendências, as divisões internas e os momentos de crise política acabaram por tornar-se fatores de consolidação da originalidade e atualidade do partido: “O PT é radicalmente diferente do padrão típico de partidos sociais democratas europeus em muitos aspectos”, ele “cumpriu todas as etapas históricas da Social Democracia europeia, mas de maneira concentrada”, “acelerou o tempo histórico e condensou essas fases europeias em 22 anos. Foi o suficiente para chegar ao poder e manter-se nele”.
No livro, não se pode deixar de notar, além das ilustrações de Ciro Seiji e das instigantes crônicas que abrem os capítulos, as imagens poéticas que animam o relato, como “a faísca que incendiava a pradaria”, o “leito em que adormecem os conflitos”. Também é digno de nota o perfeito equilíbrio entre o material colhido em atas de reuniões, jornais e revistas (notícias, entrevistas, depoimentos) e as fontes acadêmicas (dissertações, artigos, ensaios). Apesar de rigorosa e científica, a narrativa é fluente, ou seja, o exercício ensaístico não enrijece o seu discurso historiográfico. Desse modo, conduzido pela exatidão narrativa e precisão dialética, História do PT reúne em si o desenvolvimento histórico-social do País.
Lincoln Secco se agrupa àqueles intérpretes do Brasil que compreenderam a especificidade do nosso País como fruto de sua tensão insolúvel.
*Doutoranda em Teoria Literária na Universidade de São Paulo.
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