“Good morning, sir. How can I help you?”. A frase em inglês perfeito saída da boca da simpática oriental de pele branca e aparelhos nos dentes não chama muito a atenção dos hóspedes de um hotel localizado no centro de Los Angeles. Já os clientes coreanos ficam um pouco impressionados ao ver que a recepcionista também domina o seu idioma. Quem costuma tomar um belo susto são os turistas brasileiros, pois a moça de olhos puxados ainda fala português.
O domínio dos três idiomas foi fundamental para que a jovem conseguisse o emprego, cinco meses antes. Quando foi entrevistada para a vaga, nunca tinha trabalhado em um hotel. Não tinha nem mesmo frequentado faculdade. “Mas conheço muitos hotéis”, disse. Não mentiu. Por conta de seu emprego anterior, viajou o mundo inteiro.
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Ocupação anterior? Golfista profissional, com um currículo invejável. Se ela quisesse, poderia até acrescentar a informação de que é uma das atletas brasileiras que mais dinheiro ganhou na carreira, qualquer que seja a modalidade – foram mais de US$ 2 milhões, o que certamente deve transformá-la na recepcionista de hotel mais abonada do planeta.
É isso mesmo: Angela Park, a golfista brasileira que encantou o mundo em 2007, seu ano de estreia no LPGA Tour, o milionário circuito profissional de golfe feminino dos EUA, que distribui US$ 44 milhões ao ano, abandonou a carreira no final do ano passado e hoje trabalha como recepcionista de hotel. Decadência? Nada disso. Aos 22 anos de idade, Angela finalmente se considera uma pessoa normal, como confidenciou com exclusividade à Brasileiros durante sua visita ao HSBC LPGA Brasil Cup 2011, etapa brasileira do LPGA Tour. Pela primeira vez, ela falou em detalhes sobre os motivos que a fizeram largar a vida de golfista profissional e o que pode fazê-la retornar algum dia aos campos.
Angela veio ao Brasil no final de maio, a convite da organização do HSBC LPGA Brasil Cup 2011, apenas para acompanhar o torneio. Poucos golfistas a reconheceram na solenidade de abertura. Sem bronzear-se ao sol dos campos de golfe há sete meses, sua pele estava branca como nunca. O aparelho nos dentes também era uma novidade – quando jogava, não se arriscou a colocá-lo, com medo de que as dores, comuns no período de adaptação, atrapalhassem os treinos. Angela só não saiu de lá despercebida porque foi chamada ao palco, pouco antes de voltar ao hotel onde estava hospedada, na Barra da Tijuca.
Dois dias depois, em um sábado chuvoso, foi ao Itanhangá Golf Club para acompanhar de perto o primeiro dia de torneio. Estava discreta, com calça comprida e casaco para protegê‑la do clima e dos mosquitos. Quem se acostumou a vê-la de camisa polo colorida, shortinho e boné não a reconheceu. Andou pelo campo sozinha, misturada ao público. Anônima. “Você joga golfe?”, perguntou um dos espectadores. “Jogo”, disse, sorrindo e exibindo o aparelho. “Que legal. Sou handicap 12. E você?”, insistiu o rapaz, referindo‑se ao número que indica a habilidade do jogador. Angela apenas sorriu novamente, dando a entender de que era uma iniciante no esporte e não a maior golfista que o Brasil já produziu.
Angela despontou com destaque no mundo do golfe em 2007, quando venceu o prêmio de Rookie of The Year (melhor estreante) do LPGA Tour. No mesmo ano, chamou a atenção do mundo todo ao terminar empatada em segundo lugar no US Women’s Open, um dos torneios que compõem o Grand Slam do golfe feminino. Nunca nenhum golfista brasileiro, homem ou mulher, havia chegado tão longe. Naquele ano, Angela ganhou US$ 983 mil em prêmios e terminou o ano em 8o lugar do Money List do circuito, feito nunca alcançado por nenhuma brasileira (e também por nenhum brasileiro no equivalente masculino, que seria o PGA Tour).
Em 2008, Angela teve novamente uma ótima temporada, com quase US$ 870 mil em prêmios e um 17o lugar no Money List. No US Women’s Open daquele ano, terminou em terceiro lugar, ratificando o respeito internacional adquirido. Os dois primeiros anos de Angela no LPGA Tour lhe garantiram um lugar entre as 100 golfistas que mais ganharam dinheiro no esporte, com cerca de US$ 2,1 milhões em prêmios, montante inédito para uma esportista brasileira. Mesmo há sete meses sem jogar – e sem faturar -, ela ainda ocupa a 100a colocação entre as golfistas mais premiadas até hoje.
Mas nem tudo é dinheiro na vida. As viagens seguidas e a pressão das competições acabaram estressando a brasileira em 2009, quando ela começou a jogar mal e a não passar das fases eliminatórias. Por isso, resolveu dar um tempo e parou de competir durante dois meses. Na época, surgiram boatos de que teria engravidado ou que teria virado missionária religiosa na África. Angela dá risada quando se lembra disso. Tímida e avessa a entrevistas, não fez muita questão de vir a público contar o que estava acontecendo, como faz agora para a Brasileiros. “Não me sinto à vontade para responder perguntas de quem não conheço”, diz.
Já o golfe é um velho conhecido. Entrou em sua vida aos 9 anos, um ano depois que ela e os irmãos se mudaram de São Paulo para a Califórnia com o pai, o coreano Kyung Wook Park (ou Paulo Park, nome brasileiro adotado por ele). A intenção era proporcionar uma boa educação aos filhos. A mãe de Angela, Kyung Ran Lee (ou também Angela Park, na versão abrasileirada do nome) continuou vivendo em São Paulo, onde comanda no bairro do Brás a confecção da família, a Paspal (iniciais dos nomes da família: Park, Alessandro, Samuel, Paulo, Angela e Lee). O pai tocava a filial americana da empresa. Apesar de distantes – hoje, ele mora na China -, os pais dela continuam casados.
Angela começou a jogar golfe na escola à tarde, onde ficava após as aulas, pois o pai trabalhava e não podia cuidar dela e dos irmãos. Quando tinha 14 anos e já demonstrava um talento fora do comum, seu pai decidiu fechar a Paspal USA para cuidar da carreira e dos treinos da filha. A vida dela era apenas estudo e golfe – mais golfe que estudo.
“Toda minha vida era orientada para o esporte. E eu gostava disso. Adorava treinar e jogar”, diz ela, que afirma ter praticado golfe todos os dias de sua vida desde os 9 anos de idade até o final da carreira, com pouquíssimas exceções. “Mesmo quando vinha para o Brasil visitar a família, acabava batendo bolas”, conta.
O preço de tanta dedicação foi alto. O pai, inspirado na rígida educação oriental, não deixava Angela participar de atividades comuns a crianças de sua idade. “Nunca fui a uma festa de aniversário, nunca dormi na casa de uma amiga ou fui ao cinema quando era criança”, diz ela. “Na verdade, não senti muita falta disso, pois eu queria muito jogar golfe, mas hoje vejo que amadureci mais cedo”, reflete. Durante a high school, o ensino médio dos EUA, Angela treinava diariamente das 13 horas às 20 horas. Quando não tinha aula, o treino ia das 9 horas às 19 horas. Férias? Que nada.
A decisão de abandonar a carreira foi tomada em outubro do ano passado, quando ela teria de se inscrever para a Qualifying School, ou Q-School, que é o torneio classificatório para o LPGA Tour. Com menos de US$ 9 mil em prêmios em 2010, amargava a 144a posição anual no Money List, e não teria vaga garantida para disputar a temporada seguinte.
Angela disse não à Q-School e nunca mais jogou uma partida de golfe. “Estava exausta. Não só fisicamente, pois as viagens e treinos são cansativos, mas também mentalmente. Eu não sabia mais o que queria. Não tinha mais objetivos nem motivação, coisas que são fundamentais para um golfista”, conta.
Assim que se profissionalizou, Angela conta que viu a realização de um sonho. Ela não acreditava que estava ganhando dinheiro para fazer o que sempre sonhara. Mas logo a cobrança da família e das pessoas próximas aumentou. “Eles queriam que eu fosse melhor, que treinasse mais. Queriam que eu vencesse o US Women’s Open do ano seguinte, por exemplo. Eu já tinha atingido bons resultados e queria descansar um pouco, mas não conseguia”, diz. A decisão de parar foi um choque para todos. “Acharam que eu estava louca. Mas fez parte do meu crescimento não ouvir meus pais uma vez na vida e passar a tomar minhas próprias decisões”, diz.
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A ex-golfista diz-se feliz com a guinada na rotina – hoje vai ao cinema, frequenta festas de aniversário e restaurantes e adora ficar em casa sem fazer absolutamente nada, sem nenhuma pressão. “Estou gostando de ver como a vida tem suas complicações, como é ter um emprego diário e trabalhar 40 horas por semana. É uma experiência que tem me aberto os olhos.” Pela primeira vez, ela vive só.
O que mais tem chamado sua atenção são as novas amizades que finalmente pôde passar a cultivar. “Eu não tinha ideia de que podiam existir amigos que se preocupam comigo só por causa da amizade e que estão lá quando eu preciso. No golfe, havia muita competição e eu não parava de viajar”, conta.
A questão que agora se coloca não é se Angela volta para o golfe, mas sim se o golfe volta para Angela. “Honestamente? Eu realmente queria jogar, queria ter a paixão de volta para retornar, mas isso não pode ser forçado por ninguém. Se esse desejo voltar, vou jogar novamente. Mas pode ser que nunca volte. Não dá para forçar. Cresci amando o jogo, por isso só consigo jogar com essa paixão dentro de mim.” Até lá, o mundo terá uma dedicada e feliz recepcionista de hotel. E o golfe, eventualmente uma espectadora – mas só quando der vontade.
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