Não faz muito tempo – um ano e dois meses, para ser preciso – que o jornalista paulistano Edgard Matsuki, 29, percebeu que os boatos criados na internet e transformados instantaneamente em verdade estavam saindo do controle. Neles, a presidente Dilma Rousseff participou de eventos em Cuba com uniforme militar, foi humilhada em um congresso da União Europeia e não quis cumprimentar o zagueiro afro-alemão Boateng na premiação à seleção da Alemanha, após a Copa, ou o ex-senador Aécio Neves enviou dinheiro do governo mineiro para Aspen, nos Estados Unidos, em associação com sua ex-mulher, e foi fotografado em um jardim após uma noite de bebedeira, ou ainda o ex-governador de Pernambuco é filho não declarado do cantor Chico Buarque. Tudo mentira.
Para desmenti-los, Matsuki divide seu trabalho entre a EBC, veículo para quem cobre a vida política em Brasília, com o site Boatos.org (veja clicando aqui), onde tenta desvendar boatos da web junto a uma equipe de sete jornalistas e estudantes de comunicação. “Depois que uma informação se espalha é difícil fazer o trabalho de formiguinha, não tanto de desmentir e encontrar a verdadeira informação, que não é tão difícil, mas de fazer este trabalho chegar às pessoas, que é bem complicado”, diz. O site já tem 40 mil acessos diários e trouxe à tona mais de 100 “verdades”. No mês que vem, a edição impressa de Brasileiros trará uma reportagem especial sobre como as mentiras compartilhadas na internet podem afetar o debate sobre o futuro do Brasil na campanha presidencial. Abaixo, uma antecipação do assunto com Matsuki:
Brasileiros – O volume de boatos que o seu site precisou desmentir neste período pré-eleitoral aumentou?
Edgard Matsuki: Por incrível que pareça eu ainda não senti a diferença. Um pouco antes da Copa do Mundo eu acredito que os boatos na internet atingiram o pico, principalmente com a popularização de páginas como a TV Revolta, que estava muito forte antes do Mundial, e outros perfis no Facebook que lidavam com política, mas eu acho que ainda não estourou o número de boatos ao nível que eu penso que vai chegar quando estivermos mais próximos das eleições.
Brasileiros – Mas a tendência é aumentar?
Edgard Matsuki: Ah, sem dúvida. Até porque, apesar de eu estar no projeto há um ano e dois meses, ou seja, essa é a primeira eleição que eu vou pegar, tem muito boato que eu desmenti e que já era velho. Existe um fenômeno dos boatos: eles surgem – têm grande volume, grande compartilhamento e circulação pela internet – e somem. Só que depois de um período, de alguma forma, alguém pega essa informação e faz uma revisão. Eu acabo tendo que desmentir alguns boatos que eram das eleições de 2006, de 2010 e voltaram a circular com força, e isso mostra como a proximidade com as eleições dá margem para a criação de novas histórias mentirosas.
Brasileiros – Boatos de política são maioria?
Edgard Matsuki: Políticos são os que mais ocorrem, sem dúvida, mas existem outras categorias. Neste ano, por exemplo, já foram 72 artigos sobre mentiras políticas que surgiram na internet e eu precisei desmentir. Tem outras categorias semelhantes em relação a esta quantidade, como a de esportes durante a Copa do Mundo, ou boatos religiosos, criminosos, enfim. Eu colocaria estas categorias como as principais.
Brasileiros – E você tem um índex de quais são os partidos mais falados?
Edgard Matsuki: Ah, sem dúvida o PT é o alvo preferido de mentiras da internet. Mas há alguns pontos para essa preferência: primeiro é que, atualmente, o PT é o partido que tem a maior exposição pública, porque está no poder. Um segundo ponto que eu vejo é a proliferação de páginas de direita, sem dizer a centro-direita, mas a direita radical mesmo, aquela coisa de ódio para qualquer coisa que venha da esquerda, e aí o PT se torna alvo natural. Aliás, até o PSOL, que é um partido de menor representatividade nos cargos públicos, mas também de orientação esquerdista, está constantemente presente em mentiras da internet. Aparecem coisas do Jean Wyllys, por exemplo. Então, mesmo numa proporção menor, também surgem coisas sobre personagens do PSOL.
Brasileiros – E no processo de apuração das mentiras, é possível saber exatamente de onde surgiram esses boatos?
Edgard Matsuki: Sim, em alguns casos. Algumas vezes a gente tem a fonte primária de informação, como alguns blogs e sites menores que criam esses boatos e exploram nas redes sociais. Existem até algumas páginas ditas de humor, que criam notícias falsas e outras pessoas pegam, compartilham, acrescentam um comentário pernicioso e, obviamente, repercutem. É arriscado afirmar que estas páginas tenham uma intenção direta política, mas com certeza o efeito que elas causam é político.
Brasileiros – Então a maior parte é de blogs de humor?
Edgard Matsuki: Não necessariamente. Dos que eu identifiquei alguns eram de blogs de humor, mas tinham outros de páginas de direita, nos casos em que o PT é alvo, ou então de usuários no Facebook mesmo. Existem alguns boatos que surgem de mensagens de pessoas no Facebook e que se tornam virais depois de fazer sucesso entre um grupo de amigos, por exemplo. Cito-te um exemplo prático: logo depois que acabou a Copa do Mundo surgiu um texto e um vídeo mostrando que não era possível escrever “Fora Dilma” na parte de trás da camiseta da Seleção Brasileira por meio do site da Nike. Esse material surgiu de um usuário que viu, fez um vídeo, compartilhou com os amigos e o negócio ganhou uma proporção gigantesca.
Brasileiros – Quando o boato cresce e ganha proporções grandes se torna mais difícil desmenti-lo?
Edgard Matsuki: Sim, tanto que os números mostram isso: o volume de compartilhamentos no Facebook de uma mensagem que é mentirosa é muito maior do que o link que diz a verdade. Depois que uma informação se espalha é difícil fazer o trabalho de formiguinha, não tanto de desmentir e encontrar a verdadeira informação, que não é tão difícil, mas de fazer este trabalho chegar às pessoas, que é bem complicado. A mídia tradicional tem nos ajudado e divulgado o Boatos.org, o que está facilitando o nosso trabalho de desmentir boatos. Mas é isso: quando se espalha, é complicado expandir o fato concreto. Tem outro fator que é interessante nos boatos políticos: muitas vezes as pessoas compartilham essas notícias sem checá-las porque aquilo vai confirmar as opiniões que já estão pré-formatadas nelas. Vou te dar um exemplo: se é uma pessoa mais conservadora, que acredita na meritocracia, que acha que o Bolsa Família é um programa que prejudica o Brasil, e de repente ela vê um boato como o que apareceu esses dias, de uma suposta foto de um beneficiado do Bolsa Família com um extrato de R$ 2.500 reais na mão, ela não quer saber se é verdade ou não, se a imagem foi editada, ela vai apenas compartilhar como se fosse a verdade, como se o programa fosse o que ele já argumenta, de que é um programa para sustento de “vagabundo”, e isso se espalha entre pessoas do mesmo pensamento.
Brasileiros – Quanto tempo vocês demoram para apurar um boato?
Edgard Matsuki: Existem alguns caminhos. Eu tenho um cargo mais gerencial, mas quando é comigo, desde a coleta do boato até a divulgação no site, eu levo uns quarenta minutos. Mas nem todos são assim. Os próprios de política são mais complicados. Apesar de que tem alguns casos que uma verificação básica resolve. Um que me deu bastante trabalho foi o boato sobre a “humilhação da Dilma na Europa”, que eu levei cerca de duas horas.
Brasileiros – Vocês têm um recorde?
Edgard Matsuki: Não foi um boato de política, mas por exemplo, eu levei três dias em um deles. Foi de uma imagem de um casal, onde tinha um menino de 13 anos que era, supostamente, o filho do dono da Friboi, e uma personal trainer de 30 anos. Apareceu com força no começo do ano. Pra conseguir achar quem era a pessoa eu demorei.
Brasileiros – Mas chegam a ligar para fontes?
Edgard Matsuki: São mais raros estes casos, porque a maioria é possível encontrar em sites oficiais, por exemplo. Teve um caso de uma médica que, segundo o boato, tinha dito para uma paciente que ela estava com virose bacteriana. Outro caso foi a questão da Friboi e o filho do Lula, que é um clássico dos boatos, que eu precisei entrar em contato com a empresa também.
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