Apreensiva, ao lado da Estação Trianon Masp do Metrô, uma senhora loura reprova a manifestação dos estudantes da USP que cruza a Avenida Paulista aos gritos de “Ô, burguesia, pode esperar, o povo pobre ainda vai te expropriar!“. Indignada, ela aponta o dedo médio em riste e troca ofensas com o grupo. A passeata avança e Mafalda, que prefere não falar seu nome completo, mas enfatiza que “trabalhou muito na vida, ao contrário desses jovens que têm ensino da melhor qualidade e ficam nessa vagabundagem”, se cala. O dedo em riste da enfermeira aposentada foi flagrado em foto publicada na primeira página da Folha de S. Paulo, do dia 26 de novembro, e sintetiza uma indignação reativa e urgente, como a do senhor, ilhado em seu carro, na esquina da rua Pamplona, que prefere não depor. Como Boris Casoy, ele apenas brada, enfurecido: “Isso é uma vergonha!”. E, por fim, pergunta: “Não tem como fugir de ré, filho?!”.
Alinhado na esquina da rua Bela Cintra, um diminuto grupo de anarcopunks provoca um pequeno cordão de policiais militares indiferentes à cena (50 homens foram destacados para a ação, segundo dados da PM), e a marcha avança até o calçadão do último quarteirão da Paulista, onde 60 manifestantes do movimento Ocupa Sampa, acampados em 30 barracas desde a terça-feira anterior, demonstram apoio e engrossam o coro que ironiza: “Ah, mas que vergonha, achar que a greve é por causa da maconha!“. Entre os integrantes do Ocupa Sampa, um deles sobressai. Veste um capacete com microcâmera integrada e carrega uma mochila que deixa transparecer um notebook e um link de internet. Enquanto filma e transmite a opinião que concede João Bagdadi, 23, estudante de Comunicação Social que abandonou o curso em 2010, revela que vem dormindo na rua há 15 dias, quando a versão paulistana do movimento Occupy Wall Street começou a ganhar forma no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. Articulado, ele ressona os protestos mundiais, mas acrescenta que também apoia os estudantes da USP.
Rumo ao MASP, na esquina do Conjunto Nacional, o ambulante Délcio José da Silva, 49, também desperta a atenção de muitos ao carregar um enorme saco plástico, com milhares de apitos multicoloridos. Há quase 30 anos, ele literalmente ganha a vida no apito. Esmiuça páginas de jornais e o noticiário da TV em busca de greves, passeatas e palanques eleitorais. Délcio trabalhou em campanhas, como a Diretas-Já!, brigas presidenciais históricas, como a de Collor e Lula, e diz que apoia os estudantes, enfatizando que “o melhor para o Brasil e o mundo é a democracia”. Um helicóptero da TV Bandeirantes plana sob os arranha-céus e o grito vigente é interrompido para dar vez a um improvisado e, logo, aderido: “Hei, Datena, para de mentir!”. Carregando bandeiras e “metralhadoras” cor-de-rosa, integrantes da “Tropa Rosa Choque”, parodia o batalhão da Polícia Militar e propõe uma manifestação performática.
Às 18h25, a multidão se aglomera em frente ao MASP e surge a convocação para a tão esperada “aula de democracia”. Esbaforido, depois de marchar por mais de duas horas, de paletó e gravata (caracterizado de “Geraldo Alckmin”, com direito a máscara que reproduz o rosto do governador), o diretor do DCE (Diretório Central dos Estudantes da USP) e estudante de Ciências Sociais Matheus Trevisan, 22, opina sobre a polêmica sentença de Alckmin, que recomendou aos alunos uma “aula de democracia”: “Essa foi uma declaração infeliz e desnecessária, sintomática de um governador que defende um projeto restritivo, que faz com que a USP seja uma ilha de excelência cercada de problemas graves por todos os lados”.
No púlpito improvisado no vão livre do MASP, a estudante Carime Thomazini (leia entrevista na página 100) dá início a “aula pública de democracia” e convoca a todos para uma coleta de doações que viabilizará um ato cultural no qual pedirão o apoio da população. Um colombiano, também estudante da USP, toma um dos microfones e dispara: “Vim da Colômbia e estamos juntos nessa luta. Viva Latinoamerica!”. Gritos de viva resultam em um novo bordão: “Acabou o amor: isso aqui vai virar o Chile!”. Na sequência. Carime faz um retrospecto dos fatos e anuncia duas inusitadas visitas. A primeira de um manifestante palestino, que inicia a “aula” e é ovacionado ao dizer: “É a mesma luta na Tunísia, na Líbia e no Bahrein. Vamos conectar o mundo. Unidos, vamos vencer!”. A segunda é de um integrante do sindicato da Universidade de Liverpool, que prega uma aliança global: “Vim aqui em nome da luta pela educação. A Inglaterra, a Escócia e o País de Gales apoiam os estudantes da USP”, e também conclui: “Juntos podemos vencer!”. A manifestação vai chegando ao fim e, no atual turbilhão de insurreições, tão confusas e multifacetadas quanto as próprias causas locais e globais, parece impossível estabelecer prognósticos que apontem derrotados e vencedores.
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