A moda política de Zuzu Angel

A estilista Zuzu Angel
A estilista Zuzu Angel

Mesmo se não tivesse perdido o filho, Stuart Angel Jones, torturado e assassinado por agentes da ditadura militar em 1971; mesmo se não tivesse se tornado, ainda nos anos de chumbo, uma das mais ativas vozes contra as atrocidades cometidas pelo regime; mesmo se não tivesse criado a primeira coleção de moda política da história do País; mesmo se não tivesse morrido aos 54 anos, em 1976, em um acidente de carro noticiado como acidental, mas em circunstâncias nebulosas; ainda assim Zuleika Angel Jones já teria deixado sua marca na história do País. Costureira e estilista, Zuzu Angel foi pioneira na tentativa de conceber uma moda genuinamente brasileira. Com cores fortes, cortes inovadores, tecidos de diferentes regiões e referências ao folclore nacional (do cangaço aos animais nativos), tornou-se reconhecida no Brasil e no exterior por sua originalidade.

Mas, após o desaparecimento do filho, moda e política tornaram-se campos indissociáveis em sua vida. Isso não significa que a estilista fosse, antes do episódio, uma pessoa despolitizada. “Há uma ideia errada de que ela era burguesa, acomodada, e, de repente, virou outra pessoa, como se fosse numa novela. Essa visão é pobre”, afirma Hildegard Angel, filha da estilista e uma das curadoras da megaexposição Ocupação Zuzu. Hildegard lembra ainda que a mãe era feminista e havia votado em Juscelino e Jango. Mas o fato é que, quando Stuart foi dado como desaparecido pela ditadura, Zuzu não aceitou a versão oficial e passou a usar todas as armas possíveis para denunciar os crimes do regime. Foi assim que, em 1971, realizou o célebre desfile-protesto na embaixada brasileira nos EUA, onde, vestida de preto, denunciou o desaparecimento do filho para a mídia internacional e vestiu as modelos com bordados de soldados, canhões e andorinhas pretas. Um vídeo inédito do desfile está em exibição na mostra.

Detalhe de vestido com imagens de protesto/ Foto André Seiti
Detalhe de vestido com imagens de protesto/ Foto André Seiti

Em busca do direito de enterrar o filho, a estilista escreveu cartas para políticos e figuras públicas de diversos países. Em uma visita de Henry Kissinger ao Brasil, furou o bloqueio da segurança e entregou um dossiê ao secretário de Estado norte-americano. Uma versão prévia dessa carta, escrita à mão por Zuzu, está na mostra, assim como roupas e acessórios criados estrategicamente pela estilista – a exposição reúne cerca de 500 itens.

A confirmação da morte do filho veio, com detalhes, em 1974, em uma carta enviada da prisão pelo jornalista Alex Polari – e transportada dentro da vagina da também ex-guerrilheira Lúcia Murat. Polari relatava ter visto Stuart sendo arrastado com a boca presa ao escapamento de um carro, em uma sede da Aeronáutica. Abalada, Zuzu intensificou as denúncias, mesmo sabendo dos riscos. Em 1975, deixou com algumas pessoas, entre elas Chico Buarque, carta em que dizia que, se aparecesse morta, seria obra dos mesmos assassinos de seu filho. Um ano depois, morreu em um acidente de carro, no Rio, em circunstâncias nebulosas. Em 1998, a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos declarou, com base em testemunhos, que o regime militar foi o responsável pelo ocorrido.

Com a exposição, que reúne vestidos, objetos, cartas, vídeos e realiza desfiles, Hildegard segue na luta pela divulgação da história: “No Brasil, a memória é um detalhe. As histórias de Zuzu, Stuart e tantos outros da época deveriam ir para os livros de história, de ensino básico e fundamental”, diz. Já sob o ponto de vista pessoal, ela conclui: “Não me acostumei até hoje com as perdas. Quando eu era mais nova, tinha uma couraça, mas à medida que o tempo passa, vou ficando mais fragilizada e emotiva. É difícil”. 

Serviço – Ocupação Zuzu
De 1º de abril a 11 de maio
Itaú Cultural (av. Paulista 149)

Hildegard Angel, Ana Cristina, Zuzu Angel e Stuart/ Foto Instituto Zuzu Angel
Hildegard Angel, Ana Cristina, Zuzu Angel e Stuart/ Foto Instituto Zuzu Angel


Comentários

Uma resposta para “A moda política de Zuzu Angel”

  1. Avatar de Maria José Batista
    Maria José Batista

    Sou costureira, mãe e em.várias histórias me identifico, uma pessoa admirável.

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