A morte de Adolf Hitler

Adolf Hitler suicidou-se em 30 de abril de 1945. Eis um episódio que todo mundo conhece, de como foi o fim do mais cruel e nefando dos ditadores da era moderna. Não há dúvida de como se desenrolaram os fatos, de acordo com A Queda, um filme sobre os últimos dias do führer em seu bunker situado debaixo da Chancelaria do Terceiro Reich. Tudo caminha para o final esperado, até porque seria inadmissível a hipótese de o ditador nazista se render aos soldados russos após a destruição completa de Berlim, exceção feita a seu próprio bunker, autossuficiente em energia, água e mantimentos até o fim. Os ataques apopléticos de Hitler, representados pelo ator Bruno Ganz, tornaram-se lugar comum na internet, servindo de mote para representar o auge da irritabilidade a que uma situação pode levar. O ator alemão ficou tão marcado por sua interpretação, que, hoje, sua imagem se confunde com a de Hitler, não importa em que filme ele esteja trabalhando.

O final da vida do ditador nazista corre conforme o roteiro previsto: Hitler testa o cianureto em sua cachorra Blondi, que morre em segundos, provando que o veneno é do bom, sem perigo de não funcionar na hora H. Depois, ele se encerra no quarto do bunker com a companheira, Eva Braun, e comete o suicídio ao ingerir uma cápsula de cianureto, mais um tiro na cabeça. Para Eva, basta o veneno. Em seguida, um de seus fiéis escudeiros leva os dois corpos para fora do bunker para serem incinerados, queimando uma gasolina que rareava. Ainda deu tempo para que os nazistas do derradeiro grupo fizessem a saudação de braço direito erguido, em homenagem ao homem capaz de provocar a guerra que terminara, em 1945, com 60 milhões de vítimas.

Depois de tudo explicado e entendido, eis que sai o livro Grey Wolf: The Escape of Adolf Hitler (Sterling Publishing, Nova York, 356 páginas) sobre a não morte de Hitler no bunker, afirmando que não há evidência forense de que o ditador tenha de fato morrido. De cara, o livro é visto com ceticismo porque a tese é marota, difícil de acreditar: Hitler morrendo na Patagônia argentina, em 13 de fevereiro de 1962, solitário e entediado.

Uma passada de olhos pela orelha do livro dá para perceber que os dois autores têm currículo e podem ser levados a sério nessa insólita versão. O primeiro é Simon Dunstan, escritor conhecido, produtor de filmes (History Channel) e fotógrafo especializado em história militar. Já escreveu 50 livros sobre a Segunda Guerra Mundial. Seu coautor é Gerrard Williams, renomado jornalista de televisão, que trabalhou por 30 anos na BBC, Sky News e Reuters, também especialista em conflitos armados. Conclusão: a tese do livro pode não ser uma bobagem. E o leitor começa até a acreditar que a tese seja verossímil. Assim, pode ser que Hitler não tivesse coragem de se matar, por ter dado demonstrações de covardia a vida toda. Ainda mais com veneno e arma de fogo, uma dupla agressão contra o corpo de um hipocondríaco.

Embora fosse o líder de um regime tão cruel, o führer não suportava ver sangue nem testemunhar violência. Certa vez, quando seu trem especial parou em uma estação ferroviária, na época da revanche da Rússia, um comboio cheio de militares nazistas em retirada ficou emparelhado com o seu. Adolf Hitler imediatamente mandou fechar as janelas do trem para não se chocar com os soldados feridos, a maioria deles enfaixado com bandagens ensanguentadas.

Um testículo a menos

Já na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), ele ganhara a alcunha de chorão, pelo interminável berreiro que fez quando foi ferido e perdeu um testículo, enquanto cumpria sua missão de mensageiro, de bicicleta. Durante o processo de organização dos campos de extermínio de judeus, que levaram ao holocausto, Hitler jamais assinou qualquer ordem nesse sentido, sendo as suas instruções sempre verbais, passadas para Heinrich Himmler, o comandante militar que encaminhava ordens e instruções para os subordinados. O ditador nazista tinha muito medo de morrer, por isso era refém de seu médico e charlatão Theo Morell, que o enchia de remédios, em especial estimulantes para os seus pronunciamentos arrebatados.

Para provar que Hitler não se matou, o livro Grey Wolf desenvolve uma teoria complexa para fazê-lo chegar à Argentina. Afirma que naquela hora em que o führer sai do bunker e passa em revista um grupo da juventude hitlerista, já não era ele que estava presente, mas, sim, um sósia (Gustav Weber), dando tempo para a fuga. Se essa versão for correta, o aparecimento do sósia fora do bunker serviu apenas para mostrar que Hitler estava vivo, mesmo sob o forte canhonaço russo vindo das vizinhanças de Berlim. Caso contrário, qual a razão de correr o risco de ser atingido por uma explosão enquanto condecorava um pequeno grupo de jovens?

Mais sósias

Eva Braun também teria uma sósia, assassinada pela SS no bunker, em seu lugar, assim como o sósia de Adolf Hitler, quando sua presença já não era necessária, sendo os dois cremados, em vez das personagens reais. A identidade da sósia de Eva nunca foi revelada, mas ela deve ter sido escolhida entre as atrizes selecionadas por Goebbels, então ministro das Comunicações para seus filmes de propaganda. Com maquiagem de cinema e arranjo dos cabelos, era difícil distinguir Eva Braun de sua sósia.

Mantidas as aparências de que o casal permanecia no bunker, estava aberto o caminho para que Adolf Hitler e Eva entrassem em um labirinto profundo, conhecido por poucos, que passava sob a antiga Chancelaria do Terceiro Reich. O acesso ao túnel de saída era direto do bunker, por uma porta no estúdio de Hitler coberta por uma fina placa de concreto que deslizava sob uma estante de livros. Esse túnel era ligado à rede de metrô de Berlim, por uma passagem de 500 m.

Na sexta-feira, 27 de abril de 1945, com as tropas soviéticas se aproximando, chegava o último momento possível para escapar. Eva Braun estava escrevendo em sua mesa e Hitler, sentado no sofá, esfregava as mãos com grande inquietação. A vibração dos impactos das bombas e o som surdo da artilharia pesada podiam ser sentidos mesmo através das espessas paredes de concreto do bunker. Era a hora de correr para algum ponto da cidade arrasada em que ainda seria possível escapar de avião.

Água até o tornozelo

Embora os aeroportos de Tempelhof e Gatow estivessem sob o domínio soviético, ainda havia algumas pistas improvisadas de onde seria possível decolar. O sistema de metrô da cidade, o U-Bahn, oferecia uma rota segura até a Fehrbelliner Platz. De lá para a pista de decolagem improvisada era um pulo. No grupo que buscava escapar com o führer estava Fegelein, irmão de Eva, que aparece como um traidor justiçado pelos soldados da SS em A Queda. O restante era formado pela própria Eva, Martin Bormann, do grupo próximo de Hitler, cujo paradeiro ao final da guerra nunca foi conhecido, seis soldados de confiança da SS, e a cadela Blondi, que também contou com uma pastora alemã para ser sacrificada em seu lugar no bunker. O grupo entrou no metrô pela estação Kaiserhoff, hoje Mohrenstrasse, com água na altura do tornozelo, enquanto caminhava para Fehrbelliner Platz. A jornada de pouco mais de 6 km durou três horas, ouvindo ao fundo o tiroteio dos invasores soviéticos que enfrentavam os soldados alemães que ainda resistiam nas linhas do U-Bahn. Ao chegar, os fugitivos encontraram três tanques Tiger II e dois carros de transporte blindados, aguardando o grupo para conduzi-lo até a pista improvisada do Hohenzollerndamm.

O trimotor Junkers decola com Hitler

Às três horas da madrugada de 28 de abril, as lâmpadas vermelhas demarcando a pista de 800 m foram acesas, revelando o avião Junkers 52/3m, que havia chegado 40 minutos antes, aproveitando a limpeza da pista e o conserto dos buracos feitos pelos soldados que aguardavam a chegada dos fugitivos. Na cabine de comando estava Peter Erich Baumgart, capitão da SS. Suas ordens eram voar para um aeroporto em Tonder, na Dinamarca, a 44 milhas do rio Eider, no norte da Alemanha, logo abaixo da divisa com o país nórdico. Em 17 minutos, o Junkers está nivelado, a 10 mil pés e 132 milhas/hora. Chegando a Tonder, o grupo muda para outro Ju 52, para chegar à distante base da Luftwaffe, em Travemunde, onde passam para um Junkers maior, o trimotor 252, comandado pelo tenente-coronel Werner Baumbach, para chegar a Reus, próximo a Barcelona, na Espanha, com o apoio do generalíssimo Franco, colega ditador.

Dali, para despistar, passam para um Ju 52, de bandeira espanhola, voando até as  Ilhas Canárias, em Fuerteventura, de onde o grupo embarca no U-518, um submarino de larga autonomia, do Tipo IXC, até Necochea, na costa argentina, daí para Neuquen em um biplano Curtiss, da Força Aérea Argentina, onde reabastece e segue para Bariloche, a 5.300 milhas náuticas de distância, cobertas em 59 dias. Tratava-se de uma região habitada por grande quantidade de nazistas, muitos deles criminosos já fugidos do Reich. Para facilitar a vida dos nazistas que chegariam à Argentina, Bormann tinha criado a Aktion Feuerland, com fundos suficientes em moeda forte para sustentá-los por alguns anos. O valor equivaleria, hoje, a US$ 50 bilhões.

Argentina pró-nazi

A posição da Argentina pró-países do Eixo fez com que, em 22 de junho de 1944, os Estados Unidos rompessem relações com o país sul-americano, assim como a Grã-Bretanha e o restante da América Latina. A Argentina passou a ser reconhecida apenas pela Alemanha nazista e pelos países do subcontinente voltados para o fascismo, como Chile, Bolívia, Paraguai e Equador. Por todas essas razões, não era surpresa que houvesse à espera do grupo de Hitler, na Patagônia, membros da marinha alemã – que haviam pedido asilo na Argentina –, procedentes do Graf Spee, navio que tinha sido afundado em 1939 pela tripulação, defronte a Montevidéu, no Uruguai, quando cercado pela marinha britânica. Eram marinheiros de diversas especialidades, que acabaram trabalhando na manutenção e segurança da casa que Hitler iria habitar.

O primeiro serviço que esses homens tiveram foi transportar oito caminhões de utensílios e mercadorias diversas, do U-518, para a nova residência, em Inalco, onde ele ficaria de 1947 a 1955. Essa casa, construída em 1943, foi feita aos moldes de Berghof, em Berchtesgaden, de 1938, onde o ditador nazista descansava e recebia visitantes ilustres. Juan Domingo Perón assumiu o governo argentino em 1945, tendo se beneficiado, com sua mulher Evita, do dinheiro dos nazistas, que compravam a liberdade em seu país paradisíaco, perto do caos em que se encontrava a Alemanha.

Em sua chegada à Argentina, o ditador do Reich (que iria durar mil anos) estava quase irreconhecível. Com a expressão cansada da longa viagem, tinha raspado o bigode e o cabelo estava grande e desalinhado. Eva tinha colocado batom e ruge para descer do submarino, mas era difícil disfarçar a palidez macilenta decorrente do grande tempo a bordo. De todo o pessoal que chegou, a cachorra Blondi parecia estar em melhor forma. Presa na coleira vermelha segura por Hitler, ela saltava em todas as direções, ao se sentir livre do confinamento.

Depois de aclimatado na Patagônia, o casal passou a viajar para conhecer novos locais, de acordo com a sua conveniência. Estiveram no norte da província de Córdoba, no grande Hotel Viena, construído por nazistas, que tinha um spa e um hospital à beira do lago Mar Chiquita.

Visita ao Brasil

O casal se sentia tão à vontade que visitava com frequência San Carlos de Bariloche e Balnearia, a três milhas de Mar Chiquita, para tomar chá. Ali, ele era fotografado e dava autógrafos no livro Mein Kampf  (o livro de Hitler no qual expressou suas ideias antissemitas). Os dois chegaram a visitar o Brasil, indo à cidade de Casino, em junho de 1947, segundo o livro. Deve ser uma referência à praia de Cassino, no município de Rio Grande (RS), situada a 18 km do centro da cidade. O médico de Hitler, que o acompanhou na Patagônia, era Otto Lehmann. Devido à doença de Parkinson, o führer já não podia pintar, o que o deixava deprimido. Como consequência do atentado à bomba do grupo de Stauffenberg, em 20 de julho de 1944, tinha dores nevrálgicas na face e enxaquecas cada vez mais fortes.

Os anos de 1957 a 1961 passaram com grande monotonia, com Lehmann constatando um declínio persistente da saúde de Hitler. Um dia, em janeiro de 1962, o médico ouviu gemidos horríveis e entrou no quarto de Hitler. Ele estava sentado à beira da cama, em um deplorável estado de depressão nervosa. Chorava compulsivamente. Em seguida, ficou com a face parcialmente paralisada. Daí para frente, não conseguia mais dormir, parecia alucinado, não queria mais comer. Em 12 de fevereiro de 1962, ao meio-dia, Adolf Hitler, de 72 anos, teve um colapso quando era conduzido para o banho. Três horas depois, sofreu um derrame que paralisou o lado esquerdo do corpo. Passou a última noite em grande inquietação. Seu médico verificou que os sinais vitais não mais existiam às três horas da manhã do dia 13 de fevereiro de 1962.

Assim, um dos homens mais maléficos da história da civilização morreu,  17 anos após fugir da Alemanha: solitário, atormentado e demente.

Eva Braun deixou Hitler em 1954, mudando-se com as duas filhas do casal, Ursula (Ushi) e Abava, outra surpresa que o livro reserva, para Neuquen, cidade a 230 milhas de Bariloche, depois de conhecer a triste realidade de um ditador sem sua corte e sem a energia demoníaca do poder que exercitava. Para Eva, Hitler já não passava de um homem entediado, preguiçoso, sem interesse em assuntos práticos, absorvido por abstrações e ressentimentos. Foi assim que ela o abandonou, antes que a sua própria juventude chegasse ao fim.


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