A morte de um filósofo popular, o Gordo das Faixas de Brasília

Aos poucos, sem ninguém pedir ou cobrar, vamos formando aqui a rede de correspondentes amigos do “Balaio” espalhados por este mundão sem fim chamado Brasil.

De Brasília, chega a triste notícia da morte de um filósofo popular que conheci anos atrás, levado pelo velho amigo Ricardo Amaral, repórter especial da revista “Época”, um dos mais bem informados, humorados e respeitados jornalistas na Capital Federal, autor do texto que publico abaixo:

Morreu hoje um grande brasileiro: Cesar Abreu, o homem das faixas. Tinha 57 anos de idade, 50% do fígado tomados por um câncer e 100% do coração enlouquecidos de amor pelo país.

Para quem não o conheceu: Cesar era um comerciante de secos e molhados (especialmente molhados), formado em Economia e vocacionado para o jornalismo.

A veia crítica e cômica do Cesar era conhecida em Brasília, por causa das faixas que ele estendia diante de seu estabelecimento no final da Asa Norte. Nos últimos 15 anos ele “publicou” mais de 700 faixas, normalmente criticando os mandões da hora, de FHC a Lula, de Clinton a Bush, de Cristovam (seu vizinho) a Roriz. Democrático e justo, embora exagerado, não poupou ninguém, exceto talvez o último papa – o atual estava em fase de observação.

Algumas: “Caipira é a mãe”, “Depois de mim, o Delúbio”, “Corrupção é como certos médicos: não passa recibo”. “Nada mais parecido com um tucano que um petista no poder”, “Te cuida Roriz, já prenderam o Maluf”. Por causa dessa última, a Administração de Brasília o proibiu de estender faixas. Cesar respondeu com um cartaz: “Proibido afixar faixas com críticas ao governador Joaquim Roriz”. Desmoralizou a proibição e seguiu “enfaixando”.

Quando Clinton visitou o Brasil, César sapecou na faixa: “Go home, Bundão”. Recebeu a visita de dois sujeitos portando câmeras fotográficas. Um deles perguntou, com forte sotaque: “O que ser bundão?”. Para quem já teve faixa rasgada por saudosista da ditadura e queimada por vizinho corno, ser incomodado pelo serviço secreto americano não era motivo de preocupação.

Inspirado no velho Pasquim, Cesar Abreu editava “O Esculacho”, “jornal semanal, feito quinzenalmente e publicado uma vez por mês”. Reuniu boa parte da produção faixística nos livros “Brasil Enfaixado” (três volumes) e “Mínimas do Coronel Chibata”. Um de seus maiores sucessos editoriais foi “A Preocupação Social de FHC” – 32 páginas totalmente em branco. Depois do mensalão publicou “Compromissos éticos de Lula”, outro livro branco de sucesso.

Pelos relevantes serviços prestados à comunidade, o cearense Cesar ganhou título de cidadão honorário, conferido pela Câmara Distrital de Brasília. Meses depois, indignado com os malfeitos da Câmara, devolveu a honraria.

Aqui na quadra nós o chamávamos de “Gordo”. Pelos quilos acumulados e pela densidade moral, é claro. Vai deixar uma saudade enorme.

Em tempo: Cesar foi enterrado com a camiseta do “Esculacho” e a bandeira do Vasco. A do Brasil, que ele hasteava nas datas cívicas em frente à loja, estava muito gasta e ficou guardada. Ele não aprovaria o desrespeito ao símbolo nacional. No velório, sob aplausos gerais e o olhar emocionado de dona Graça, companheira de tida a vida e mãe dos cinco filhos, os amigos do Gordo estenderam a última faixa: “Te cuida ACM, PC e canalhas em geral: Cesar Abreu está chegando!”


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