A mostra Cães sem Plumas, em cartaz até 6 de julho no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, em Recife, faz parte de um projeto de pesquisa da Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte – MECA da Fundação Joaquim Nabuco sobre como situações de despossessão no Brasil contemporâneo são representadas nas artes visuais. No poema O Cão sem Plumas, João Cabral de Melo Neto descreve as paisagens de penúrias da capital pernambucana de 1950, tomando como guia o curso do rio Capibaribe, que corta a cidade “como uma rua / é passada por um cachorro; / uma fruta / por uma espada”. Ao mesmo tempo, diz o curador da exposição Moacir do Anjos, “o poeta narra as ruínas pessoais de tantos daqueles que habitam esses lugares, ‘plantados na lama’. O rio e esses moradores seriam ambos ‘cães sem plumas’, expressão que parece designar, em forma de radical paradoxo, situações de destituição absoluta. Um ‘cão sem plumas’, escreve João Cabral de Melo Neto, ‘é quando uma árvore sem voz. / É quando de um pássaro / suas raízes no ar. / É quando a alguma coisa / roem tão fundo / até o que não tem’. Esta exposição é sobre aqueles que, no Brasil, vivem à margem de quase tudo que outros já alcançaram, e para as quais somente existe interdição.’”
O curador Moacir dos Anjos, deu um depoimento exclusivo à Brasileiros:
“A ideia da exposição Cães sem Plumas partiu de um duplo incômodo. De um lado, a existência de grupos específicos de brasileiros que, a despeito das evidentes melhorias socioeconômicas observadas no país nos últimos anos, ainda permanecem à margem, destituídos de quase tudo. Falo dos índios, dos presidiários, dos moradores de rua, dos consumidos pelo crack, dos imigrantes ilegais, dos que não têm um lugar para morar e que vagam nas cidades e no campo sem um pouso certo, dos doentes mentais, entre outras populações desassistidas. De outro lado, a pouca atenção que o campo das artes visuais dá a essa questão. Questão que, a cada vez que pensava nela, me fazia recordar o poema de João Cabral, ‘O Cão sem Plumas’, que entendo como genial metáfora sobre a despossessão, sobre a penúria daqueles que talvez já estejam ‘aquém do homem’. A mostra, portanto, reúne artistas visuais que trafegam nessa contramão do meio, configurando algo que chamo de uma representação das ‘sobras’, daquilo que não cabe na representação hegemônica de um Brasil satisfeito com ele mesmo. Já os debates que acompanham o projeto, não foram pensados para servirem de comentário à exposição, mas sim para se servirem dela como plataforma para discutir, a partir de pontos de vista diversos (além da arte, a literatura, a sociologia, a política, etc.), a condição dos cães sem plumas do Brasil. Não houve qualquer intenção de mapear essa questão por completo, mas tão somente torná-la mais visível, além de reconhecer sua complexidade.”
José Rufino, artista plástico e escritor, também falou com exlusividade sobre sua inserção no evento:
“A obra que preparei para a mostra Cães sem plumas faz parte do meu grupo de trabalhos mais diretamente políticos. As 49 pedras de Lexicon silentii formam uma espécie de arquitetura tumular, silenciosa. Não são pedras quaisquer, são emanações mudas exumadas dos lugares dos conflitos dos anos 60 das Ligas Camponesas na Paraíba. O título da obra já carrega essa sugestão de que há algo ali querendo gritar, como uma prosopopéia em que as vozes estão endurecidas nas pedras. É mesmo um tipo de léxico, com verbetes abafados na matéria mineral. Lexicon silentii não é texto, não é gênero literário, mas é narrativa de drama humano (dor, opressão, humilhação, revolta, morte). Desde 2009 tenho me dedicado também à literatura, quando fui um dos contemplados pela Bolsa Funarte de Criação Literária e logo tive contato com Charles Cosac. Atualmente já sou autor de ficção da Cosac Naify e a primeira obra a ser em breve publicada é o livro de contos Afagos. Literatura e arte passaram a se retroalimentar no meu processo criativo, mas as ferramentas linguísticas são distintas, cada uma com suas potências. O debate com Luiz Ruffato foi muito instigante e girou em torno da representação do outro pela arte e literatura, sobre o poder dessa representação, sobre o ‘direito’ do artista de representar esse outro, especialmente sendo esse outro um oprimido. A discussão avançou sobre o campo da representação artística, muitas vezes subjetiva, estetizada, levantando questões sobre sua efetiva capacidade de atuar na sociedade como agente transformador, devolvendo àqueles ditos ‘sem plumas’, alguma forma de catalisar suas inserções sociais. E isso pareceu ponto pacífico: a arte pode sim, mesmo a mais silenciosa, transmutar o indivíduo e, consequentemente, a sociedade.“
Artistas participantes
Antonio Dias | Armando Queiróz | Berna Reale | Carlos Vergara | Cildo Meireles | Claudia Andujar | Eduardo Coutinho | Gil Vicente | João Cabral de Melo Neto | João Castilho | Jorge de Lima | José Rufino | Lasar Segall | Marcos Chaves | Maria Thereza Alves | Matheus Rocha Pitta | Oswaldo Goeldi | Paula Trope | Paulo Bruscky | Paulo Nazareth | Regina Parra | Rosângela Rennó | Thiago Martins de Melo | Virgínia de Medeiros
Debates
Além da exposição das obras no Mamam, a mostra tem outros desdobramentos e um deles é a série de debates no campus Derby da Fundação Joaquim Nabuco, localizado na Rua Henrique Dias, 609, Derby. A entrada é gratuita.
Serviço:
Exposição coletiva Cães sem plumas
Onde: Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (Rua da Aurora, 265, Boa Vista)
Entrada: Gratuita
Informações: (81) 3355-6870
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