A Mulher Maravilha

Entre tantas demandas como a mulher encontra o equilíbrio?

Não encontra. Estamos falando, especialmente, de uma mulher com filhos pequenos e que trabalha fora de casa.

Costumo opinar que a mulher está se transformando na “Mulher Maravilha”, que tem de ser boa em tudo: ótima mãe, ótima esposa, ótima dona de casa e ótima profissional. Só a Mulher Maravilha pode corresponder a tantas demandas. Essa alta expectativa, que a própria mulher exige de si mesma e que, de alguma maneira, também ocorre por parte de sua família, acarreta um estado de permanente culpa. Ela vive com sua conta no vermelho, sempre está devendo para algum setor de sua atribulada vida: no trabalho, pensa que deveria estar com seu filho; quando está com o filho, sente estar desatendendo o marido; quando está com o marido e com o filho, lembra-se do trabalho que trouxe para terminar em casa e que não consegue fazer. Todas essas exigências deixam-na ansiosa e angustiada, em um estado emocional que se reflete em todo o seu comportamento.

E qual é o tempo para ela? Luta com sua falta de tempo, que a faz sentir-se como não existindo, dado que suas necessidades individuais passam para o último plano, quase nunca são atingidas, já que só pode dar conta das demandas externas. Dentro desse panorama, seu lazer se compromete e o espaço da relação do casal, perturba-se.

Em relação à sua sobrecarga, outro ponto importante a se considerar é o fato de que nas gerações passadas, quando a mulher saiu para conquistar o mercado de trabalho, o objetivo primordial era poder liberar-se, sentir-se útil fora do lar e ganhar algum dinheiro. Hoje, como ressabio desse movimento, observamos ainda que, em alguns lugares, tenha de se esforçar para provar ser tão competente quanto o homem e ganhar respeito profissional.

Por outro lado, na atualidade, uma parte importante das mulheres quer triunfar, não somente trabalhar. Quer sentir que pode alcançar um lugar de destaque na tarefa desempenhada, especialmente no caso das mulheres profissionais. Esse desejo, quando atingido, permite que elas se sintam realizadas e aumentem sua autoestima. Também se sentem mais prestigiadas, tanto perante seu companheiro como socialmente. Porém, às vezes, quando a mulher atinge seu desejo, atira em seu próprio pé. Isto porque, frequentemente, o êxito profissional acarreta mais dinheiro. Às vezes, ela até alcança, sozinha, sustentar a casa quando o marido está em dificuldades. Quando ocorre essa troca de papéis, configura-se uma difícil situação, porque, também para ele, não é fácil renunciar a seu papel ancestral de provedor familiar. Observamos condutas ambivalentes por parte dos homens em relação ao êxito de suas esposas: por um lado, estimulam e gostam realmente que sejam bem-sucedidas; por outro, sentem inveja por não estarem nesse lugar de destaque. Nessas circunstâncias, a mulher tem de se confrontar com mais uma situação conflitiva que a angustia.

Acrescenta-se a essa complexa situação para a mulher, o fato de vivermos em uma sociedade cruel, regida pela velocidade e pelo exagerado valor dado ao êxito, na qual, também não se aceitam, de bom grado, as diferenças e as peculiaridades de cada pessoa. Não existe espaço para os “diferentes”. Estamos movidos por padrões rígidos de beleza e de comportamento. A mulher, em especial, é avaliada por esses quesitos.
Estamos sempre prontos a julgar rigidamente a quem saiu da linha e, para realizar essa avaliação, não reparamos nem no contexto, nem na história, muito menos nas condições que levaram uma mulher a ter este ou aquele comportamento. Por essa razão, assistimos perplexos a fatos absurdos que acompanhamos pela mídia, como o caso do casal que, não podendo engravidar e desejando ter filhos, recorreu a um processo de fertilização artificial. Quando consegue dar a luz a três filhos, resolve dar um dos bebês em adoção. Esse casal foi literalmente “apedrejado em praça pública”, sem que se considerassem as verdadeiras causas motivadoras desse comportamento. Quero esclarecer que não estou justificando tal conduta, simplesmente convidando para analisar mais profundamente o caso. Será que esse casal não se considerou incapaz de corresponder a tantas demandas, que a mulher pensou ser melhor cuidar bem de duas crianças, em vez de precisar dividir sua atenção para três bebês? Reagiu como “tomada” por um instinto animal, querendo se desfazer do mais fraco? A conduta foi motivada por que não tinham condições econômicas? Ficaram presos a um desejo formatado, em que, em seu imaginário, entravam só dois filhos? Para resolver de vez todas essas questões e várias outras, entra uma juíza e decide puni-los, determinando não terem condições de serem pais, e pronto. Podemos concluir que nos deixa perplexos, tanto o fato como os seus desdobramentos.

Voltemos à mulher e às suas sobrecargas, para observar como pode ser aliviada.

Um fato que conspira contra a possível ajuda que a mulher poderia ter por parte do marido é os lugares de homem e mulher não estarem bem demarcados. Como a mulher ancestralmente sempre foi dona de casa e “dona” dos filhos, ela mesma tem dificuldades para renunciar a esse papel.

Faz um tempo, atendi a um casal cuja mulher se queixava de não ter tempo para nada, e de o marido não ajudá-la nas tarefas do lar. Como resposta, o marido falou: “Cansei de sentir-me incapaz, tudo o que eu fazia estava errado. Eu preparava a sacola das crianças para viajar e ela a fazia novamente, porque eu não tinha reparado em colocar os conjuntos com as cores combinando. Quando levo meu filho ao parque e no dia seguinte está resfriado, sem dúvida será minha culpa por não ter cuidado para que ele não se molhasse”.

Ao pedir auxílio ou delegar funções, é necessário ter clareza de que a outra pessoa realizará o pedido de acordo com o seu próprio critério. Tem de se ter abertura e paciência para se aceitar a diferença de comportamentos. Às vezes, a mulher gostaria que o marido atuasse como um clone dela. É importante que ela aprenda a delegar e a pedir ajuda e o homem a carregar suas baterias, a pôr a mão na massa e a compreender que também ele precisa cuidar da família que construiu.

A mulher é a ponte entre o pai e os filhos, é ela que ensinará a seu parceiro o caminho das pedras. O marido tem de se dispor a aprender, porque, de fato, ela tem maior sensibilidade e experiência com os filhos. Assim como a mulher teve de percorrer um longo caminho para se adaptar ao mundo de fora, ele precisa aprender a conviver com a sua família.

Felizmente, o homem agora está aceitando e, cada vez mais, participando do mundo familiar, porém necessita ver de que forma se fazer presente. Frequentemente, observo que ele, quando ajuda com a casa ou com o filho, pensa estar ajudando a sua mulher. Sente-se, dessa forma, um bom marido e espera uma recompensa, por colaborar em aliviar a carga de sua esposa. Não fica claro que, neste caso, está apenas dividindo as tarefas do lar, da mesma forma que a mulher divide os encargos das contas da casa.

Para aliviar sua carga, é evidente que a mulher deveria ter menos exigências e aceitar ajuda. Quando ela adota uma postura autoritária e desqualificadora, o homem se afasta e entra facilmente em seu mundo masculino, eximindo-se de suas responsabilidades de pai e de marido. A família perde uma grande chance de aprendizagem. O casal se desentenderá e o filho perderá a oportunidade de ficar mais perto do pai.

Falta tempo ainda, neste mundo novo, para acertar os ponteiros entre o homem e a mulher e saber quem tem de fazer o quê e quando: estamos percorrendo uma etapa de adaptação aos novos papéis e funções.


*Psicanalista e terapeuta de casal e família e supervisora de Família na Clínica de Anorexia e Bulimia do Instituto Sedes Sapientiae. Autora do livro Introdução à Terapia Familiar (Editora Claridade).


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