APESAR DOS TROPEÇOS, A EDUCAÇÃO CAMINHA
Luís Carlos de Menezes Físico e educador na Universidade de São Paulo
“O Brasil, que não tinha nenhuma tradição de avaliação educacional, há menos de duas décadas passou a desenvolver e a ampliar sistemas com essa finalidade. O Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), com as suas diferentes modalidades, como a Prova Brasil, é essencial para monitorar a educação de base, assim como o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) é necessário para verificar a formação superior e profissional, na conclusão desses cursos. Essas práticas, uma boa herança educacional de período anterior, dos anos 1990, foram corretamente continuadas e ampliadas. Houve continuidade e progresso também em outras iniciativas, como as de apoio federal ao custeio da educação de base, em que o FUNDEF tornou-se FUNDEB, ou seja, esse fundo passou também a apoiar o ensino médio, não somente o fundamental. São obrigações do Estado, mas em um País em que isso nem sempre acontece é justo festejar quando essas obrigações são cumpridas, reconhecendo os méritos e aclamando as realizações.
Houve também mudanças de direção, nessas políticas. Por exemplo, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), originalmente concebido como de conclusão da educação básica, transformou-se gradativamente em condição de acesso ao ensino superior, tanto para instituições privadas, pelo programa ProUni, quanto para as públicas, como várias universidades federais. Os recentes tropeços conceituais e operacionais do Enem não devem ser ignorados e sim superados, especialmente com uma modernização e maior institucionalização da prova. No entanto, em nenhuma hipótese isso deveria dar pretexto para a eliminação desse exame, como uma das formas para se democratizar o acesso ao ensino superior, o que por sua vez contribui para maior equidade social.
Um ponto em que esses anos de governo especialmente se destacam dos anteriores foi na ampliação do ensino superior e profissional público, com a ampliação do número e do porte de Universidades Federais, assim como de Centros ou Institutos Federais de Educação Tecnológica (CEFETs ou IFETs). Esse novo aporte, contudo, convive contraditoriamente com o já mencionado ProUni ou outras programas, como o FIES, que financiam o ensino superior privado. Há dúvidas sobre se, em lugar de financiar o ensino privado de qualidade por vezes discutível e de difícil supervisão, não seria melhor reforçar a qualidade e a capacidade de atendimento no ensino superior e profissional público, não excluindo os esforços já iniciados nas modalidades à distância e semipresencial.
A continuidade do crescimento econômico que o Brasil vive e o correspondente desenvolvimento social que se espera para as próximas décadas dependem de uma condição essencial que é uma melhoria expressiva de todo nosso sistema educacional. Reconhecendo o grande esforço de avaliação e ampliação da educação básica e superior, é bom lembrar que não conseguimos responder aos desafios apresentados pelos trágicos resultados obtidos nos exames gerais. Para isso, será preciso uma verdadeira revolução na formação de professores e na valorização de sua carreira. Eis um desafio para as próximas políticas de Estado!”
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, REGRESSÃO INTELECTUAL
Olgária Mattos Professora de Filosofia Política da Universidade de São Paulo
“O governo Lula construiu um discursso sobre um Brasil progressista, e de grande desenvolvimento econômico, mas a regressão ética e intelectual da sociedade é evidente. Os governantes e o povo em geral não diferenciam comportamentos formais e informais, o que se atesta pelos discursos oficiais dos governantes, em que se multiplicam palavrões e gírias. Um decreto recente autoriza professores da rede pública do Rio de Janeiro a trabalharem de bermuda e sandálias havaianas. Poderia parecer anódino, não fossem as regras elementares da convivência não mais serem respeitadas. O programa Fome Zero é louvável, mas fornece uma bolsa medíocre para as famílias mais pobres e se revela muito menos oneroso para o Governo do que a reforma fiscal que permitiria ampliação do trabalho produtivo e a inclusão de muitos na vida política e social. O que se espera de um governo democrático é a elevação do nível intelectual e moral da sociedade. A ampliação do acesso a uma educação sofrível para a maioria não favorece um ‘salto de qualidade’ para o futuro, uma vez que nivela, rebaixando-a, a educação como um todo. A maioria da população continua excluída de ‘vida do espírito’.”
LEGITIMIDADE DOS DIREITOS HUMANOS
Maria Victoria Benevides Socióloga, professora da Universidade de São Paulo
“Para os velhos defensores dos direitos humanos, como esta escriba, há, sem dúvida, muito a comemorar! Sabemos, é claro, do caminho ainda por ser percorrido, mas passos importantíssimos foram dados. Três fatos que considero primordiais: 1) Os direitos humanos passaram a se consolidar, com legitimidade, na agenda do Estado; 2) Os direitos socioeconômicos dos mais pobres foram concretizados com políticas de distribuição de renda; 3) Os “velhos” militantes, sem abandonarem as lutas, foram, cada vez mais, sendo substituídos por jovens homens e mulheres, comprometidos com a causa, em órgãos públicos, na academia, nas entidades da sociedade civil, o que se tornou muito mais fácil com o apoio e em parceria com as iniciativas governamentais.
No Estado, a Secretaria Especial de Direitos Humanos ampliou e aprofundou a intervenção em áreas mais vulneráveis, como a do trabalho, da prostituição infantil e dos deficientes, além de inovar nas ações contra o racismo e discriminações por orientação sexual. A criação do Comitê de Prevenção e Combate à Tortura é um marco promissor no enfrentamento de uma secular “herança maldita”. Como políticas de Estado, saliento a constante ligação entre o trabalho da SEDH e outros Ministérios, sobretudo Educação, Saúde, Justiça Igualdade Racial e Mulheres.
O lançamento da terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos, alvo de intensa crítica, veio comprovar, apesar dos revezes, a mobilização de várias organizações, em todo o País, que participaram democraticamente da elaboração das propostas. Foi igualmente relevante por desvelar a concepção sobre direitos humanos em setores cruciais da sociedade, como militares, agronegócios, igreja católica e proprietários de mídia.
Ainda nessa área, destaco o livro Direito à Verdade e à Memória, seguida da criação da Comissão da Verdade, que veio reforçar o trabalho da Comissão de Mortos e Desaparecidos, juntamente com a criação do Banco de DNA. Tais medidas encaminham o País para o cumprimento das exigências da democracia contemporânea, no sentido de conhecer o passado de repressão e abusos, reconhecer as responsabilidades e atuar para que as violações de direitos humanos não se repitam.”
ENTRE OS PROTAGONISTAS INTERNACIONAIS
Makhtar Diop Diretor do Banco Mundial para o Brasil
“O Brasil está vivendo um momento excepcional, fruto de décadas de trabalho duro. Está alcançando importante desenvolvimento social e econômico, tirou dezenas de milhões de pessoas da pobreza, construiu uma economia que está crescendo fortemente e passou incólume pela crise financeira global. É uma voz de liderança no mundo multipolar de hoje – na verdade, o Brasil tem sido fundamental na criação dessa ordem -, com papel ativo nas discussões internacionais de desenvolvimento e agindo concretamente pelo desenvolvimento internacional – como no Haiti e na cooperação com África e Ásia.
Contudo, nenhum processo de desenvolvimento é sem dificuldades e vários desafios ainda permanecem, como as desigualdades regionais e de renda, a infraestrutura, a educação de qualidade, a sustentabilidade ambiental e as questões fundiárias. O importante é que todos esses desafios, sem exceção, estão sendo abordados. O Brasil constrói uma base de crescimento e bem-estar para todos os seus cidadãos, além de se tornar um exemplo para outros países – essa é a verdadeira essência de ser um País desenvolvido.”
MOTIVOS PARA CELEBRAR E LAMENTAR
José Alvaro Moisés Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo
“É difícil fazer uma avaliação global em poucas linhas de um governo que durou oito anos, mas de modo geral eu apontaria dois movimentos ou duas tendências que, ao meu juízo, prevaleceram durante todo o período: por um lado, o presidente Lula reforçou um ciclo virtuoso iniciado em governos anteriores ao dele. É uma grande virtude sua ter decidido manter e aprofundar as políticas macroeconômicas adotadas desde o governo Itamar Franco e desenvolvidas no governo Fernando Henrique Cardoso. A escolha de um antigo quadro do PSDB, Henrique Meirelles, para dirigir o Banco Central mostrou bem isso: Lula não quis deixar margem a dúvidas de que queria manter e aprofundar a estabilidade econômica, o controle da inflação e os esforços de retomada do desenvolvimento; prometeu isso e cumpriu. O outro lado desse virtuosismo foram as suas políticas sociais: aqui também o seu governo se aproveitou da experiência iniciada antes, mas Lula não apenas consolidou, como levou mais adiante as políticas compensatórias adotadas em anos anteriores. O centro dessas políticas foi o aumento do salário mínimo acima da inflação e, adicionalmente, o Bolsa Família, cuja capacidade de atendimento ultrapassou 30 milhões de pessoas. O problema, entretanto, como já se disse ad nauseam é que o programa não insere de modo permanente as pessoas no sistema produtivo e no emprego, nem as qualifica para assumir novos papéis sociais e econômicos; ao contrário, tem características que podem criar novas modalidades de dependência política e de clientelismo.
Em resumo, do ponto de vista econômico e social, o governo tem motivos para celebrar, desde que não se esqueça de que suas virtudes não começaram com ele. O grande ponto crítico do governo, no entanto, está no terreno propriamente político. Lula não apenas não fez a reforma política – a que, agora, pretende se dedicar -, como em muitos aspectos rebaixou a qualidade da jovem democracia brasileira. Exemplos? O tratamento dado aos partidos políticos no primeiro mandato, estimulando a migração interpartidos; a adoção de meios não convencionais para obter apoio dos mesmos no Congresso Nacional; o incômodo e as dificuldades para aceitar o monitoramento do Tribunal de Contas da União; o desrespeito às regras eleitorais durante a última campanha presidencial, inclusive, com menosprezo pelas decisões da Justiça Eleitoral; o tratamento dado a companheiros de partidos e a aliados, como José Sarney, que, a despeito de tudo que se viu e que se começou a apurar, receberam a sua benção e beneplácito. Em suma, muitos sinais de abuso de poder, em um contexto em que não necessitava disso, ao que se somaram as suas atitudes a respeito das oposições, ao ponto de ter preconizado a “extirpação” de um dos seus segmentos. A conclusão é que Lula, apesar de ter participado ativamente da luta pela democratização do País, não incorporou completamente a cultura democrática e, às vezes, se considerou acima da lei – algo que é uma burla do princípio de que, na democracia, todos são iguais perante as leis.”
ALTOS E BAIXOS NA SAÚDE
Paulo Eduardo Elias Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
“Na Saúde, os oito anos do governo Lula foram marcados por continuidades, rupturas, pontos altos e baixos. No entanto, não enfrentou questões estruturais do setor que repercutem na vida da maioria dos cidadãos no acesso aos serviços do SUS. Se por um lado deu continuidade a várias políticas do período anterior, como a expansão do PSF, a oferta de medicamentos genéricos, o incremento da regionalização do sistema de saúde e inovou ao conceber a agenda do complexo industrial da saúde articulado ao SUS. Por outro, deixa em aberto para o próximo governo questões estruturais centrais, relacionadas à efetivação do acesso às ações e serviços de saúde para todos os brasileiros. A principal delas é a provisão do financiamento compatível com o de um sistema universal de saúde (o que requer pelo menos triplicar o gasto em saúde no País), seguindo-se o incremento da regionalização e da difusão de sistemas de informação com adoção de modalidades de gestão que respondam às necessidades sociais. Por fim, o enfrentamento dos atuais US$ 10 bilhões de déficit do setor na balança comercial brasileira, representados pela forte dependência na importação de fármacos, insumos e equipamentos para produção de medicamentos e para a incorporação de tecnologias necessárias ao atendimento da população.”
A VOZ DOS LEITORES
A Brasileiros abriu espaço no portal, durante o mês de novembro, para a livre expressão
O único governo que deu prioridade aos mais pobres.
Paulo Dini Staliano, radialista, São Paulo (SP)
O governo Lula é de composição de classes, com forças de direita, centro e esquerda. Conseguiu colocar em curso políticas públicas importantes, diminuir o desemprego e valorizar o salário mínimo, mas não fez as mudanças estruturais necessárias para resolver os grandes problemas do povo.
Igor Felippe, jornalista, São Paulo (SP)
Penso que foi uma surpresa agradabilíssima, o excelente desempenho desse operário diante do governo. Se não se graduou em nenhum curso superior, certamente a faculdade da vida, em suas andanças e agruras, o capacitou a ser “o Cara”. O melhor presidente que este País já teve.
Danilo Fonseca, engenheiro civil, Belo Horizonte (MG)
Péssimo! Foi muito enganador da realidade. Finge que busca mudanças de esquerda.
Fábio Machado de Freitas, professor, Rio de Janeiro (RJ)
Foi muito bom. Poderia ter sido melhor na política ambiental e na infraestrutura. Compreende-se, no entanto, que não se possa em oito anos recuperar 500 e tantos. Lula é mesmo “o Cara”!
Fátima Lima, médica, Natal (RN)
O aspecto social foi a grande vitória do governo Lula. Elevar milhões de brasileiros acima da linha da pobreza foi um primeiro passo para o Brasil mudar. Os pontos baixos foram escândalos de corrupção que deveriam ter sido combatidos com mais energia e o pouco investimento na Educação.
Felipe Figueiredo, estudante, São Paulo (SP)
É evidente a melhora que nosso País teve ao longo desses oito anos de governo Lula, temos um Estado forte e um País que atrai investimentos, sejam eles internos ou externos. Comparado a muitos países, o nosso está um paraíso, em termos econômicos. Lula deixa a seu sucessor um legado a ser continuado.
Alisson Miranda, Carlópolis (PR)
Em seus oito anos de governo, o presidente Lula, sem dúvida, teve a engenhosidade de alavancar a imagem do Brasil lá fora. Hoje, as práticas de gestão internacional já enxergam o Brasil como uma grande potência, não apenas por seus recursos naturais, mas também pela competência de seu povo.
Miguel Isoni Filho, universitário, João Pessoa (PB)
Todos sabemos que foi o melhor governo para o Brasil, mas talvez nem todos saibam o quão único ele foi para o meu nordeste. Transnordestina, transposição, refinarias, siderúrgicas, duplicação da BR litorânea, universidades, escolas técnicas, agricultura familiar, estaleiros. Obrigado, Lula!
João Paulo Felinto Sampaio, estudante, Brejo Santo (CE)
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