A Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, tem por objetivo a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável depois de 20 anos da Eco-92 – evento também promovido pela ONU. No encontro, que acontece neste mês de junho no Rio de Janeiro, serão analisados pelos chefes de Estado o progresso e as lacunas na implementação das decisões adotados duas décadas atrás.
Nesta conferência, dois temas principais serão discutidos: a estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável e a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza. Para entender como o Brasil vai atuar a partir de agora, a Brasileiros convidou Carlos Márcio Cozendey, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e diplomata de carreira, para explicar a importância da política econômica nacional na pauta do desenvolvimento sustentável.
Brasileiros – É correto dizer que a economia verde tornou-se uma pauta de trabalho do Ministério da Fazenda há menos de dois anos? A própria participação da pasta na Secretaria Executiva da Rio+20 mostra que a área econômica, tradicionalmente avessa a discutir questões ambientais, está se abrindo para colaborar mais efetivamente com políticas orientadas pelo desenvolvimento sustentável. A que se deve tal mudança? É fruto das pressões da sociedade civil por uma presença mais ativa da área econômica nas políticas ambientais e de sustentabilidade socioambiental? Ou fruto de decisão política do ministro Guido Mantenga de demandas do Ministério do Meio Ambiente?
Carlos Márcio Cozendey – Estou há apenas um ano e meio no Ministério da Fazenda, como secretário de Assuntos Internacionais. Quando cheguei, já encontrei uma equipe dedicada ao tema na Secretaria de Política Econômica e um trabalho em curso em torno da implementação do plano nacional de mudanças climáticas, incluindo também o Tesouro Nacional e a Secretaria Executiva. O envolvimento crescente do Ministério da Fazenda com os temas do desenvolvimento sustentável tem duas dimensões. Em primeiro lugar, na medida em que a estabilidade da economia se torna um dado e que as preocupações de curto prazo com a inflação deixam de ser tão dominantes, abre-se espaço para uma nova agenda de médio e longo prazos, que inclui temas como investimentos, competitividade e sustentabilidade. Em segundo lugar, na medida em que o Brasil queira aproveitar seu potencial ambiental de forma sustentável, será necessário gerir os custos desse processo e o Ministério da Fazenda terá papel inevitável a desempenhar e precisa estar preparado para isso.
Brasileiros – Que temas da pauta de sustentabilidade são estudados pelo Ministério da Fazenda além da questão das mudanças climáticas?
C.M.C. – A questão do combate à mudança do clima tem recebido prioridade nas preocupações do ministério pela sua dimensão ampla em termos do impacto sobre a economia. Como passa por questões como energia e eficiência da produção, tem consequências que se espalham por todo o tecido econômico, além de envolver uma dimensão de custos e de financiamento bem importante. Há pouca tradição no Brasil de utilização de instrumentos econômicos com fins de desenvolvimento sustentável, já que, no aspecto ambiental, apoiamo-nos mais em iniciativas de regulamentação, enquanto, no aspecto social, na ação mais direta do Estado. Caminhar para uma economia mais sustentável em seu próprio funcionamento, que gere, ao mover-se, consequências positivas sociais e ambientais, é um desafio que estamos dispostos a enfrentar. O modelo de desenvolvimento mais inclusivo que temos atualmente já caminha nessa direção e não dá para esquecer de que a pobreza é uma causa estrutural de problemas ambientais. Mas o Ministério da Fazenda já integra outras iniciativas específicas voltadas ao desenvolvimento de instrumentos econômicos associados a políticas de desenvolvimento sustentável. Um tema que tem recebido a atenção do ministério é a valoração dos serviços ecossistêmicos. Participamos, por exemplo, na coordenação de estudos como o TEEB – The Economics of Ecosystems and Biodiversity, junto com o MMA e o IPEA. Participamos também da concepção, regulamentação e gestão do Programa Bolsa Verde, que combina ações de inclusão social com a proteção da vegetação natural e integra o Plano Brasil Sem Miséria. Estamos também analisando novos instrumentos voltados a incentivar investimentos no setor florestal, o novo regime automotivo incluirá a etiquetagem de eficiência energética; enfim, é uma temática ampla que vai estar cada vez mais presente nas preocupações do ministério e do governo.
Brasileiros – Há pouco mais de um ano, o Ministério da Fazenda criou um grupo para estudar medidas econômicas que ajudem o País a cumprir as metas de redução das emissões de gases-estufa para 2020, previstas na Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC). Que medidas estão sendo avaliadas? Incentivos fiscais para tecnologias limpas? Resoluções do Banco Central para restringir o crédito para atividades econômicas sujas?
C.M.C – Em novembro de 2011, foi instituído o Grupo de Trabalho Interministerial sobre Mercado de Carbono, no âmbito do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima. O Grupo tem como objetivo analisar a viabilidade de um mercado de carbono no Brasil. O trabalho do grupo focou na análise dos mecanismos de mercado existentes ou em elaboração em outros países, nos requisitos para sua implantação e na análise dos estudos e dados sobre potencial e custos da mitigação das emissões de gases de efeito estufa em diversos setores da economia. As conclusões dessa etapa de análise serão apresentadas ao Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, que definirá os próximos passos. Esse é apenas um grupo de trabalho do comitê, há outros estudos e planos em discussão. Por outro lado, o ministério está sempre pronto a analisar propostas de incentivos fiscais ou relativas aos financiamentos que sejam apresentadas pelos órgãos responsáveis pelas políticas setoriais.
Brasileiros – Outra política que demandará incentivos e um volume considerável de recursos para ser implementada é a de resíduos sólidos (PNRS). Foi criado algum grupo na pasta para cuidar do assunto? Já há medidas em curso ou sob estudo para ajudar as prefeituras a cumprir a determinação da lei de resíduos sólidos de extinção dos lixões até 2014? O que pode ser feito para apoiar as empresas a implementar a logística reversa, que requer investimentos em recolhimento de lixo eletrônico e outros produtos e equipamentos descartados pelos consumidores e em seu processamento para uso como material reciclado pela indústria?
C.M.C. – A Secretaria de Política Econômica do Ministério participa das instâncias de gestão dessa política e das questões de logística reversa. Algumas medidas já estão implantadas, como o financiamento aos aterros sanitários por intermédio da Caixa Econômica Federal. Outras medidas estão ainda em análise, tendo em vista o impacto das novas exigências em termos de elevação de custos para a indústria.
Brasileiros – O Ministério da Fazenda possui um levantamento sobre incentivos, regulamentações, resoluções e instrumentos econômicos que favorecem atividades econômicas mais limpas? Que instrumentos são discutidos pelo grupo da Secretaria de Política Econômica que trata do tema da economia verde na pasta? Que instrumentos deverão ser anunciados entre este e o próximo ano?
C.M.C. – Além dos que mencionei antes, já dispomos de mecanismos de incentivo a atividades econômicas sustentáveis implementadas em conjunto com outras pastas, em especial no campo do financiamento em condições mais favorecidas. Alguns exemplos são o Programa ABC, para ações de mitigação ou sequestro de carbono no setor agropecuário; o Pronaf Floresta, o Pronaf Eco e o Pronaf Agroecologia; temos o Fundo Clima, que cobre diversas atividades e setores, como transportes, energia, combate à desertificação… Ao mesmo tempo, como mencionei, o foco em instrumentos econômicos nas políticas de sustentabilidade é recente no Brasil e estamos, na maioria dos casos, ainda em fase de análises.
Brasileiros – Como a pasta da Fazenda pode cooperar com outros ministérios, sobretudo os do Meio Ambiente, Energia, Minas e Energia e Agricultura para criar instrumentos, regulações e políticas que beneficiem a adoção de padrões pouco ou não poluentes, com baixa ou nenhuma emissão de gases-estufa e uso eficiente de água, energia e matéria- prima em obras públicas e nas compras governamentais?
C.M.C. – Pela própria natureza, o desenho das políticas de sustentabilidade tem de ser feito em cooperação com outros ministérios e temos participado em várias delas. Uma experiência interessante foi o Programa de Produção Sustentável de Óleo de Palma, criado em maio de 2010. Naquela ocasião, foi lançado um conjunto de ações para disciplinar a expansão do cultivo destinado à produção de óleo de dendê no território brasileiro que inclui, por um lado, medidas de contenção da expansão desordenada do dendê por meio do zoneamento agroecológico e, por outro, uma linha de financiamento com condições adequadas à atividade para que se desenvolva em padrões adequados. Outros exemplos foram o zoneamento da expansão da cana-de-açúcar, os preços mínimos dos produtos extrativos, o Programa ABC… Uma importante plataforma de diálogo sobre medidas econômicas de apoio à sustentabilidade são os Planos Setoriais de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas, no contexto da Política Nacional sobre Mudança do Clima. Alguns desses planos já estão em implementação e outros em fase final de elaboração e consulta pública (indústria, mineração, transportes, saúde). Daí, podem surgir novas medidas econômicas para apoiar e viabilizar as estratégias definidas. Estamos apoiando também a iniciativa, já em andamento, de compras públicas sustentáveis.
Brasileiros – A ideia de criar uma economia florestal sustentável na Amazônia esbarra em problemas estruturais, como a falta de titulação fundiária e de crédito para atividades de manejo florestal sustentável. São raras as linhas de crédito para atividades florestais sustentáveis enquanto abundam programas de crédito rural para o agronegócio. Existe a possibilidade de o governo implantar um programa mais ousado de crédito e incentivos ao manejo florestal sustentável, que sofre concorrência desleal com a atividade ilegal ou legal não sustentável?
C.M.C. – Já existem linhas de financiamento para o setor, no marco do Plano ABC, com o Pronaf Eco e o Pronaf Floresta, além de linhas ao amparo dos Fundos Constitucionais de Desenvolvimento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. No entanto, dadas as características da atividade – longo prazo de maturação, riscos operacionais, regulatórios e de mercado – o acesso aos financiamentos é inferior à demanda potencial. O Ministério da Fazenda participou de uma análise sobre o setor e dialoga com outros órgãos, visando desenvolver novos instrumentos financeiros para o setor florestal.
Brasileiros – Há algum estudo em curso para criar políticas e instrumentos econômicos que beneficiem o uso sustentável da biodiversidade brasileira?
C.M.C. – O Ministério da Fazenda ajudou a formular e atua na gestão de um instrumento inovador de apoio ao uso sustentável da biodiversidade: a política de preços mínimos para produtos da sociobiodiversidade (PGPM-Bio). Ela permite uma subvenção direta, dependendo das condições de mercado, às comunidades tradicionais e agricultores familiares que extraem e vendem no mercado produtos como açaí, castanha-do-brasil, borracha natural e piaçava. Como parte das iniciativas relacionadas à valoração dos serviços ecossistêmicos, o ministério participou da elaboração da proposta para uma política nacional de pagamento por serviços ambientais que foi apresentada pelo governo federal ao Congresso por meio de projeto de lei. A própria regulamentação do novo Código Florestal, que prevê mecanismos como o pagamento por serviços ambientais e a Cota de Reserva Ambiental, vai permitir avanços nessa área.
Brasileiros – Qual é o volume de subsídios no Brasil à produção e ao consumo de combustíveis fósseis e à pesca predatória (ou à pesca como um todo)? Uma das propostas mais presentes na discussão sobre economia verde, inclusive nos documentos do Pnuma, é a reforma gradual dos subsídios aos combustíveis fósseis, que ultrapassaram a marca dos US$ 400 bilhões em 2010. O objetivo é transferir parte desses subsídios para apoio a fontes renováveis de energia. O que o Brasil faz (ou pode fazer) para reformar seu sistema de subsídios prejudiciais ao meio ambiente, incluindo os concedidos à pesca predatória?
C.M.C. – O Brasil não dá subsídios à pesca predatória. Na realidade, subaproveitamos os recursos pesqueiros e temos dificuldade em utilizar plenamente as quotas dos acordos internacionais. Claro que, tendo em vista a sobrepesca hoje vigente de um ponto de vista do planeta como um todo, temos de avançar nessa área com cuidado e salvaguardas de sustentabilidade, desenvolvendo os sistemas de controle adequados, o que o Ministério da Pesca tem procurado fazer. O Brasil foi bastante ativo nas negociações para limitação dos subsídios à pesca na OMC, mas infelizmente a perspectiva de conclusão das negociações da chamada Rodada Doha são hoje reduzidas. Quanto a combustíveis fósseis, os estudos examinados no âmbito do G20 mostram que o nível desses subsídios no Brasil é baixo. Eles se aplicam principalmente à produção de carvão mineral, em região com carências sociais importantes e, portanto, o tema tem de ser tratado levando em conta também o impacto social, de forma coerente com uma perspectiva de desenvolvimento sustentável.
Brasileiros – Como o Ministério da Fazenda tem acompanhado a discussão sobre adoção de novos indicadores para medir o desenvolvimento sustentável (além do PIB)? O Brasil está começando a calcular a conta nacional da água (IBGE + ANA), mas isso ainda é pouco. O IBGE tem trabalhado com as contas-satélites, mas ainda estamos longe de inserir no PIB variáveis que descontem de seu cálculo a degradação do capital natural e humano.
C.M.C. – As discussões sobre a contabilidade do capital natural são recentes não só no Brasil, mas em nível internacional, e o IBGE tem participado delas. O órgão da ONU que estabelece as diretrizes sobre contabilidade nacional que são seguidas pelos países desenhou um quadro de referência para isso, o SEEA (System of Environmental Economic Accounts). Os países agora começam a trabalhar para sua implementação e o Ministério da Fazenda está participando da discussão no Brasil. Ter uma boa contabilidade nessa área, independentemente do número global e da leitura que implique comparação com o PIB, permitirá ter insumos mais precisos para o desenvolvimento das políticas públicas que afetam os recursos naturais. I
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