A Polônia depois da tragédia

Quando o piloto da Brussels Airlines sinalizou o aviso de atar cintos em decorrência de uma forte turbulência, os passageiros do voo Bruxelas-Varsóvia ficaram inquietos. Naquela manhã, dia 4 de julho de 2010, a maioria deles viajava rumo à capital da Polônia para escolher o nome do novo presidente do país. Quase três meses antes, o avião que transportava o presidente Lech Kaczynski, sua mulher e mais 94 pessoas da elite da Polônia caiu durante uma aterrissagem em Smolensk, na Rússia. Eles participariam de uma homenagem aos 22 mil poloneses assassinados por ordem de Stalin, em 1940. A tragédia chocou o mundo todo, e os corpos foram recebidos com uma emocionante cerimônia pelas ruas da capital.

A causa do acidente ainda não foi confirmada. Os nacionalistas fervorosos apostam em uma teoria de conspiração encomendada pela Rússia. No entanto, um inquérito inicial aponta simplesmente um erro de pilotagem. As condições climáticas perigosas e os avisos da torre de controle para não pousar foram ignorados pelo piloto. O que intriga os investigadores é que, pouco antes do acidente, o chefe das Forças Aéreas, general Andrzej Blazik, esteve presente na cabine de pilotagem. As conversas que manteve com os pilotos não permitem uma conclusão, mas indicam que houve pressão por parte dos passageiros para aterrissar a qualquer custo. Como chefe das Forças Armadas, Lech Kaczynski tinha o direito de exigir isso. Além disso, ele já o fizera em 2008 durante uma viagem à Geórgia. Na ocasião, o piloto se recusou a pousar, e o presidente o chamou de covarde.
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O autoritarismo sempre foi uma marca de Lech Kaczynski. Ele representava a Polônia mais conservadora. Como presidente, combatia o ultraliberalismo que permitiu a economia polonesa decolar nos últimos anos. Advogado de formação, cultivava uma visão ultrapassada das relações internacionais e não escondia seu ceticismo pela União Europeia. A Alemanha e a Rússia eram tratadas por ele com desconfiança, ainda que o comunismo no país tenha acabado em 1989. Sua morte inesperada no acidente antecipou as eleições presidenciais. E, naquele domingo, os poloneses tinham duas opções: Bronislaw Komorowski e o irmão gêmeo de Lech, Jaroslaw Kaczynski.

Desde o acidente, Bronislaw Komorowski, então presidente da Diète (Parlamento), assumiu a presidência da Polônia provisoriamente. Apesar de um currículo impecável, sempre passou despercebido. Originário de uma antiga família da nobreza polonesa expulsa da Lituânia, engajou-se cedo na luta contra o comunismo. Chegou a ser preso em 1981. Seu percurso heroico, no entanto, não o poupou das duras críticas da imprensa por sua falta de carisma e imaginação. Historiador de formação, desde 2001 ele faz parte do partido Plataforma Cívica (PO). É visto como um liberal, levando em consideração que mesmo os liberais poloneses são moralmente muito conservadores. É contra o aborto, a eutanásia e o casamento homossexual. Mas mostrou-se tolerante ao anunciar-se a favor da fecundação in vitro – conquistando assim a ira da Igreja Católica. Casado e pai de cinco filhos, atraiu os eleitores da esquerda ao pedir a rápida retirada da Polônia do Afeganistão pelo alto custo da missão.

Contra ele, Jaroslaw Kaczynski. Irmão gêmeo 45 minutos mais velho de Lech, ele era visto como o cérebro da dupla, o que dava as ordens. Os dois raramente eram vistos separados. Assim como Lech, formou-se advogado. Em 1970, tornou-se membro do Comitê de Defesa dos Operários (KOR), uma das primeiras iniciativas de mediação entre o governo comunista e os trabalhadores poloneses. Ele se associou ao movimento sindical Solidariedade desde a sua criação e participou das negociações da Polônia rumo à democracia, em 1989. No entanto, sempre foi marginalizado pelos líderes históricos do movimento, que o consideravam incontrolável e perigoso. Em 2001, fundou com seu irmão o Partido Direito e Justiça (PIS) e assumiu o posto de presidente do Conselho de Ministros entre 2006 e 2007.

Extremamente conservador, não acredita no conceito da União Europeia e é contra a privatização. Mas, segundo os poloneses, depois do acidente aéreo Jaroslaw Kaczynski transformou-se em outro homem, razoável e moderado. Pura tática eleitoral, dizem seus opositores. Seu comportamento mais comedido e as constantes alusões à trágica morte de seu irmão o projetaram na corrida eleitoral. “Kaczynski tem uma forte personalidade e é lógico que as pessoas olham para ele e se lembram de seu irmão. Sua escolha foi baseada na situação que ele representa e não nele mesmo”, afirma o ministro do Trabalho e da Política Social, Michal Boni. Além disso, a Igreja Católica tomou seu partido, se tornando uma aliada de peso em um país majoritariamente católico.

No primeiro turno, Kaczynski, 61 anos, obteve 36,46% dos votos, contra os 41,54% do presidente interino Komorowski, 58 anos. Entre os mais velhos, ele foi unanimidade. Muitos jovens também votaram nele, mas não assumiram publicamente. Foi o caso de Bartek. Aos 21 anos e diretor de um projeto da União Europeia, sua preferência por Kaczynski foi descoberta pelos amigos só no segundo turno da eleição. Ele foi visto na comitiva eleitoral do gêmeo de Lech, mesmo tendo aparecido no final da festa do presidente eleito. Depois disso, tornou-se motivo de piadas no Facebook, rede social norte-americana. Para a nova geração de poloneses, assumir a preferência por um conservador é uma vergonha em um país com sede de reformas.

Uma Polônia dividida entre o progresso e a tradição, entre um liberal e um conservador, foi vista até o último segundo da eleição. Quando Komorowski subiu ao palco da festa preparada pelo seu comitê político, por volta das 20h30 do dia 4 de julho, ele ainda não tinha nenhuma certeza de que seria o presidente. Foi recebido com palmas e gritos, como uma verdadeira estrela. Mas, quando todos se calaram para ouvir suas palavras, fez um discurso apagado. “As divisões são um elemento inseparável da democracia. Mas essas diferenças são grandes demais na Polônia. Temos um grande trabalho pela frente para que elas não impeçam a construção de um entendimento nacional”, disse o novo presidente, repetindo o slogan de sua campanha. A cada segundo no palanque, seu olhar era desviado para os três telões que divulgavam minuto a minuto a abertura dos votos.

Sinal de antipatia para uns e de cautela para outros. A verdade é que ele tinha motivo para isso. À meia-noite, a suposta vitória de Kaczynski foi anunciada, mesmo que por alguns segundos. Só na manhã do dia seguinte, com 95% dos votos computados, é que Komorowski pode enfim cantar vitória. O candidato liberal venceu por 52,63% dos votos contra 47,37% do adversário conservador. Segundo ele, foi o combate mais difícil da sua vida. “Depois do acidente, meu verdadeiro adversário foi o mito de Lech”, afirmou.

“Assumir duas funções num momento em que todo o país estava de luto e ainda fazer campanha eleitoral em clima de compaixão foi muito difícil para Komorowski”, afirma o ex-primeiro-ministro Tadeusz Mazowiecki. “Ele saiu-se muito bem, graças a seu talento de organização”, completa.

Como presidente interino, ele nomeou Marek Belka, ex-primeiro-ministro da esquerda, para substituir o presidente do Banco Central morto no acidente aéreo. Ele também aceitou a entrada no Conselho de Segurança do país de membros da oposição, entre eles seu rival Jaroslaw Kaczynski e Grzegorz Napieralski, líder da esquerda. “Isso mostra como será o estilo de seu mandato. Ele será um presidente que dará prioridade ao entendimento. Acima de tudo, um presidente que coopera com o governo”, diz Mazowiecki. Uma postura bem diferente da adotada por Lech Kaczynski. Durante seu mandato, ele votou contra todas as leis propostas pelos liberais no Parlamento, inclusive as medidas que foram adotadas para conter a crise, apesar de seu veto. E graças a esse plano econômico liberal, a Polônia foi o único país da União Europeia a registrar crescimento no ano passado.

A entrada de Komorowski dá ao partido Plataforma Cívica (PO) a maioria no poder – pelo menos até a eleição do Parlamento no próximo ano. Jaroslaw Kaczynski já sinalizou sua intenção de concorrer a esse posto. Até lá, a Polônia liberal vai enfim navegar em águas mais calmas.

AFINAL, O QUE O BRASIL TEM A VER COM A POLÔNIA?

Quando o jogador brasileiro Roger Guerreiro chegou ao time Legia Varsóvia em 2006, os poloneses sentiram que chegara, enfim, a hora do futebol da Polônia decolar. Ele transformou-se em um mito por lá. Tanto, que decidiu naturalizar-se em uma cerimônia que contou com a presença do então presidente Lech Kaczynski. Seu caminho foi seguido por Bruno Coutinho, que hoje é a estrela do Jagiellonia Bialystok. Mas a colaboração Brasil-Polônia não se restringe ao futebol. Este ano, os países completam 90 anos de relações diplomáticas.
O início dessa parceria foi marcado por uma carta entregue em 27 de maio de 1920 pelo primeiro embaixador polaco no Brasil, conde Ksawery Orlowski, ao então presidente do País, Epitácio Pessoa da Silva, dizendo: “Não esquecemos e não esqueceremos nunca que o Brasil pertenceu às grandes e nobres potências que puseram fim à enorme injustiça do século XIX, saudaram a situação no Leste da Europa, consagraram a

ressurreição da Polônia e declararam sua independência. Deve-se estranhar, então, que na Polônia surgiu simpatia a tudo o que é brasileiro?”. O Brasil foi o primeiro país latino-americano a reconhecer a independência da Polônia em 1918.
Atualmente, o Brasil é o maior parceiro comercial da Polônia na América Latina, devido ao seu potencial econômico e à importância da comunidade no País – estima-se que 2 milhões de descendentes vivam aqui. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil, o volume do comércio entre os países totalizou US$ 713,25 milhões em 2009. As exportações polonesas no período atingiram US$ 186,4 milhões, enquanto as importações chegaram a US$ 526,9 milhões – 0,21% e 0,2% das transações brasileiras. Os grupos mais fortes no comércio polaco-brasileiro são máquinas da indústria de produtos eletrônicos e químicos. Em junho, os países iniciaram conversa para impulsionar a cooperação militar.


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