A primeira-musa da Flip

AgostoUma das atrações da Festa Literária Internacional de Paraty foi a cubana Wendy Guerra. Formada em cinema, ela virou escritora com o primeiro romance Todos se Van. Wendy já lançou três livros de poesia: Platea a Escuras, Cabeza Rapada e Ropa Interior, mas Nunca Fui Primeira-Dama é o seu segundo romance e o primeiro livro lançado no Brasil. Apesar do sucesso internacional, a escritora não existe em Cuba, já que sofre censura. Leia os trechos do papo que Wendy teve com Amilton Pinheiro durante a Flip 2010.


Marcamos a entrevista para as 14 horas, na pousada em que a escritora cubana Wendy Guerra está hospedada. Chego com dez minutos de antecedência para o papo. Passam-se os dez minutos e nada da Wendy. Olho para o relógio do meu celular e vejo que são 14h15 e nada dela. Fico impaciente, preocupado. De repente, vejo a assessora da Editora Benvirá (novo selo da editora Saraiva, que lançará livros de escritores nacionais e estrangeiros), Ingrid Abreu, que marcou a entrevista para nós. Ela pergunta pela escritora e eu respondo que ainda não apareceu. Diz que ela deveria estar terminando de almoçar no restaurante da pousada. Ficamos os dois esperando. Passam-se mais uns 15 minutos e agora é a assessora Ingrid que fica preocupada. Ela pede desculpas e vai ao restaurante saber se a Wendy está lá. Volta depois de alguns instantes dizendo que a escritora já vem. Ficamos sentados em uma mesa perto da piscina da pousada. Logo em seguida, chega Wendy. Já havia conhecido a escritora na coletiva para alguns jornalistas que cobrem a Flip, no dia anterior.Ela chega e pede logo desculpas pela demora. Antes de transcrever os principais trechos da entrevista (que para nossa surpresa começa com lágrimas da escritora, pois Wendy vem esbanjando vitalidade e alegria por onde passa em Paraty), um breve resumo de sua carreira. Nascida em Havana, em 1970, Wendy é formada em cinema, mas virou escritora com o seu primeiro romance Todos se Van. Além do romance, já lançou três livros de poesia: Platea a Escuras, Cabeza Rapada e Ropa Interior. Nunca Fui Primeira-Dama é o seu segundo romance e o primeiro livro lançado no Brasil.Além de escritora, ela trabalhou vários anos como apresentadora de programas de televisão. Atualmente, escreve para o jornal espanhol El Mundo e colabora para diversas outras publicações. Seus livros não foram lançados em Cuba. Apesar da censura, ela fala com felicidade do seu país e diz que não exercer a atividade de escritora por lá tem a vantagem de sobrar mais tempo para escrever. “Em Cuba, sou simplesmente dona de casa” (risos) .Brasileiros – Li alguns trechos do seu livro e percebi que você evoca o passado do seu país, Cuba, por meio das memórias da Célia Sánchez, que foi secretária pessoal de Fidel Castro. Essas memórias são reveladas por rascunhos biográficos e cartas, que a mãe da personagem do seu livro, Nadia Guerra (uma espécie de alter ego da escritora), estava escrevendo sobre Célia. Percebi alguma semelhança dessas histórias íntimas de mulheres cubanas com as personagens femininas do livro Casa dos Espíritos, de Isabel Allende, em que a escritora evoca o passado de horror do seu país, Chile, por meio das mulheres. Você leu o livro de Allende. Vê alguma semelhança dessas histórias? Wendy Guerra – Eu trabalho com os diários íntimos dessa personagem. Mas, mesmo sendo uma personagem real, histórica, eu ficciono as histórias. Sim, sim, concordo com você… (fica por alguns segundos calada e, de repente, começa a chorar. Desligo o gravador e espero ela se recompor. Wendy, então, nos revela que tinha acabado de almoçar com Isabel Allende e que a conversa trouxe lembranças da situação do seu país, de sua família e da história dos cubanos). Estou tranquila. Desculpe pelas lágrimas. Não se preocupe porque essas lágrimas são de felicidade. Almocei com Isabel agora a pouco, como eu lhe falei, e a conversa foi muito importante para mim. Ela me mostrou a riqueza da literatura latino-americana, que revela o interior de um país, o interior das pessoas, da cultura de um povo. A Isabel soube trabalhar perfeitamente com a língua espanhola e compreendeu a literatura feminina latino-americana. É a partir disso, como bem você percebeu, que há muitos traços em comum entre nossas literaturas, muitos contatos com a minha obra. Estou muito orgulhosa com esses traços em comum.Brasileiros – É a primeira vez que vocês se encontram?W.G. – Oficialmente, sim (risos). Ao conversar com ela, não sabia que tínhamos muitos pontos em comum. Estou vivendo em um momento delicado do meu país. E foi importante saber que essas incertezas, esses anseios, não estão isolados de outras histórias que acontecem ou aconteceram com outros países, como foi o caso do Chile, em que viveu a Isabel. Outros países passaram por problemas semelhantes, momentos difíceis. Por isso, é muito importante poder escrever.Brasileiros – Para você, para que serve sua literatura?W.G. – Para não me sentir sozinha. Para me comunicar com o mundo, com os outros. Para tentar me compreender, compreender o meu país. Desculpe-me, pois estou muito caótica hoje. Eu não sou assim (risos). (Novamente ela diz que foi muito importante a conversa com Isabel Allende).Brasileiros – Você está muito à vontade aqui no Brasil. Quando falo muito à vontade, estou me referindo às coisas que você vem falando nas entrevistas, vem comentando sobre seu país. Por exemplo, sobre a censura que sofre do governo cubano, a violação dos direitos humanos pelo governo cubano, da falta de uma política favorável à volta de exilados, etc. Existe alguma preocupação de sofrer alguma espécie de represália quando voltar para Cuba?W.G. – Não me preocupa isso. Falo isso não para mim, mas para as pessoas que vivem em Cuba. Falo isso para que Cuba siga adiante. Temos de ir adiante. Temos de salvar os valores dos meus pais, das pessoas que viveram a revolução no meu país. Salvar os valores da utopia da revolução cubana. Por isso, estou aqui. É por isso que escrevo o que escrevo. Ao escrever, quero falar um pouco do meu interior, do que sinto, do interior das mulheres latino-americanas, das mulheres cubanas.Brasileiros – Você acha que a literatura é uma utopia ou ela pode, de alguma forma, transformar a história de um país, das pessoas?W.G. – Não creio que a literatura possa fazer algo nesse sentido. A literatura e as artes em si podem transformar as pessoas individualmente. Mas, pensando melhor, a literatura de um gênio como Gabriel Garcia Márquez pode transformar um país (risos).Brasileiros – Você escreveu três livros de poesia. Você conduzirá sua carreira literária mesclando poesia e prosa? É uma necessidade para você escrever poesia?W.G. – É uma linguagem que preciso para minha prosa. A poética narrativa me acompanha. Acho que ajuda a minha prosa. Procuro fazer uma prosa com poética, uma prosa poética.Brasileiros – Em uma entrevista, lhe perguntaram quais eram suas influências literárias e você respondeu, de forma inusitada, que era a pequena distância entre a vida e a morte. Poderia explicar melhor essa frase?W.G. – Respondi assim porque creio que o grande drama da humanidade é morrer. Os escritores russos, por exemplo, sempre falavam sobre a relação tênue entre a vida e a morte. Do fantasma da morte. Todos os dramas humanos vêm dessa relação entre a vida e a morte. Por isso, acho que aí estão as minhas influências, desses escritores e de outros que trabalham com esses dois grandes temas: vida e morte.Brasileiros – Você é uma escritora jovem e bonita. Como lida com a vaidade?W.G. – Em Cuba, eu não existo. E, por isso, não tenho tempo para pensar sobre isso (risos). Não existir em seu país é uma maneira de não pensar sobre isso, sobre vaidade.Brasileiros – Então, você não existe como escritora em Cuba. Sente-se feliz lá, dessa forma, de “não-existir”?W.G. – Em Cuba, sou dona de casa (risos). Fui apresentadora de programas de televisão, desde pequena. Escrevo para alguns periódicos e, ao não exercer a minha profissão de escritora, sobra mais tempo para escrever. Você não acha isso uma vantagem? (risos).

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