Advirto desde já: Gabriel Garcia Marques teria mais sucesso do que eu na elaboração desta reportagem, especialista que é no realismo fantástico, ou seja, em tornar crível ao leitor o que parece fantasioso. Algumas das histórias que pretendo contar poderiam ter se passado na Macondo de Cem Anos de Solidão. Suponhamos que Macondo se localiza, desta feita, no centro de Goiás, que fica no centro do Brasil.
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Há 60 anos. Augusta Soares, uma senhora forte e faladeira, mestre na arte de fazer doce de pequi, está grávida. Não é novidade para ela, que vai parir pela 11ª vez. Certo de que a mulher não requer cuidados especiais, o marido, Manoel Soares acompanha os amigos a uma pescaria. Na volta, queixa-se de dores. Vem o médico, diagnostica malária, administra remédios, mas a febre não cede. Passam-se os dias e a melhora não vem. Recorre-se a milagreiros. Nada. O homem não resiste ao ataque da infecção. Descobre-se depois: foi vítima de tifo.
Augusta, tendo chorado o marido, dedica-se ao nascimento do próximo filho. É hora de escolher o nome da criança. Todos os anteriores foram do gosto do pai: Labieno, Camilo Flamarion, Demóstenes, Ayres, Rolando e outros não menos pitorescos. “São os nomes espirituais deles”, explicava Manoel, que era médium. E Augusta não era besta de contestar, embora não fossem os seus preferidos. Dessa vez, o nome seria o de sua preferência. E começou a pensar.
Faltando algumas semanas para a hora H, Augusta recebe a visita de um vizinho. Médium como Manoel, ele traz mensagem psicografada de seu marido: “O bebê será menina, vai nascer saudável, com uma mancha oval bastante escura na canela esquerda e seu nome espiritual é Gilka”. A notícia se espalha pela cidade. Na hora do parto, pequena multidão foi conferir na frente da casa de Augusta. O povo só dispersou ao informarem que tinha nascido menina, com boa saúde e a marca na perna esquerda. Escura e oval. Batizada depois, claro, como Gilka.
Há 40 anos. Numa tarde de sol, Gilka está no lobby do Grande Hotel de Uberaba, com sua filha no colo. Ao lado do marido, Wilson Fidalgo, espera o manobrista trazer o carro da família. Nisso, adentra o local um grupo de estudantes que cerca a pessoa mais célebre da cidade, provocando um pequeno tumulto. Gilka e Wilson aproximam-se, timidamente, do grupo que celebra Chico Xavier. Ao notar a presença do casal, ele pede uma pausa aos seus acompanhantes. Gilka não se contém, abraça o médium, ao mesmo tempo que diz: “Oi, Chico, eu sou filha do Manoel Soares”. “Eu sei, Gilka”, fala Chico Xavier, que nunca a tinha visto, nem ela a ele. “Vocês estão morando em Brasília, né?”
Então, o médium se dirige à criança de colo: “E essa é a Maria Paula. Sabe, Gilka, essa menininha ainda vai lhe dar muita alegria. Vai ser famosa no Brasil inteiro”.
Há 27 anos. Maria Paula Fidalgo é uma das garotas mais disputadas de Brasília. O seu charme é inato. Ao sorrir, seus olhos se fecham naturalmente, o que lhe dá uma graça especial. É a simpatia em pessoa. Tem uma bela voz e fala muito, como a avó. Um corpo escultural. As amigas mais fiéis chamam-se Bel e Alessandra. O trio é capaz das proezas mais inimagináveis e desconcertantes. O assunto favorito, é claro, são os amigos do sexo oposto. Uma das preocupações é encontrar garotos à altura. Mas há uma dificuldade: quando estão no ponto, aos 18 anos, dedicam-se não a elas, mas ao serviço militar.
Passam a fazer campanha contra a obrigação de servir o Exército – e o Brasil em meio a uma ditadura. De suas cabeças inventivas, surge uma ideia que consideram, inicialmente, genial. Resolvem fundar um instituto. O primeiro nome reflete exatamente o que elas pretendem – Instituto Paus de Luz, para seguir a linha do Instituto Mãos de Luz, de Barbara Brennan.
Elas se propõem a educar adolescentes no sentido mais amplo do termo, não só em relação a desempenho sexual, mas também transformando-os em pessoas cultas, educadas, capazes de plantar flores e fazer poesia. Em poucos dias, pressionadas pela careta sociedade brasiliense, mudam o nome para Instituto Pênis Lumini, que tinha um aspecto mais científico, segundo Maria Paula. E bolam o slogan: “Jovem, ao completar 18 anos, faça amor, não faça a guerra! Aliste-se no Instituto Pênis Lumini”.
“Seria uma instituição séria, onde eu e minhas amigas teríamos a nobre função de iniciar os jovens na arte do amor”, diz Maria Paula. “A preparação teria várias vertentes, tanto físicas, quanto espirituais, emocionais, culturais, etc. Eles iriam estudar todas aquelas terapias e ainda tocar diversos instrumentos, plantar e colher as mais lindas flores, fazer poesia… Depois do alistamento, passariam por um minucioso processo de seleção, no qual seriam dispensados todos aqueles que não reagissem prontamente, rigidamente, à dança do ventre executada por nossas instrutoras.”
Há 17 anos. Começa a se cumprir a profecia de Chico Xavier. A Rede Globo dobra-se ao sucesso de Maria Paula como VJ gostosa da MTV e a contrata como a garota do Casseta&Planeta. Com tantos galãs musculosos e sarados a seus pés, ela se identifica com um dos menos sexy: “Bussunda era um cara que eu chegava à Globo e ia correndo abraçar, deitar no colo dele”, diz. “Ele era um cara extremamente equilibrado, que trazia equilíbrio para o Casseta&Planeta, um grupo formado por pessoas muito díspares, todos intelectuais, inteligentes e rápidos, com recursos cômicos muito intensos, mas ele tinha, como eu – por isso eu me apeguei tanto a ele – essa coisa do coração, essa coisa do acolhimento do outro, de estar ali.”
Ela continua falando sobre o amigo: “Quando eles brigavam, ele observava a cena. Ele era um grande mediador. Não só dentro do grupo, mas na Globo inteira porque o Casseta chegou fazendo um humor novo. Muita gente foi contra, como Chico Anysio. Bussunda tinha essa capacidade de acolher e sublinhar o que tinha de melhor para ser mostrado. Ele tinha aquele carisma! Uma pessoa deliciosa, extremamente inteligente, rápido. Um libertário. Para mim, ele é tipo Bob Marley. Um ídolo. Ninguém se esquece dele. Em qualquer canto do País. Outro dia, fui fazer teatro em Manaus. Várias pessoas me abraçaram no final, dizendo: ‘Ô, que saudade do Bussunda’.”
Há 7 anos. Maria Paula dá à luz Maria Luiza, sem Chico Xavier por perto nem mancha oval e escura na perna. E é contratada pelo Ministério da Saúde para uma campanha de aleitamento exclusivo por seis meses. Ela, que já é alegre por natureza, transborda de alegria. Desfila na cidade com o sentimento de dever cumprido. No entanto, começa a ouvir o que não esperava de suas fãs: “Puxa, Maria Paula, tô me sentindo péssima! Eu concordo com você, claro que tem de amamentar, mas a gente não consegue porque a licença- maternidade é de quatro meses e não seis”.
Só, então, ela se deu conta do mico em que se metera. Colocava a cara na TV em rede nacional meio que obrigando as mulheres a dar de mamar seis meses, com recomendações explícitas – “Não deem água nem suco a seu filho” – e a mulher tinha de voltar com quatro meses ao trabalho. “Vai se sentir culpada, estressada e ainda com raiva de mim. Porque foi a Maria Paula que falou que tinha que amamentar seis meses!”
Outra pessoa poderia reagir chutando o balde. Cancela tudo, tira meu nome daí, me inclua fora dessa. Maria Paula resolveu começar uma campanha nacional por seis meses de licença-maternidade. Bateu na porta da Sociedade Brasileira de Pediatria e em muitas outras portas. Foi uma campanha longa, viajou o Brasil todo. Em 2010, com apoio da senadora Patricia Saboya, a proposta de Maria Paula virou lei federal. A partir disso, as funcionárias públicas têm esse direito garantido. A luta agora é para o setor privado adotar. A campanha está pronta para ir ao ar. A lei não é punitiva. As empresas privadas não são obrigadas nem penalizadas, se não cumprirem. Mas se cumprirem são bonificadas. A Globo já adotou.
Há uma semana. Encontro Maria Paula em São Paulo, no consultório de Jacob Pinheiro Goldberg, a quem considera pessoa fundamental na sua vida e seu psicanalista há mais de 20 anos. Encontro não só uma artista, mas uma pessoa disposta a lutar por causas humanitárias. “Acho que o artista tem uma coisa muito estabelecida da atuação enquanto espelho da sociedade, o que é importantíssimo, ele mostra o que está acontecendo. O intelectual tem um papel importante também, mas eu acho que, além disso, tanto o artista quanto o intelectual têm a possibilidade de transformar. Não só mostrar como é, mas apontar um caminho melhor. Foi esse insight que me fez transformar toda a minha carreira, direcionar melhor a minha energia e o meu propósito. Eu me sinto agora ativista. A gente fez uma lei! Milhares de mulheres me encontram na rua e dizem: ‘Aí, Maria Paula, agora posso ficar seis meses com meu filho!’. São coisas reais que temos capacidade de transformar. Essas crianças vão ter menos doenças porque vão ser amamentadas durante seis meses, provavelmente vão se envolver menos com drogas. É essa a nossa atuação. Somos um grupo, uma rede de pessoas conscientes, inteligentes e com vontade política. E com contatos e possibilidades.” A seguir, Maria Paula conta, em detalhes, o seu projeto de rede.
Os aliados Marcos Palmeira e Cristovam Buarque
Marcos Palmeira está ao meu lado, à frente do movimento Gota D’Água, que pretende abrir a caixa preta sobre o plano de desenvolvimento da Amazônia. Estamos bastante afinados no discurso socioambiental e temos o apoio de um milhão e meio de pessoas que assinaram a petição para discutir a construção da hidrelétrica de Belo Monte.
O senador Cristovam Buarque é um homem que pensa o Brasil. Admiro muito suas ideias e concordo com ele, quando diz que só com um sistema de educação consistente iremos chegar tão longe quanto podemos…
O projeto com Chico Buarque
Ele sempre serviu como farol para o público brasileiro, ilumina nossas vidas com sua música, poesia e inteligência… Temos o Pronei (Programa Nacional de Educação Infantil), que vai captar recursos para construir creches e pré-escolas para todas as crianças em período integral, com alimentação, com todo incentivo psicomotor, cognitivo. Hoje, o governo só se responsabiliza pela educação da criança a partir de 7 anos. Então, fica um gap a partir dos seis meses em que a criança fica com a mãe e os 7 anos, quando vai à escola. A criança não tem com quem ficar, vai para a rua, com todas as implicações que isso traz. Quero colocar esse projeto e os outros na pauta de todos os candidatos de todos os partidos. Se possível, ainda nesta eleição. O vídeo já está pronto. Faço eu e o Chico. Ele emprestou a imagem e a obra musical, inclusive a canção Meu Guri.
Marta Suplicy e mais amigos
A senadora, que é uma mulher inteligente e bem preparada, que tem todas as condições para desenvolver um projeto incrível para a cultura do nosso País. Eduardo Suplicy, que é um homem de uma integridade tocante, raridade no nosso cenário político. Todos são amigos. Essa questão da amizade é uma constante na minha vida. Não sei se por eu ter saído de casa muito jovem, aos 17 anos – eu moro no Rio há quase 20 anos, minha família mora em Brasília -, daí a minha necessidade de formar uma rede de amizades, uma família de afinidades e não de sangue, como diz Jacob Pinheiro Goldberg, que também está na rede.
Até a princesa da Dinamarca
A princesa Mary Elizabeth veio ao Brasil e fui recebê-la na sede da Fiocruz, onde são feitas as pesquisas de coleta, de pasteurização e de distribuição de leite materno. Ela veio conhecer porque o Brasil está exportando tecnologia de banco de leite materno para todos os países ibero-americanos e africanos de língua portuguesa. Além de ser pioneiro, o Brasil é o País com maior número de bancos de leite materno do mundo. A gente criou o Dia Nacional de Doação de Leite Materno e queremos agora que esse dia seja internacional. Por isso a gente pensou em atrair a União Europeia. E convidamos a princesa da Dinamarca. Se a gente unificar essa data, isso vai unificar todas as campanhas mundiais em um só dia e, então, iremos fazer uma grande campanha mundial. A gente conseguiu diminuir muito a mortalidade infantil nos últimos anos, graças ao banco de leite materno. Atingimos, em 2012, a meta que a Organização Mundial de Saúde estabeleceu para 2018. Em 26 de outubro, vou lançar, com o Ministério da Saúde, a campanha de doação de leite materno. Para a gravação do vídeo, os produtores trouxeram uma menina de 4 anos que estava na UTI neonatal e recebeu o meu leite! Na campanha, somos eu, meu filho Felipe, de 3 anos, e a irmã de leite dele. Essa campanha não é só para população carente. Filho de gente rica também nasce prematuro, também vai para a UTI, também precisa de leite materno. A princesa da Dinamarca tem muito interesse nesses temas de saúde da mulher e do bebê. Ela mantém, com a ONU, um órgão de pesquisas nessa área.
Um País de muitas causas
Agora, o Brasil também está se colocando no cenário mundial como uma usina de energia, de ideias originais, como essa do banco de leite materno, que é absolutamente original. O Brasil está em um momento muito favorável. A gente pode criar uma rede que ofereça soluções em amplos setores, em nível mundial. Temos outras causas também, como os índios. A gente vive em um País que tem centenas de etnias, com dialetos próprios, tradições próprias. Temos todas essas preciosidades para oferecer. Então, primeiro vamos nos organizar para aprender a valorizar, para aprender a cultivar e proteger. Somos uma nação original e rica de cultura, tradição, sabedoria.
Nós temos uma incrível tradição que são as parteiras e somos o País com o maior índice de cesarianas do mundo. Mais de 50% dos partos são cesarianas. A Organização Mundial da Saúde só aceita até 13%. Isso acontece no Brasil porque a gente não dá atenção ao conhecimento ancestral que está aí à nossa disposição, mas que a gente não sabe valorizar, que são as parteiras. A gente importou um modelo de fora que não condiz com a nossa possibilidade e acabou se tornando a nossa realidade. É triste. Mas nunca tivemos tantas possibilidades de transformação quanto neste momento. O mundo inteiro está de olho na gente. Não é só a Copa do Mundo e a Olimpíada.
Instituto ou ONG?
Não, nosso grupo é independente. É uma rede, que tem vários projetos rolando sobre diferentes temas que a gente quer levar para a pauta mundial. A gente não quer esperar ajuda da UNESCO. Queremos nos organizar para oferecer ajuda à UNESCO, à ONU e a outros órgãos internacionais. Isso é perfeitamente possível. Em qualquer lugar do mundo. Veja as Pussy Riot. Elas foram lá, tamparam a cabeça e mostraram a bunda do outro. Mostraram o viés, a aberração que não pode ser mostrada. Tanto que elas foram presas. O que achei um absurdo. Tenho em mim essa coisa da liberdade crônica. O nome do meu livro, Liberdade Crônica, não é à toa.
O Instituto Pênis Lumini
O IPL é um sonho antigo. Acho inadmissível que o serviço militar seja obrigatório! Aos 18 anos, os rapazes deveriam estar sendo treinados nas artes do amor e não da guerra!
Hoje. Duvido que se Bussunda estivesse vivo Maria Paula seria desligada do grupo, como foi, no início deste ano. De qualquer modo, depois que ele virou uma estrela no céu, o Casseta nunca mais foi o mesmo. Maria Paula continua na Globo, pode ser vista diariamente no papel de uma arquiteta moderninha no seriado Malhação. Em dezembro chega aos cinemas o De Pernas Pro Ar 2, à espera dos três milhões de espectadores do primeiro, também protagonizado por Maria Paula e Ingrid Guimarães. Gilka continua firme e forte, em Brasília. Ainda tem a mancha oval na canela esquerda.
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