A revolução dos Mamonas

Um alarido ensurdecedor que reverbera em todo o ginásio de esportes cede aos poucos, obedecendo ao comando de um rapaz seminu, trajando apenas uma sunga e segurando, na mão direita, o microfone. Ele espera o silêncio total das 18 mil bocas. ‘Dinho! Lindo!’ grita uma fã mais exaltada. E só então Dinho começa:

Há 5 anos atrás eu estava aí, no meio de vocês, querendo estar aqui no palco… e as pessoas olhavam pra mim e diziam “é impossível estar aqui, é impossível você chegar até aqui”. Manda eles pra puta que pariu! É possível sim! É possível vocês, cada um de vocês que está aqui hoje, é possível realizar o sonho de vocês sim!
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A plateia vai à loucura, aplaude, chora, grita.

Vocês são capazes! Acredite em você! Você pode, cara! Se você não acreditar em você, ninguém vai acreditar. Luta pelo seu sonho. Nesse ano, luta por você e você vai chegar aonde você quer!

Ele se senta na beira do palco, balança as pernas e prossegue:

Eu quero que vocês saibam de uma coisa: a gente vendeu mais de dois milhões de cópias de discos. A gente hoje é os artistas número 1 do Brasil, é o que mais faz show, é o que mais ganha dinheiro, é o que mais está na mídia.

E nós continuamos de Guarulhos! Nós não somos de São Paulo, nós não somos de nenhum lugar! Nós somos a banda Mamonas Assassinas de Guarulhos, que leva o nome dessa cidade pelo Brasil afora. E nós vamos levar o nome dessa cidade para o exterior também!

Porque a gente ainda é daqui! O sucesso não sobe na cabeça das pessoas, não! O sucesso sobe na cabeça das pessoas fracas e nós não somos pessoas fracas não! Se a gente fosse fraco, a gente tinha desistido há 5 anos atrás, quando as pessoas diziam que a gente nunca ia chegar aqui. E nós estamos aqui caralho! Porra!

Dinho se levanta, ensaia alguns passos até chutar com vontade um pedestal que sustenta um microfone, destruindo os dois. Gosta do resultado. Aplica outro chute certeiro no segundo pedestal. Tudo sob unânimes aplausos.

O impossível não existe! Tudo é possível quando vocês querem! Acreditem em vocês! Vocês têm força! Quando a música começar, todo mundo pulando junto com a gente, de Guarulhos! Porra!!!

Mamonas 2, Madonna 1
Era 6 de janeiro de 1996. Seis dias do ano seguinte ao melhor das vidas de Dinho Alves, Julio Rasec, Bento Hinoto, Samuel Reoli e Sergio Reoli. Um ano mágico. Só um artista, dentre todos, nacionais ou internacionais, tocou mais nas rádios brasileiras do que eles, em 1995: Madonna. Somente ela. Com um handicap para os Mamonas: das três mais tocadas, duas eram deles, uma da Madonna. Em primeiro “Take a Bow”. Em segundo, “Vira-Vira”. Em terceiro, “Pelados em Santos”.

O discurso, desabafo ou vômito do Dinho, documentado pela câmera caseira de Ana Paula Rasec, irmã de Júlio, é um dos momentos mais emocionantes do filme sobre os Mamonas Assassinas, a cuja primeira exibição – dia 16 de fevereiro, só para a equipe, na sala da Rain, em São Paulo – Brasileiros teve acesso. Produzido pela Tatu Filmes e dirigido por Cláudio Kahns, Mamonas (92′) estreia em abril nos cinemas brasileiros. Pela primeira vez conseguimos perceber, em toda a dimensão, o drama de um grupo que do nada chegou ao topo, desbancando todas as vacas sagradas da música brasileira e que desapareceu tão abruptamente quanto surgiu, deixando uma legião de órfãos musicais.

Política por música
Nada fazia crer que 1995 seria diferente para Dinho e seus amigos dos anos anteriores, desde o de 1991, quando começaram a ralar em busca do sucesso. “Empregado” como assessor de um vereador de Guarulhos chamado Geraldo Celestino, ele foi convocado logo nos primeiros dias do ano para uma conversa a dois. O político precisava “pagar” uma dívida com uma dupla caipira que animara comícios da campanha de 1994. O “pagamento” era a gravação de um disco. “Você tem idéia onde o Elizan e o Campelo poderiam gravar um disco?”, perguntou Celestino. Dinho conhecia o estúdio Bonadio, que ficava na Serra da Cantareira, em São Paulo. Ele tinha gravado lá o primeiro e único LP do Utopia, um estrondoso fracasso de público. Dos mil discos, produção independente, quase todos foram distribuídos.

Bonadio não fazia objeções para gravar quem quer que fosse, desde que entrasse algum. Ele já tinha uma certa amizade com Dinho, com quem simpatizou desde o primeiro encontro.

Também o chamava quando precisava de um locutor que não cobrasse muito por um comercial de rádio. Feito o acordo, Dinho decidiu unir o útil ao agradável. De vez em quando usava as horas destinadas à dupla (e bancadas por Celestino) para gravar umas coisas “por fora”. Elizan ou Campelo ligavam perguntando “tem estúdio hoje?”. Quando precisava do estúdio para ele e seus amigos do Utopia, Dinho respondia seco, imitando a voz de Bonadio: “Hoje não tem estúdio, não”. Numa dessas madrugadas em que “não tinha estúdio” Dinho gravou, por sua conta e risco, uma ou duas sátiras despretensiosas, com as quais pretendia animar um churrasco de fim de semana, mas que mexeram com o técnico de som.

“Eu chorei de rir, mas eu ria muito”
Na manhã seguinte, o técnico, ainda impressionado, contou a Bonadio a novidade.

“Você tem que ouvir umas coisas que o Dinho gravou ontem, são de rolar de rir.”

Bonadio conta o que sentiu:

Ele pegou, botou uma fita cassete na época e pôs pra tocar. Puta, eu ouvi o “Robocop Gay”.. .e eu ouvi o “Pelados em Santos”. Eu chorei de rir, mas chorei, mas eu ria muito! Era muito engraçado… a coisa mais engraçada que eu já ouvi na minha vida. Nesse mesmo dia, eu liguei pro Dinho:

“Pô Dinho”, ele tava meio sonado, eu falei:

“Puta, meu, vem aqui que eu quero conversar com vocês”.

O cara veio a jato, ele, o Júlio e… o Bento, vieram os três. E a conversa foi na cozinha do estúdio. Eu lembro bem, até hoje, encostado na pia da cozinha e a gente conversando e eu falando pra eles assim:

“Meu, isso aqui é bom pra caralho, meu, o que vocês gravaram é legal.” Só que eles gravaram um estilo meio Reginaldo Rossi…

Rick Bonadio ficou empolgado. Mandou trocar o nome da banda e compor mais algumas canções alegres, o oposto das tristes e românticas do pretensioso Utopia. Mudar de nome? Jamais! Somos muito conhecidos em Guarulhos. A primeira reação foi natural. Mas, depois de um bom argumento – com outro nome eu arrumo gravadora, prometeu Bonadio -, os rapazes concordaram em fazer uma “ejaculação mental”, expressão que Dinho usaria, mais tarde, em algumas entrevistas na TV. Samuel Rioli, o baixista, “ejaculou” o nome: Mamonas Assassinas do Espaço. Bonadio eliminou Espaço, ficou com o resto.

“Vocês estão loucos?!”
As coisas começaram a dar certo de uma forma vertiginosa e inesperada. O chefão artístico da EMI-Odeon fechou com Bonadio, depois de assistir a um show ao vivo montado em Guarulhos, no bar Lua Nua, especialmente para ele. No show seguinte, exclusivo para a diretoria da EMI e convidados vip, o primeiro susto. Depois de cantar “Vira-Vira Bunda”, Dinho foi severamente repreendido por João Augusto:

“Vocês estão loucos! O vice-presidente da gravadora está aqui e ele é português!”

Mas nem o fator lusitano atrapalhou a decolagem dos Mamonas. Eles caíram nas graças do executivo portuga. Ainda nesse show Júlio cometeu um deslize que o deixaria abalado por alguns dias. Ao caminhar dentro do auditório ainda escuro, em meio aos convidados, pisou no pé de alguém. Escandalizou-se ao ver de quem era:

“Ah, Globeleza! Eu pisei em você. Peço mil desculpas.” Ao chegar em casa, comentou com a irmã: “Imagina se ela fica fora do carnaval por causa do meu pisão…”

Robocop Gay, Capitão Gay
Em maio de 1995 o disco ainda não estava pronto e, mesmo assim, os Mamonas já apareciam nos primeiros programas de TV. O mais importante deles foi o Jô Soares 11 e Meia, do SBT. Foi o primeiro show do Dinho em rede nacional. Aquele palco nunca mais foi o mesmo. No “Robocop Gay” – que ele disse ter sido inspirado no Capitão Gay do Jô – pulou em cima do cameraman, deu-lhe uns agarrões, caiu em cima da plateia. Depois, simulou cenas homossexuais com o músico Bira. O ponto alto foi o sketch que apresentou em dupla com Júlio com o título “Discurso de Lula na Casa Branca com tradução simultânea de Paulo Henrique Tamborim”. (Em 1994 Lula tinha disputado e perdido a eleição presidencial.)

Dinho/Lula: Mister President…

Júlio/ Tamborim: Senhor Presidente…

Dinho/Lula: Evribari nau singui you mi everybari…

Júlio/ Tamborim: Todos os bodes… cantam aqui… no Jô Soares…

Dinho/Lula: Just mi nou… puta que pariu, califórnia drim

Dinho/ Lula: Ai quent belivi fuquin mai self…

Júlio/ Tamborim: O Brasil é um foguete indo para o céu…

Dinho/Lula: Ai quent beiilvi evribari mister president ies, ies…mr presidente…

Júlio/Tamborim: Senhor Jô Soares… público presente… muito obrigado!

A guerra Globo-SBT
A explosão do “Vira-Vira” na 89 FM – foi só tocar a primeira vez para os ouvintes não pararem de pedir replay – gerou convites para shows em todo o País e programas de maior ibope, como Faustão e Gugu, passaram a disputá-los a tapa. Nada foi planejado, não deu tempo de fazer marketing. É o que conta Sammy Elias, um dos narradores do filme Mamonas, ao lado de Rick Bonadio, de Hildebrando e Célia Alves (pais do Dinho), Ana Paula Rasec (irmã de Júlio), seu Ito e Sueli (pai e irmã dos irmãos Sergio e Samuel), o político Geraldo Celestino e Valéria Zopello, a namorada do Dinho.

Sammy: Acho que mais ou menos em outubro, novembro, começou uma guerra entre SBT e Globo. Uma guerra de ibope impressionante! Os Mamonas iam no programa, era recorde de ibope na emissora, recorde! O outro sabendo disso exigia: “Eu quero vocês aqui”. Era recorde no outro programa. Então existia uma briga de pegar os Mamonas pra gravar, era recorde de ibope. Sei lá quantos pontos, não sei se chegou a 40, 50 pontos. eram picos absurdos.

O Domingo Legal, do Gugu, quase implodiu por um acesso de ciúme de Valéria Zopello, que ela própria rotula hoje de “besteira”:

Valéria: Eu me lembrei de uma briga nossa, agora. Que também foi uma besteira de adolescente. A gente estava no programa do Gugu. O Dinho ia fazer a prova da banheira, do sabonete e tal. E aí eu disse pra ele que ele não precisava fazer aquilo, que ele era um cantor que já tinha muito sucesso, que ele tinha que controlar as coisas que ele fazia, que ele não precisava se expor a esse papel. Ele concordou e arranjou a maior briga com a produção. Que não queria e não queria e não queria fazer a tal da banheira. No fim, eles já tinham anunciado desde cedo, “na prova da banheira o Dinho com a menina, papapa”.

E eu falei: “Então tá. É o seguinte, eu vou esperar o programa acabar e vou embora e acabou. Eu não quero mais te acompanhar e não quero mais saber disso”. Óbvio, ciúme besta. Ele ficou mal, se trancou no banheiro e começou a chorar muito e deu um soco numa parede, que era uma divisória e logo se formou um tumulto. Por fim, ele entrou no palco de óculos escuros, até porque tinha chorado um monte e eu também, os dois de óculos e ele me chamou, o Gugu me chamou no palco e ele me deu aquele beijo, aquele abraço, acabamos rolando no chão. Dinho disse: “Agora eu quero ver você me deixar. Agora que eu mostrei ao mundo inteiro, ao Brasil inteiro o quanto eu gosto de você, e tudo. Eu quero ver você ir embora daqui”. Então, aquele beijo que todo mundo viu mil vezes, na verdade foi uma prova, vai, uma forma de ele provar o seu amor. De dizer que ele estava fazendo a prova da banheira, mas que não era realmente a vontade dele.

“EMI melou dois bons negócios”
Não se fazem omeletes sem quebrar ovos, nem se constroem sucessos sem conflitos. Houve, e muitos, durante a breve – seis meses – e espetacular carreira. O baterista Sérgio, segundo Bonadio, tinha muito ciúme do sucesso pessoal do Dinho, fazia de tudo para aparecer mais do que ele e muitas vezes pisou na bola. O diretor da EMI, segundo Valéria, pressionou para Dinho não se casar com ela. Mas ele resistia bravamente e o casamento estava praticamente marcado quando tudo acabou. Da EMI também tem queixas Bonadio, que acusa a gravadora de atrapalhar bons negócios:

Rick: A gente teve uma proposta pra assinar um contrato de exclusividade com a Globo.

O Boni me ligou, ele queria contratar o Mamonas por três anos, exclusivo. Não era o especial, era exclusivo. Porque, quando o Mamonas ia no Gugu, o Faustão tomava um puta pau. Então eles não queriam que os Mamonas fossem mais no Gugu. A gente ia ser bonequinho da Rede Globo.

Eles iam pagar uma puta grana e tudo mais. E aí… quem atrapalhou muito nessa negociação foi o João Augusto. Porque eu achava que ia ser bom negócio, mesmo sendo bonequinho da Rede Globo, ia ser bom negócio. Mas o João… queria vender disco, então ele achava que a Rede Globo iria interferir no trabalho da EMI. Minha conversa com o Boni era: “Vamos esperar o ano que vem pra gente conversar, que a gente vai fazer o negócio”. Eu ia fazer. O ano que eles faleceram, em março, a banda iria a Portugal, para voltar em abril, e fechar o negócio, porque eu imaginava que a gente ia ter um programa de televisão lá também. A gente também ia licenciar produtos e a gravadora não queria. Tanto que a gente não licenciou nenhum produto antes por causa da gravadora. Porque eles não queriam produto concorrendo com o disco, óbvio, né? Só que eu queria fazer as coisas com calma, a gente tinha acabado de lançar um disco, tinham se passado oito meses. Eu disse a eles:

“Calma lá, a gente tem tempo, estamos fazendo show pra caramba. Tá entrando grana. Não precisamos fazer agora, quando a gente lançar o segundo disco, antes da gente lançar o segundo disco, nós vamos sentar lá pra renovar esse contrato”. Os caras ganharam muito dinheiro e não gastaram nada. Não investiram nada e ganharam uma fortuna.

Como dizia a única peça de lançamento dos Mamonas, um lambe-lambe vagabundo nos muros do Brasil, “encoste o seu na parede, os Mamonas vêm aí.”


Comments

Uma resposta para “A revolução dos Mamonas”

  1. Muito maneiro o filme mesmo… Lógico, sendo dos Mamonas só pode ser bom. Também não me lembro de ter rido tanto desde os Mamonas. Era um tempo bom, a gente podia ouvir (pl menos eu não era censurada por ninguém, era inofensivo), e me divertir, até minha profe do jardim cantava o Sabão Crá-Crá… Tempos bons só deixa uima puta saudade…
    Hj em dia quase nada me faz ri assim, de se chacolhar. Eles conseguiam fazer um humor sem igual, uma alegria pura que brotava de dentro de cada um deles. Sem falar no Vira-Vira, na Brasilia Amarela (que não é uma musica engraçada, pl contrario, é até triste), então depois dessas eu gosto muito do Robocop Gay, Lá vem o Alemão, Jumento Celestino, e Te encontrei (uma arlinda mulher)… Essa ultima eu conheci quando eu trabalhava, umj colega do serviço tava meio a fim de mim e me passou essa musica, claro que eu adorei né? Foi pouco o tempo mas muito bom, ótimo mesmo. Queria q não tivesse passado…. Beijo a todos Mamoníacos de plamtão!!!!!!!!

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