A ruína de uma obra modernista

Em 1956, o artista plástico, arquiteto, engenheiro e cenógrafo Flávio de Carvalho ganhou as páginas dos jornais paulistas ao desfilar pelo Viaduto do Chá, no centro de São Paulo, vestindo uma saia curta, uma blusa de mangas largas e sandálias. Com o desfile, pretendia lançar seu traje tropical e a proposta de vestuário masculino unissex e mais adequada ao clima quente de um País como o Brasil. Flávio de Carvalho era assim. Adorava uma performance e uma polêmica, na época chamadas simplesmente de escândalos, e elas faziam parte de sua trajetória como um dos artistas-símbolo do modernismo nos anos 1930. Artista plástico consagrado, também brilhou na arquitetura. É considerado autor do primeiro grande projeto de arquitetura modernista brasileira, o do Palácio do Governo de São Paulo, de 1927, e de muitos outros, embora poucos tenham sido construídos. Um dos que saiu do papel foi o de sua casa na Fazenda Capuava, da família, em Valinhos, interior de São Paulo, concluído no final dos anos 1930, considerada uma obra-prima da arquitetura modernista.

No entanto, essa obra de arte está caindo aos pedaços, embora tenha sido tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), em 1982.
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Com cerca de 600 metros quadrados, a casa é térrea e tem 14 cômodos. Grandes pérgulas feitas em concreto, os pilares pintados em vermelho e as portas em amarelo, uma sala retangular com um pé-direito alto, que se assemelha a um túmulo egípcio, e uma piscina semi-olímpica com iluminação – uma inovação para a época – expressam a modernidade da obra, além de banheiros e cozinha revestidos de alumínio.

Mais de 70 anos depois da inauguração, a surpresa não está mais nos símbolos da arquitetura modernista. A magnitude e as formas geométricas da estrutura não impressionam, já que o que se vê são paredes rachadas cobertas de mofo, teias de aranha e sinais de arrombamento, com vidros e portas quebradas. A surpresa não está mais na inovação das paredes revestidas com alumínio, e sim nas ferrugens encontradas nelas.

O processo de tombamento iniciou em 1973, ano em que Flávio de Carvalho morreu. “O Condephaat entendeu o valor do artista e da casa. Flávio de Carvalho era um arquiteto diferenciado, muito imaginativo e colocou seu talento em uma edificação. A casa foi feita na década de 1930 e possui elementos da arquitetura moderna que seriam muito usados nos anos 1960”, explica Roberto Leme Ferreira, arquiteto do Condephaat.

Quem cuida da casa?
Para os atuais proprietários do imóvel, familiares de Flávio de Carvalho, o Condephaat deveria manter a casa. “Depois de 20 anos sem aparecer ninguém do Condephaat ou da prefeitura, para dar algum auxílio, a família resolveu investir na restauração. Chegamos a recuperar uma parte e usá-la para atividades terapêuticas com crianças e adultos com necessidades especiais, mas a reparação parou por falta de dinheiro e o local voltou a se deteriorar”, comenta Mariana Soares Senatore, da família de Flávio de Carvalho.

Ao fazer o tombamento, no entanto, o Condephaat apenas define que o local tem um valor histórico, mas não assume compromisso de preservá-lo ou restaurá-lo. “Quando um imóvel é tombado, continua sendo uma propriedade privada e os responsáveis por mantê-la são os proprietários. Podem fazer reformas, desde que mantenha a planta original, por isso temos que fazer visitas regulares para auxiliar no restauro. Também agimos como ‘facilitadores de patrocínio’. Muitas empresas querem firmar parcerias para a recuperação de locais tombados”, diz o arquiteto.

Esclarecidos os deveres e os direitos, resta a realidade de que a casa projetada e construída por Flávio de Carvalho, considerada uma obra de arte modernista, patrimônio histórico e cultural brasileiro, está caindo aos pedaços e por desaparecer por falta de cuidado.

HÁ TRINTA ANOS
O fotógrafo Silvestre Silva esteve na casa de Flávio de Carvalho em 1972, junto com o repórter Eduardo Della Coleta, para realizar um perfil do artista plástico, publicado no suplemento Imagem da Semana, no extinto jornal Folha da Tarde.
O encontro com Flávio durou quase um dia inteiro. Trinta e cinco anos depois, Silvestre voltou à Fazenda Capuava para fotografar para Brasileiros o que restou da casa modernista.


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