A toque de caixa

A maior obra de engenharia em construção no Brasil e uma das estrelas do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Usina Hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira (RO), quando estiver pronta em 2013, terá capacidade instalada de geração de energia de 3.759 MW, o que a colocará em 14º lugar entre as hidrelétricas de todo o mundo.

Essa data de encerramento das obras, com a entrega da usina em operação plena, na verdade, vai marcar um recorde difícil de ser batido em qualquer outra obra de engenharia de grande porte: Jirau tem a previsão de ficar pronta 30 meses antes do prazo definido no leilão realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), em 2008, que previa a conclusão das obras em julho de 2016.
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No leilão, vencido pelo consórcio Energia Sustentável do Brasil, formado pela multinacional franco-britânica SUEZ Energy North America, pelas estatais Eletrosul e Chesf e pela Camargo Corrêa, empresa que ficou também responsável pela construção da obra, estava estabelecido que o consórcio vencedor teria de garantir a entrega de 1.975,3 MW em setembro de 2015, com o restante da produção de energia ficando para o término das obras. Ao acelerar as obras, o consórcio de Jirau vai também antecipar o pagamento pela energia gerada.

O cidadão comum, acostumado ao atraso de todos os tipos de obras, seja as em sua própria residência – culpa de mestres de obras, pedreiros, marceneiros, etc. – seja no âmbito público, como um simples asfaltamento de rua ou a instalação de redes de água e esgotos, deve tentar imaginar como uma obra do tamanho de Jirau, que empregará mais de 2 milhões de metros cúbicos de concreto nas duas casas de força em duas margens do rio (onde serão instaladas as 50 turbinas bulbo com capacidade de gerar 75 MW cada), no vertedouro e na própria barragem ficará pronta com antecedência. A explicação é simples. Primeiro, dinheiro suficiente para tocar a obra sem sustos – nada menos que R$ 11 bilhões com financiamento do BNDES. O passo seguinte, a contratação de gente, muita gente trabalhando em três turnos. Dezesseis mil pessoas, de engenheiros a operários, passando por técnicos com experiência na construção de muitas hidrelétricas e obras de grande porte. Junte a isso um planejamento estratégico e um detalhamento preciso dos estágios a serem concluídos e o resultado foi o verificado pelo presidente Lula em visita a Jirau, na sexta-feira 13 de agosto: em pouco mais de um ano, nada menos que 25% da obras de engenharia já foram realizados. Lula, que havia visitado Jirau no começo de 2009, afirmou: “Há muito tempo o Brasil não via projetos extraordinários como este. É um motivo de orgulho muito grande e estou otimista e feliz ao ver o avanço deste megaprojeto”, festejou.

Lula confirmou ainda que a solicitação de aumento da capacidade de Jirau, com instalação de mais quatro turbinas – passando de 3.450 MW para 3.750 MW -, está sendo analisada pelos órgãos responsáveis e deverá ser aprovada. Segundo a direção da Energia Sustentável do Brasil, essa ampliação não afetará o ritmo de construção.

Inicialmente, a usina seria construída na Cachoeira de Jirau, cerca de 9 km rio acima do local onde hoje são executadas as obras da hidrelétrica. Estudos feitos pelos engenheiros da SUEZ e da Camargo Corrêa indicaram que, rio abaixo, em um local chamado Ilha do Padre, as condições físicas, topográficas e hídricas eram muito mais favoráveis. De acordo com o presidente da Energia Sustentável, Victor Paranhos, na região da Ilha do Padre, o rio já era extremamente largo, o que facilitaria a construção de todas as estruturas da barragem. Não haveria também necessidade de grandes escavações de terra, como no caso do local anterior, na cachoeira de Jirau. E o solo da Ilha do Padre era rochoso, barateando a construção. Mas como o Rio Madeira se dividia em dois braços, contornando a Ilha do Padre, não seria necessário abrir um canal para desvio do rio durante as obras, bastando fechar um dos braços. Dessa maneira, foi possível iniciar as obras de construção das duas casas de força, uma em cada margem do rio, ao mesmo tempo, junto com o futuro vertedouro, que já foi concretado. Hoje, as primeiras turbinas já começam a ser montadas.

O novo local, segundo o consórcio, permite menor impacto ao meio ambiente, pois a água não ficará parada no reservatório da barragem. Na verdade, embora a área alagada vá aumentar em 10 km2 em relação ao que ocorreria se fosse mantido o local original, o fluxo das águas do Madeira será muito maior, pois a região já era naturalmente alagada nos períodos das cheias. Tudo isso, segundo os responsáveis pela construção de Jirau (o nome foi mantido, embora a hidrelétrica não fique mais na cachoeira), teve efeitos significativos na velocidade das obras e na redução dos custos. Mas também reduziu os impactos no Madeira, especialmente no que se refere ao tamanho da área alagada, à flora, à fauna e especialmente, à ictiofauna, os peixes. A vazão (correnteza) das águas do rio será mantida, pois as turbinas bulbo, que são montadas em estruturas no fundo do rio, funcionam com o fluxo natural das águas, não necessitando as quedas elevadas de água como as hidrelétricas tradicionais – Itaipu e Tucuruí -entre outras. A altura média da barragem e das casas de força de Jirau não passa de 50 m, com a área do lago ficando em 258 km2 (60% naturalmente inundados nas cheias). Itaipu, por sua vez, tem uma barragem de 196 m de altura e o lago ocupa 1.350 km2. Em Tucuruí, no Rio Tocantins, a situação é pior, pois a barragem, de 11 km de extensão e 78 m de altura, formou um lago que inundou nada menos que 2.858 km2, principalmente de florestas.

“As turbinas bulbo foram desenvolvidas na Europa, como forma de permitir o aproveitamento hidrelétrico de rios em áreas com pouca caída de água. Na região do Madeira, onde seria impossível a construção de uma usina tradicional, elas foram a solução tecnológica adequada”, afirma Marco Antônio Bucco, diretor superintendente de energia da Camargo Corrêa. Ele destaca que as turbinas bulbo (que se parecem com uma turbina de avião, só que muitas vezes maior) de Jirau serão as maiores já construídas e instaladas em todo o mundo. No Brasil, três hidrelétricas, Canoas 1 e 2 e Igarapava, no Sudeste, são as primeiras a utilizar a nova tecnologia, que permite a construção de hidrelétricas menos danosas ao meio ambiente.

Outro desafio que os responsáveis pela construção de Jirau terão de enfrentar é a quantidade de troncos de árvores, de tamanhos diversos, que o Madeira arrasta rio abaixo até desaguar no Rio Amazonas. “Em períodos de vazante, passam 1.600 troncos por dia. Mas, nas cheias, esse número chega a 7 mil toras”, afirma Bucco. A explicação para esse fenômeno está no próprio Rio Madeira, que ganhou o nome exatamente pela quantidade de madeira que arranca das margens e arrasta na correnteza, seja na vazante ou nas cheias. Para resolver o problema, os responsáveis pela obra descobriram no Canadá uma técnica de redes de aço sustentadas por um sistema de boias que conduzirá os troncos para um canal que será construído em um dos extremos da barragem, pelo qual a madeira seguirá, como sempre, rio abaixo.

Obras polêmicas desde o começo, as usinas do Complexo do Rio Madeira – além de Jirau, está sendo construída a Hidrelétrica de Santo Antônio, na cachoeira do mesmo nome, cerca de 100 km rio abaixo, próximo a Porto Velho – passaram por um longo processo de licenciamento ambiental e disputas judiciais, tendo as questões ambientais e sociais, envolvendo ribeirinhos e indígenas, como foco. No caso dos indígenas, a existência de grupos isolados obrigou a criação de um programa de apoio às atividades da FUNAI na região. Para conseguir a liberação da obra, o consórcio teve de atender a 33 programas socioambientais que envolvem, por exemplo, a construção de uma cidade, Nova Mutum Paraná, para alojar parte dos moradores de Mutum Paraná, às margens do Madeira, que será alagada, e programas de reorganização das atividades comerciais e produtivas. Cuidados especiais com a conservação da biodiversidade (na margem esquerda do Madeira fica localizado o Parque Nacional Mapinguari), além de estudos arqueológicos, climatológicos e de qualidade da água, dentro da dinâmica natural do ecossistema da região, são outras exigências que terão de ser cumpridas.

A vila de Nova Mutum, onde já estão morando funcionários do consórcio e alguns habitantes de Mutum Paraná, foi visitada por Lula, pela diretoria do consórcio, da SUEZ e da Camargo Corrêa. Lula, que conversou com um casal de moradores, destacou que, além da moradia, os residentes de Nova Mutum terão mais oportunidades de emprego com a implantação de projetos de desenvolvimento regional, como o novo Polo Industrial de Porto Velho, que ficará vizinho à cidade. A Camargo Corrêa, por sua vez, está, em parceria com o SESI/SENAI, implantando o programa Geração Sustentável, destinado à formação de mão de obra especializada. Ele vai capacitar 10 mil pessoas em 31 cursos até 2011. O objetivo é fazer com que os 10 mil trabalhadores de Porto Velho, hoje empregados nas obras de Jirau, tenham condições de obter melhores empregos quando a obra ficar pronta. Esse projeto pretende solucionar um problema recorrente: o do desemprego de operários após o fim das obras. A empresa também implantou um viveiro em Jirau que produzirá 280 mil mudas de espécies nativas que serão replantadas na área. E um programa envolvendo cooperativas de pequenos agricultores da região está em execução, buscando melhorar a produção local de açaí, banana, abacaxi e pupunha, por meio de mudas que estão sendo produzidas em viveiros, gerando de 500 mil a um milhão de mudas por safra.

Energia em dobro


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