A tragédia de uma família e da dona da creche

Não, não se tratava de mais um personagem dos crimes do colarinho branco que assolam o País, mas da diretora de uma creche onde morreu um bebê de sete meses na semana passada.

Fiquei com aquela imagem na cabeça e pensando no sofrimento desta mulher, Suzana de Sarro Leão, dona da escolinha Pedacinho do Céu, na zona norte de São Paulo.

Tenho duas amigas que há mais de 30 anos abriram um berçário e dedicaram suas vidas a cuidar dos filhos dos outros, crianças entre zero e cinco anos.

Dedicaram a vida, no caso, não é mera força de expressão, mas uma dedicação extremada ao longo das suas doze horas diárias de jornada de trabalho no berçário onde cuidam de cerca de 50 pequenos, entre eles meus netos.

As crianças passam o dia todo lá, aprendem, brincam, comem, dormem, tomam banho. Pode-se imaginar a responsabilidade destas duas mulheres e suas professoras e funcionárias, que não podem falhar, como o comandante de um Boeing, porque muitas vidas estão nas suas mãos.

Toda vez que vou lá para pegar meus netos nos finais de tarde, tenho vontade de lhes dar um forte abraço, um beijo e agradecer pelo trabalho que fazem, pela paixão com que tratam de cada criança, pela paciência e pela alegria com que cuidam daquela escolinha.

Por isso, talvez, tenha ficado tão chocado com a imagem do telejornal. Pensei nelas na hora. Porque fatalidades como a da morte do bebê Gabriel Ribeira podem acontecer a qualquer momento, em qualquer casa, qualquer creche, qualquer lugar, com qualquer um de nós, por mais cuidado que a gente tome.

Não pode haver tragédia maior do que perder um filho ou um neto. A morte de qualquer criança é sempre mais sofrida para qualquer um de nós.

Nenhum pai jamais vai se conformar com a perda de um filho e é natural que busque um culpado, uma razão qualquer para a tragédia. O outro lado da tragédia é a da dona da creche onde a criança morreu.
O pai de Gabriel acusou a escolinha de negligência e disse em seu depoimento na delegacia que não havia ninguém olhando a criança. Como poderia saber, se não estava lá no momento em que a tragédia aconteceu?

O bebê tinha problemas de refluxo e, por isso, a mãe acredita que ele tenha morrido sufocado, mas na ficha escolar de Gabriel que a televisão mostrou não constava esta informação que deveria ser passada pelos pais.

Depois de acompanhar o depoimento da dona da Pedacinho de Céu e das suas 11 funcionárias, a promotora Cinthia Maria Schiavoni Gruber, do Fórum de Santana, divulgou uma nota informando que a perícia é fundamental para esclarecer a morte de Gabriel, juntamente com o laudo do Instituto Médico Legal, que só deverá ser concluído no final de agosto.

Até lá, porém, qualquer que seja o resultado da perícia, Suzana Leão, cada vez que comparecer à delegacia ou sair à rua acompanhada por câmaras e microfones, terá sua imagem maculada como os donos da Escola Base, muitos anos atrás, que foram execrados pela polícia e pela imprensa ao serem acusados de abuso sexual contra crianças pelos pais dos alunos.

Inocentados mais tarde pela Justiça, os donos da Escola Base tiveram suas vidas destruídas e nunca mais se recuperaram da tragédia. Vários veículos de imprensa foram condenados pela sua atuação no caso, policiais punidos, mas nada compensará o sofrimento dos donos da escola.

Estas coisas não têm volta. Temo que o mesmo possa acontecer com Suzana Leão e suas funcionárias, mesmo que ao final do processo elas sejam inocentadas.

Como explicar um protesto contra a Pedacinho do Céu promovida por pais de outros alunos colegas de Gabriel no dia seguinte à tragédia? Se eles tinham alguma desconfiança de que a creche não cuidava direito dos seus filhos, por que já não os haviam tirado de lá?

Devemos entender o desespero de um pai que perdeu o filho e busca culpados. Mas a nós, repórteres, cabe agir com mais cuidado nestes casos, preservando a imagem das pessoas envolvidas na tragédia, que só podem ser condenadas pela Justiça _ e não, a priori, pela cobertura jornalística do caso.


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