A tragédia na cara dos cachorros

Depois de tudo que já li, vi e ouvi sobre a catástrofe da Região Serrana, não pretendia voltar ao assunto, até porque os leitores também já devem estar saturados de tantas imagens e histórias de dor e sofrimento nos últimos dias.

O que me leva a escrever é uma fotografia publicada na capa da Folha desta terça-feira. De autoria do grande Jorge Araújo, o veterano e premiado profissional, com quem trabalhei por muitos anos, mostra a profunda tristeza estampada no olhar do cachorro branco nas mãos de um menino, Bruno Bento, de 11 anos, em Teresópolis.

Bento é um dos 40 voluntários que resgataram animais nas enchentes e estão cuidando deles num abrigo, segundo o relato do repórter Vinícius Queiroz Galvão. No meio de tanta desgraça, alguém se lembrou dos bichos que ficaram orfãos.

Já são mais de 200 cães e 100 gatos que estão sob os cuidados da turma de Maria Elisabete Filpi, protetora de animais, salva pelos bombeiros carregando nos braços dois cachorros. Outras fotos de Jorge Araújo podem ser vistas neste endereço aqui.

Na semana passada, outro retrato da orfandade animal que me tocou foi o do cachorro Caramelo, montando guarda ao lado da cova rasa da sua dona, tema do desenho de hoje do Chico na capa do Globo.

Estas cenas me fizeram lembrar dos dramas que vivi em Caraguatatuba, no litoral norte paulista, 44 anos atrás – até a semana passada, a maior tragédia natural registrada no país, em que morreram 430 pessoas. Estava começando a trabalhar como repórter estagiário no Estadão e esta foi a minha primeira grande cobertura.

Uma das matérias terminava assim:

“Caraguatatuba já tem água, graças a uma mina encontrada no Morro do Tatu () Um caminhão do Exército que transportava parte da ponte metálica móvel, proveniente do Rio Grande do Sul, que será instalada provisoriamente sobre o rio Santo Antonio, tombou ontem na estrada São Luís do Paraitinga-Ubatuba () As operações aéreas na zona flagelada diminuíram sensivelmente. Os flagelados continuam deixando a cidade, a pedido das autoridades”.

A grande diferença em relação ao trabalho dos meus colegas hoje é que, naquela época, nem se pensava em celular, satélite, laptop, essas coisas. Textos e fotos tinham que ser colocados num envelope e levados até a vizinha cidade de Ubatuba – três horas de carro para percorrer 50 quilômetros em meio aos estragos. De lá seguiam num avião da FAB até a Base Aérea em Santos, onde alguém da redação ia recolher o material.

As comunicações evoluiram muito, é fato, mas os esquemas de prevenção e salvamento parecem continuar os mesmos, como a tristeza dos cachorros sem dono.


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