Esta entrevista aconteceu antes do domingo, 31 – o dia do segundo turno. A Brasileiros tomou essa cautela para evitar as interpretações fáceis e maliciosas do tipo “o astrólogo errou” ou “o astrólogo acertou”. Bem que Oscar Quiroga se arriscou aos desígnios teimosos dos astros. Na caudalosa matéria em que anunciava “enfim, um candidato!” (abril deste ano), a Veja bateu às portas do “astrólogo preferido de Serra”, que tascou o seguinte prognóstico: “O tucano será o próximo presidente”. Oscar Quiroga constatou, no mapa desse nativo de Peixes ungido pelo PSDB, a Lua em Áries (“liderança inata”), e percebeu a favorável conjunção de Saturno e Urano. Mais do que isso, o oráculo – expressão de Veja – garantia: “Dilma Rousseff não vencerá”.
A gente sabe que há entre o Céu e a Terra muito mais coisas do que presume a nossa vã filosofia, e olha que Shakespeare, autor da frase, não foi exatamente das criaturas que pautem sua existência ao sabor das circunvoluções celestiais. Quiroga é o primeiro a saber que a astrologia não faz parte do mundo da lógica e a antecipar, ele próprio, os perigos de prognósticos que, como se verá na entrevista, parecem mais com a alma de torcedor e com a arquibancada da política que com os ditames dos das esferas superiores. Foi destemido, com certeza. De repente, os horóscopos que produz diariamente para o Estado de S. Paulo, há mais de duas décadas, transformaram-se em minieditoriais dignos da página de opinião – no exato diapasão, aliás, do tom bastante irritadiço do jornalão e de uma campanha presidencial repleta de bruxarias e carente de boas maneiras (mesmo depois do segundo turno, Quiroga manteve o tom).
Quiroga, argentino de nascimento, 53 anos, há 32 no Brasil, nativo de Peixes, ascendente em Gêmeos e Lua em Touro, é um sujeito magro, esguio e afável, que não combina nem um pouco, à primeira vista, com o guerreiro acerbo e crítico que a política fez dele. Anda acuado ultimamente, amargando um humor saturnal, por mais que cumpra, das 4h30 da manhã às 6h30, o rito pacificador das meditações que o elevam acima das prisões materiais. “Todos os dias eu viajo até a Índia”, diz.
Se a linguagem dos astrólogos costuma envergar preventivamente a cautela das sutilezas, dos enigmas, das metáforas, esse Quiroga das últimas jornadas não, ele optou por tomar partido, às claras, sem disfarce – embora, investido da duvidosa glória de ser o astrólogo do derrotado Serra, não tenha título de eleitor e nem mesmo conheça o seu suposto apadrinhado espiritual. “Uma vez, em uma festa na casa do (Arnaldo) Jabor, passei por ele e nem reparei”, lembra. “Alguém é que deu o toque: olha lá, aquele é o Serra!”
Quiroga recebeu a Brasileiros em seu escritório no bairro de Pinheiros, uma casa de vila, pintada de um azul vibrante que, segundo ele, simula o céu de Lua Nova. Por coincidência (ou não, já que ele descrê de coincidências), a fachada tem coloração idêntica a seu carro, um Subaru 1998, com 130 mil km rodados. “É o melhor carro do mundo, não quebra nunca.” Ele chegou à astrologia logo depois de se exilar no Brasil e de, aos 21 anos, descobrir a ioga. “Foi a astrologia que me tomou”, corrige ele. “Ninguém em sã consciência diz: eu vou ser astrólogo.”
Brasileiros – Esta campanha presidencial foi especialmente violenta. Você acredita que o acirramento vai continuar?
Oscar Quiroga – Vai, sim. Não haverá esquecimento nem tolerância. Quando se abre a porta por onde entra o demônio da tirania, você tem a tentação de achar que ficará no comando. Resulta que esse demônio começa por destruir a quem se iludiu, achando que poderia dominá-lo. O Brasil era o último paraíso virgem de todo o planeta. Aqui, os relacionamentos sociais, apesar de todas as diferenças, sempre terminavam bem. Você podia negociar até com quem está te assaltando. Na hora do maior aperto, havia tempo e espaço para a conversa. Nesta eleição, a campanha petista abriu a porta do demônio: se você é contrário ao establishment representado por esse líder iluminado, então terá de ser exterminado.
Brasileiros – Você não era até então identificado com nenhum partido e nenhuma facção política. O que determinou o seu engajamento, essa sua descida do Céu para a Terra? Foi aquela entrevista para a Veja na qual você profetizou que o Serra seria o próximo presidente da República?
O.Q. – Antes disso, eu tinha dado uma entrevista para (o portal) Terra. O que aconteceu é que não sei por que cargas d’água o Serra resolveu anunciar que seria candidato no dia do aniversário dele (19 de março). Ou seja, as pessoas imaginaram que ele teria esperado o fim de seu inferno astral. Imaginaram também que eu tinha uma espécie de mandato para influir na decisão dele. O Terra disse que tinha informações de que o Serra seguia instruções minhas. A versão já estava formatada.
Brasileiros – É ou não é verdade?
O.Q. – Olha, eu presto consultoria. Se me perguntam, eu respondo. Mas eu não sou contratado para fazer isso para o Serra. Nunca tive um vínculo de trabalho com ele. Durante a campanha, também fui contatado por lideranças do PT. Por questões de agenda não recebi. Atendê-los teria bastado para me qualificar de petista? Mas acabei sendo qualificado como “serrista”. E, de repente, todo esse trabalho que faço há 25 anos foi posto em dúvida. A esquerda gosta de fazer isso: toda palavra de sabedoria alheia se torna de extrema direita. Ipso facto.
Brasileiros – Como é que você se classifica, então, no espectro político?
O.Q. – Vim para o Brasil fugindo de uma ditadura militar. Antes disso, meu pai foi um militar peronista. Ele e os irmãos eram meio anarquistas. Em 1955, houve o golpe do general Aramburu e meu pai foi compulsoriamente aposentado. Foram todos presos – ele e os irmãos. Desde que nasci, assisti àquela cena de polícia secreta na esquina de minha casa, vigiando meu pai. Sabia que o telefone estava grampeado. Naquela época, você ouvia a respiração de quem estava te grampeando. Conheço bem quando se coloca uma massa de inteligência, alimentada pelo Estado, aqui no Brasil, com aparato militar, com aparato de telecomunicação, com satélite, para você ser monitorado em casa pelo Twitter que você dispara. Meu Deus do céu, ninguém merece isso! E já pegou a moda aqui. É como aquele leão faminto que come um ser humano e que sempre vai querer comer mais. Agora vem a Copa, vêm as Olimpíadas, e o Estado vai para aparelhar mais de inteligência sofisticada para você nunca mais ser livre…
Brasileiros – Mas houve aquela entrevista da Veja, em que você apostou no Serra presidente…
O.Q. – Acertar ou não acertar não está mais em questão. No humano, tudo é imprevisível. Tanto o impulso biológico quanto as correntes morais da civilização, quanto as potências cosmogônicas que se expressam através de nós, todas essas forças se informam até a metade do caminho. Da metade do caminho até a obra consumada, existe essa terra de ninguém chamada livre arbítrio. Um astrólogo lida sempre com isso.
Brasileiros – Ou seja, uma pessoa que procura o astrólogo para saber o que vai acontecer com ela, vai se frustrar.
O.Q. – O que o astrólogo faz é dizer que potência cosmogônica está se expressando através de você em um determinado momento. E como vão procedendo aos ciclos. Isso é absolutamente real. Para conhecer o que se passou com a humanidade, em vez de ler livros de História, você deveria ler livros de Mitologia. Só a Mitologia capta o que estava acontecendo no coração do ser humano nos vários momentos da História, quais são as potências que se digladiaram naqueles momentos.
Brasileiros – A Astronomia, ciência, desqualifica a Astrologia com o argumento de que tudo o que a gente vislumbra nos céus são paisagens do passado, de estrelas, astros, corpos celestes como eles se apresentavam milhões e até bilhões de anos atrás – e que, portanto, não podem exercer nenhuma influência, hoje, sobre a vida das pessoas.
O.Q. – É uma visão materialista, datada de 1850, que pegou. Muita gente está convencida de que é o ponto de vista definitivo. Já está provado que a realidade está no espaço vazio entre as linhas e os ângulos e isso está em contínua mutação. Você pode perceber o universo achando que o depois é um produto do antes. A simultaneidade de tudo também existe – e esta é uma outra percepção possível da realidade. A gente experimenta isso muitas vezes. Por exemplo, quando você se lembra de uma pessoa e coincidentemente você a encontra logo em seguida. Isso é um fato da vida.
Brasileiros – Astrologia é o quê? Tem parentesco com o esoterismo? Com a magia?
O.Q. – É um realismo mágico. A magia não como prestidigitação, mas como uma realidade superior. É a realidade que compreende você, não é você quem compreende a realidade. Isso requer que você se coloque, em primeiro lugar, em uma atitude humilde – coisa que a visão materialista não tem. É um erro. É como está acontecendo agora: abrir as portas da tirania, achando que pode dominar seus demônios. É um dos nossos grandes erros atávicos – termos nos refestelado com o sangue, com a tirania, quando a gente sempre teve outra possibilidade disponível.
Brasileiros – Você foi de fato hostilizado por ter anunciado que o Serra seria o presidente?
O.Q. – Meu site, Sincronia, foi hackeado, ficou oito dias fora do ar. Mas está claro que não foi hacker. Tem muito poder envolvido. Mistério, não é? Conseguiram tirar meu data center inteiro do ar. Olha aí o trabalho da militância, entendeu? Isso eu não vi nem em 1978, em Buenos Aires. Afinal, eu não sou ninguém. Quem sou eu? Eu sou apenas o astrólogo do Estadão (ri).
Brasileiros – Não é estranho que um astrólogo tenha entrado na campanha com tanta clareza e convicção?
O.Q. – Lutar contra a tirania é uma batalha espiritual. Parece política, mas está no coração.
Brasileiros – Em um desses textos, você diz: “Ser parte de uma democracia e não participar ativamente da política significa você ser manipulado por aqueles que se interessam diariamente por isso”.
O.Q. – Se você não pensa na política, a política pensa por você. Sou político desde sempre, com meu histórico não poderia ser diferente. Meu tataravô foi o primeiro presidente da República argentina, Domingo Faustino Sarmiento. Sarmiento não usava o nome Quiroga, porque odiava um Quiroga que era governador de San Juan e inimigo político dele. Associou toda a barbárie da época – que não é diferente da atual – a esse Quiroga. Por isso é que só a astrologia pode explicar. São os mesmos fenômenos que só mudam de personagem, de endereço e de época. Julio Cesar, Nabucodonosor, o espírito deles continua por aí. Sarmiento era um livre pensador. Eu sou um livre pensador e venho de uma estirpe de livres pensadores. Milito na política não partidariamente, mas como cidadão. Tenho um senso de dever muito desenvolvido e sou responsável por todos os meus atos.
Brasileiros – Um astrólogo faz profecia? Ou prognóstico?
O.Q. – Profecia só pode vir do Altíssimo, de mais ninguém, porque essa dimensão do tempo só o Altíssimo é capaz de ter. Nós podemos espionar, por meio de nossas perquirições e indagações. Você faz jornalisticamente, eu faço astrologicamente. A gente está sempre investigando e perguntando. Que mal há em não saber tudo?
Brasileiros – Em um desses seus, digamos, pequenos editoriais no Estadão, pouco antes do primeiro turno, você tocou no assunto da vitória e da derrota, tentando relativizar uma coisa e outra.
O.Q. – Na vitória e na derrota, você tem a operação da roda da fortuna. Quem vence, mas tripudia do derrotado, já começa a perder, porque continua ligado ao que lhe ameaça. Quem perde, mas consegue perder com dignidade, começa a vencer. Isso é inexorável. A gente já avançou bastante para distinguir o personagem do que acontece com ele.
Brasileiros – Você se queixa de ter sido vítima do autoritarismo pelo lado do PT. Não houve autoritarismo também na campanha do outro lado?
O.Q. – Que lado?
Brasileiros – O lado do Serra, do PSDB. Esse terrorismo religioso, essa tentativa de trazer o tema do aborto com fins eleitorais…
O.Q. – Não sei dizer. O uso político? Acho que não. Afinal, é um tema de interesse dos católicos, por que não? Não vi nenhum católico se sentindo ofendido. Tem guerras justas e guerras injustas. Se você está na sua casa e aparece no seu quintal alguém te insultando, dizendo que você tem de fazer aquilo que ele quer que você faça, que tipo de guerra é essa? É uma guerra injusta, você começa a se defender e coloca os seus exércitos em marcha para, aí sim, fazer uma guerra justa. A batalha é espiritual, uma grande oportunidade para não transigir com os seus princípios, senão você deixa de ser você. Põe os exércitos em marcha e passa em degola quem está te ameaçando.
Brasileiros – O poder, não importa quem o exerça, não traz sempre a tentação da tirania? Por que você insiste em especificar o PT?
O.Q. – A batalha é no coração, no coração (com ênfase). Temos de erradicar a tirania do coração. São só esses os vitoriosos. O resto somos todos perdedores. Porque estaremos sempre sujeitos a essa tentação, e só depende do preço. Você pode fazer uma guerra justa ou uma guerra injusta. Importa que você tenha fibra de vencedor. Você vai ser derrotado algumas vezes. Claro que você vai cair na tentação. Uma coisa é cair eventualmente na tentação, outra é institucionalizar a tentação. O que é inadmissível. O Brasil era um paraíso. Isso nunca tinha sido tentado nem pelos militares.
Brasileiros – Pergunta de antes da eleição: quem perde e quem ganha?
O.Q. – Perdem todos os brasileiros, porque aspectos tirânicos já estão à solta. Os relacionamentos sociais nunca serão os mesmos. Plantaram a semente do ódio entre as classes sociais e os diferentes ofícios e tarefas. Todos os ofícios são importantes: do cara que é faxineiro ao pensador que escreve. Se alguém mexer nisso, a guerra justa tem de ser posta em movimento. Todos perdem, o Brasil já perdeu nesta eleição. Há uma tirania solta que vai fustigar o Serra se ele for eleito e que vai criar uma tragédia se a Dilma for eleita. Vão devassar a sua família, vão criar perversões terríveis. Eles só têm uma visão materialista, não veem o todo interligado e simultâneo – isto é que é a vida. O mesmo tempo, a mesma vida. O vencedor convive com a derrota, o derrotado pode conviver com a vitória. É a roda da fortuna.
Brasileiros – Então, se o Brasil mudou, na sua opinião mudou para pior.
O.Q. – Para pior. Nós éramos o refúgio, agora não somos mais.
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