A última aventura de Richard Burton

Uma das figuras mais fascinantes do século XIX, o capitão sir Richard Francis Burton nasceu em 1821 e ficou famoso por ter sido um dos primeiros europeus a penetrar no coração da África em busca da nascente do Nilo, a peregrinar até Meca e Medina disfarçado de afegão e a sair com vida de Harar, a cidade proibida dos muçulmanos na Somália. Poucos tiveram uma vida tão intensa e variada quanto a dele.

Erudito e cientista, tradutor e escritor, explorador e aventureiro, soldado e agente secreto que se envolveu num complô para derrubar o xá da Pérsia na década de 1840 e ajudou a estabelecer o controle britânico sobre as províncias hindus de Sind, Baluchistão e Punjab, que hoje formam o Paquistão, Burton foi um homem admirável.
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A Inglaterra encontrava-se no auge do avanço imperialista quando ele, já uma celebridade mundial, chegou ao Brasil com sua esposa Isabel, cuja beleza, diziam, despertava a paixão até mesmo em um frade de pedra. Corria o ano de 1865, e sua missão era diplomática: servir como cônsul britânico em Santos. Para Isabel, a cidade “era apenas um pântano de mangue parecido com os portos sujos e desleixados da costa ocidental africana”. Havia insetos de todo tipo e “cobras por toda parte”. Não era um bom lugar para se morar.

Isabel então foi para São Paulo, onde encontrou disponível um velho convento no número 72 da Rua do Carmo. O casal fixou residência na cidade, sob o pretexto de que São Paulo também precisava de um cônsul.

Burton dispunha de um amplo aposento para trabalhar e Isabel, católica fervorosa, de uma capela onde tentava converter os escravos que, como ela veio a saber, foram criados com a idéia de que negro não tinha alma. Isabel conseguiu converter apenas um, de nome Chico, que depois traiu sua confiança ao assar vivo o gato favorito dela. Embora fossem contrários à escravidão, os Burton se viram obrigados a comprar escravos, que, no entanto, eram pagos como homens livres.

Santos, quando o casal era obrigado a visitá-la, até que tinha suas belezas: orquídeas, papagaios e borboletas, além da Marquesa de Santos, a amante do imperador, de quem Isabel tornou-se amiga. “Ela morava numa pequena casa muito próxima da minha”, conta Isabel. “Eu costumava visitá-la com freqüência. Era uma verdadeira grande dame, muito simpática, muito interessante, cheia de histórias sobre o Rio, a corte, a família imperial e os acontecimentos daquela época. Ela fora obrigada a adotar os hábitos do interior; da última vez que a visitei, recebeu-me em sua própria cozinha, onde se sentou no chão, fumando não um cigarro, mas um cachimbo. Tinha belos olhos pretos, cheios de simpatia, inteligência e sabedoria. Ela era algo de grande interesse para mim naquele lugar fora do comum.”

Os Burton também conheceram o imperador dom Pedro II e a imperatriz Teresa Cristina, em uma recepção no Rio de Janeiro, logo que chegaram ao País. Dom Pedro ficou tão encantado em conhecer pessoalmente o ilustre aventureiro que praticamente ignorou seus demais convidados.

O trabalho consular de Burton resumia-se em escrever longos e entediantes relatórios sobre agricultura, comércio e geografia.

Seu tempo livre era dedicado à adaptação de Vikram e o Vampiro, um conto folclórico indiano, à tradução inglesa d’Os Lusíadas, do seu herói Luís Vaz de Camões, e ao estudo das línguas indígenas brasileiras – ele chegou inclusive a rascunhar uma gramática do tupi-guarani. Isabel, por sua vez, dedicou-se a traduzir para o inglês o romance Iracema, de José de Alencar.

Burton sempre tinha tempo para peregrinar pela região. O Brasil era um País rico e a idéia de enriquecer rapidamente o absorvia. Era o único meio de remediar sua pobreza crescente, já que seu cargo pouco lhe rendia. Comprou ações de uma mina de chumbo, para irritação dos seus superiores, e descobriu rubis em um leito de rio na roça de uma camponesa. Mas, para comprar a terra da pobre mulher, ele precisaria dissimular suas intenções, enganando-a, ou então contar-lhe a verdade – e neste caso o preço pedido seria exorbitante.

Burton desistiu do negócio, imaginando existir outras maneiras de encontrar riquezas, fossem ouro ou diamantes. Ele sempre foi obcecado pelo metal pesado, mas tanto na África quanto no Brasil o ouro teimava em lhe escapar.

O cônsul andava pra lá e pra cá, muitas vezes por locais perigosos, sumindo como se não fosse casado, sem dar satisfações a ninguém. Certa vez, saiu atrás de um suposto monstro marinho que diziam ter 50 metros de comprimento. A busca, estimada em quatro dias, se prolongou por um mês; numa ocasião, Burton ficou vagueando em um mar infestado de tubarões depois que sua canoa emborcou. Ele também se dedicou à exploração arqueológica, escavando ruínas de aldeias indígenas e de fortes portugueses cobertos de mato.

Até que um dia Burton ouviu falar de uma mina de ouro em Minas Gerais e em 1857 partiu em sua busca. Isabel foi junto. A viagem teve seu lado romântico, subindo o São Francisco em uma balsa, mas a mina foi um desapontamento – era por demais perigosa: diariamente ocorriam acidentes resultando em feridos e até mortos. Burton então decidiu prosseguir e descer o rio até o mar, uma viagem de 2 mil quilômetros que – lhe garantiam – seria impossível de ser empreendida. Isabel, porém, havia torcido o tornozelo, que não sarava, e não houve outra escolha a não ser mandá-la de volta por terra, com os escravos, numa penosa viagem de 15 dias.

Burton começou a descer o Velho Chico com dois companheiros brasileiros. Esta foi sua última grande aventura sem a esposa. “Confesso ter sentido um incomum sentimento de solidão quando os rostos gentis se apagaram na distância”, escreveu, e pensou no Nilo, “no homem branco conduzido pelos remos de escuras amazonas adornadas de ouro bárbaro”.

Burton conseguiu atingir a foz do rio e retornar vivo um ano mais tarde, com as roupas em frangalhos, queimado de sol, parecendo um bandido do sertão. Escreveu dois volumes sobre a viagem, Os Planaltos do Brasil, registrando tudo que encontrou pelo caminho, além de defender a poligamia para povoar o País.

Sua saúde se deteriorava, pagando seu preço à idade e aos trópicos. Também vinha bebendo muito e pegou hepatite e infecção pulmonar. O médico receitou um tratamento drástico: sanguessugas. “A agonia foi terrível”, contou Isabel. Seu marido tinha a aparência de um moribundo. Como a medicina moderna havia fracassado, Isabel apelou para as preces e a água benta, e depois de algum tempo Burton se recuperou. Estava muito magro e pálido, com a voz rouca, e parecia ter mais de 60 anos de idade, em vez de seus 47.

Burton não agüentava mais viver aqui. Para Isabel, “o lugar o deixara doente”. Ele pediu licença do cargo. O médico lhe recomendou que fosse descansar em Buenos Aires e Isabel voltou para a Inglaterra, para publicar seus manuscritos.

Mas antes de Buenos Aires Burton parou no Paraguai, onde se travava uma das guerras mais cruéis daquele século. Começou por causa de uma disputa fronteiriça entre Brasil e Paraguai. Depois de ter seus territórios invadidos pelo Paraguai, Argentina e Uruguai aliaram-se ao Brasil. Logo, a guerra se transformou num genocídio. O Paraguai, que combatia com rifles de um único tiro, foi massacrado pela máquina militar altamente industrializada dos aliados, que dispunham de rifles modernos.

O Paraguai precisou chamar às armas todos os homens disponíveis. Foram formados regimentos de garotos entre 12 e 15 anos e até mesmo batalhões de mulheres. Quando a guerra terminou, em 1870, o país tinha perdido 80% da sua população de 1,3 milhão de habitantes e restavam apenas 28.700 homens vivos.

Como cônsul no Brasil, Burton permaneceu como observador ao lado das forças aliadas. Ele não simpatizava com os paraguaios, “uma nacionalidade obscura e paleolítica”, e atribuía o atraso deste povo aos jesuítas, que tinham sido expulsos do país há mais de um século. A ordem havia criado um “despotismo religioso debilitante e embrutecedor”, escreveu ele. Ainda assim, nutria alguma admiração pela coragem paraguaia. Observou que o país tinha “a tenacidade do buldogue e o heroísmo de uma Esparta pele-vermelha” e que era de “uma bravura selvagem e uma resistência desesperada que são raras nos anais da humanidade”.

Depois de um mês no campo de batalha ao lado do duque de Caxias e outros generais aliados – Burton não presenciou nenhum combate na linha de frente -, ele passou por Montevidéu e depois seguiu para Buenos Aires. A cidade não tinha esgotos e suas ruas eram “compridas, estreitas e mal-arejadas”. Burton estava deprimido, bebia muito e se mostrava francamente hostil com todos que dele se aproximavam.

Estava ainda mais esquálido e desleixado do que quando saiu das matas brasileiras. Um seu colega diplomata costumava conversar com ele à noite, mais ouvindo do que falando, enquanto sua embriaguez aumentava até ficar perigosa; então, de revólver em punho, ele voltava cambaleando para casa.

Burton tinha alguns amigos em Buenos Aires, que também gostavam de beber. Uma vez ele saiu com dois deles em uma longa exploração dos pampas argentinos e dos Andes, desaparecendo por seis meses sem dar notícias, um período sem qualquer registro, apenas boatos. Diziam que teria se envolvido em brigas de faca nos Andes, e que no Natal escapou da morte pelas mãos de salteadores, depois de uma luta quase fatal. Em outra briga, ficou seriamente ferido ao matar quatro homens. Mas estas são histórias que Burton gostava de contar quando bebia, ou mesmo em ocasiões mais sóbrias, como jantares, para chocar os convivas.

Finalmente, chegou em Lima, onde não havia nada para fazer além de beber e vagar pelas ruas. Até que certo dia, quando bebia em uma espelunca para amortecer sua sensibilidade, apareceu um conhecido que lhe contou que ele tinha sido nomeado cônsul em Damasco. A incansável Isabel, com seus pistolões, havia conseguido o cargo para ele.

Reanimado, Burton tomou o caminho para a Inglaterra. Desceu de navio pela costa chilena, atravessou o Cabo Horn para Buenos Aires, mas, em vez de prosseguir para Londres, foi novamente para os campos de batalha do Paraguai, onde passou duas semanas entrevistando participantes da guerra e reunindo notas para um livro. Em junho de 1869 estava de volta à Inglaterra. Em Londres foi recebido com festas, deu palestras para platéias cultas, visitou amigos e foi se tratar por um mês nas termas de Vichy, “um lugar cheio de gente se queixando do fígado”, nas palavras de Isabel, ou “um buraco medonho”, conforme Burton.

Da França, o casal partiu para o Levante, rumo a Damasco. Burton levava pouca coisa além de dois terriers, a Bíblia, Shakespeare e Euclides, encadernados em um só volume, e um exemplar de Camões. A vida em Damasco prometia ser “puro láudano”, um sonho de ópio, e por algum tempo de fato foi, até Burton ser transferido para Trieste, cidade portuária da Itália, por ter colocado em risco as relações entre árabes e ingleses, devido aos seus comentários que hoje seriam considerados “politicamente incorretos”.

Burton estava com 51 anos. Era talvez o melhor arabista da época e um lingüista insuperável por qualquer contemporâneo – ele falava 29 idiomas e dialetos. O homem era um gênio. Apesar disso, era sempre enviado para lugares remotos como a Ilha de Fernando Pó, Santos, Damasco e Trieste, onde morreu em 1890. Foi, porém, em Trieste, onde chegaram em 1872, que os Burton viveram seus anos mais felizes. Entre uma e outra viagem pela Europa, Índia e Oriente Médio, Richard produzia sem parar, chegando a trabalhar simultaneamente em 11 obras, cada uma ocupando uma escrivaninha. Era uma lista inesgotável e impressionante, que revelava um dos espíritos mais fecundos e criativos do século XIX.

Em suas escrivaninhas estavam traduções indianas, árabes e latinas, e esboços, rascunhos e manuscritos sobre uma ampla variedade de assuntos – os ciganos, o Uruguai, a Ístria, o Congo, o comércio de eunucos no Egito, técnicas de manejo da espada e quatro volumes de seus estudos sobre seu ídolo Camões.

Entre as traduções, destacam-se a das Mil e Uma Noites e de um clássico do erotismo indiano, o Kama Sutra, que, entretanto, permaneceu na obscuridade por uma dúzia de anos – o impressor, alarmado com o escandaloso conteúdo da obra, se recusou a imprimi-la e o livro só foi lançado em 1883.

Sua tradução das Mil e Uma Noites é única; embora existam outras, seu texto é inigualável, sensual, a poesia é magnífica. As notas e comentários que acompanham o livro bastariam para fazer a fama de muitos escritores, e os ensaios finais, que abordam a obra e as condições sociais e religiosas em que ela surgiu, são obras-primas do gênero.

Richard Burton morreu de gota. Sua morte teve grande destaque no noticiário londrino. Seu corpo foi embalsamado e enviado para Londres, onde foi enterrado.


Comments

2 respostas para “A última aventura de Richard Burton”

  1. Avatar de jacinto miranda
    jacinto miranda

    Pensei se tratar de assunto sério. Nunca li tanta bobagem, sem nenhum nexo. Quem escreveu este tópico estava tão bêbado quanto o próprio Burton, descrito aqui como um beberrão. Como se usa um espaço deste e não o dignifica. Um enviado para o Brasil na época do ciclo do ouro, que faz uma análise minuciosa desses recursos para o consulado britânico, potencia na época. Inacreditável.

  2. Avatar de Nélio Antonio Lisboa
    Nélio Antonio Lisboa

    Excelente matéria sobre o Capitão Richard Burton. Há uma referência sobre ele no Livro da Helena Morley – MINHA VIDA DE MENINA-onde ela fala da presença dele aqui em Diamantina-Minas Gerais (Fls 168/169) 17ª edição, em 1867, participando de uma festa de casamento na Chácara da Baronesa Dona Nazaré Amarantes, tendo elogiado as iguarias servidas, o fausto, o luxo e a nobreza do velho Tijuco”.
    Nélio Lisboa

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