A vanguarda do porão

Quem hoje passa em frente ao número 1.091 da Rua Teodoro Sampaio, na Zona Oeste de São Paulo, não imagina que do porão do endereço surgiram talentos culturais. Foi lá que funcionou o saudoso e lendário Teatro Lira Paulistana – nome tirado da obra homônima do escritor Mário de Andrade – ou simplesmente Lira.

Pela casa passaram nomes importantes da música e do teatro diante de centenas de pessoas que se acotovelavam na arquibancada de cimento e na escada do lugar. Essa é a história do documentário Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista, exibido no início deste mês durante a abertura do Festival In-Edit, dedicado a documentários musicais.

Aberto em 25 de outubro de 1979, o Lira reuniu muitos nomes de peso, como Ná Ozzetti, Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Tetê Espíndola, Cida Moreira, Eliete Negreiros, Zé Eduardo Nazário, e grupos musicais alternativos, como Língua de Trapo, Rumo e Grupo Um, entre outros.

O grupo Premeditando o Breque, que se destacou pelas letras irreverentes, além da qualidade musical, e foi outra estrela no porão do Lira, também tem sua história registrada no documentário Premê, Quase Lindo, em fase de produção, com direção de Alexandre Sorriso e Danilo Moraes.

Fruto de extensa pesquisa, o documentário sobre o Lira foi dirigido por Riba de Castro, um dos fundadores do espaço, e conta com curiosos depoimentos de quem frequentava a casa. De Ná Ozzetti a Lanny Gordin, de Luiz Tatit a Clemente, da banda punk Inocentes, o filme procura dar conta de todos os ritmos que lá conviviam em harmonia – e conta como, do porão, o som desses artistas foi parar no gosto popular, em shows ao vivo na Praça Benedito Calixto (em frente ao extinto teatro, na Zona Oeste de São Paulo) e na Avenida Paulista.

Outros entrevistados, como o ator Elias Andreato, o cartunista Paulo Caruso, o jornalista Marcelo Tas e o cineasta Fernando Meirelles mostram como o Lira Paulistana foi além da música: a casa tornou-se uma gravadora e ponto de venda de discos, chegou a editar livros e um jornal próprio. Também catalisou a criação da pioneira produtora audiovisual Olhar Eletrônico e foi um dos polos do movimento das Diretas Já.

Comparado com a Semana de Arte Moderna de 1922 e a Tropicália dos anos 1960, o burburinho criado pelo Lira se caracterizou pela independência dos artistas envolvidos.

O documentário segue pelo mesmo caminho: foi todo realizado por meio de doações, sem patrocínio ou apoio estatal. O Lira encerrou suas atividades em 1986 e deixa saudade.


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