Abortando a criminalização

A sede da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) foi palco na última sexta-feira do seminário “Direito e Aborto”. Organizado pela AASP e pelo Grupo de Estudos Sobre o Aborto (GEA), que existe desde 2007 e conta com mais de 30 profissionais das mais diferentes áreas, o encontro contou com a presença de médicos, juristas, antropólogos, representantes de movimentos de mulheres, psicólogas e biólogos.
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Com objetivo de transformar o aborto em assunto de saúde pública, o evento contou com quatro painéis, dois de manhã e dois à tarde. Na primeira mesa de discussão, o tema abordado foi a anencefalia, uma das mais graves malformações do feto, caracterizada pela ausência de sistema nervoso responsável pela consciência, cognição, vida relacional, comunicação, afetividade e emotividade. A expectativa de vida de um recém-nascido portador dessa doença é de algumas horas e a morte é inevitável. Além de todos os problemas que a doença traz para o feto, a gravidez é de alto risco para a gestante. Em casos como esse, normalmente a concessão de alvará para que o aborto seja realizado já é quase comum.

Outro assunto muito discutido foi a liberação do aborto em casos de violência sexual, um ato selvagem e deplorável, que, além de prejudicar as vítimas fisicamente, também deixa feridas psicológicas para o resto da vida. Com um embasamento jurídico, Pedro Abramovay, secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, afirmou que além de a mulher ter o direito de selecionar seu parceiro, ainda lhe é garantida por lei a autonomia reprodutiva. A pedofilia também foi um assunto muito debatido, bem como a gravidez na infância. Para os palestrantes, a gravidez precoce pode ser algo extremamente perigoso. A criança ainda não está desenvolvida para a concepção de um bebê, além, é claro, de não ter a mínima condição de fornecer uma criação adequada. Nesses casos, o aborto teria de ser automaticamente permitido.

Há, no Brasil, muitos obstáculos para a análise do aborto nos aspectos legais. A pergunta principal é: uma lei pode criminalizar o aborto ou não? Abramovay provou que as leis precisam realmente ser revistas. Ele reiterou que para uma lei criminal ser aprovada, é preciso que o bem que ela viola seja muito claro. O aborto, segundo a Constituição, viola a vida humana. Mas, pela Constituição, feto é vida humana?

Para Abramovay, há uma contradição evidente. “Se o aborto estivesse protegendo a vida humana, o crime não teria pena de um a três anos. A pena seria de seis a 20, como é o caso de homicídio. Uma lei que prevê pena de um a três anos não pode estar protegendo uma vida humana”, afirmou. Ele também lembra que em caso de risco de morte da gestante, o procedimento a ser tomado é o de priorizar a mãe. “Como é possível escolher entre um ser humano e outro? O fato é que o Direito não trata o feto como vida humana e, portanto, a Constituição não permite que o aborto seja considerado crime”, finalizou.

A posição antiquada e confusa que a Igreja Católica toma diante do aborto também foi discutida. Em pleno século XXI, a instituição tem posições retrógradas e ambíguas. Quando é sugerida a adesão de métodos anticoncepcionais para prevenir a gravidez, como o uso de preservativos, a Igreja desaprova. Quando há a gravidez e a saída pode ser o aborto, ela recrimina.

Para terminar o dia de debates, Lena Peres, representando o Ministério da Saúde, apresentou dados com resultados positivos das novas campanhas de prevenção e conscientização que vêm sendo aplicadas com sucesso em diferentes partes do Brasil. O médico Thomaz Gollop, coordenador do GEA, foi o responsável pelas considerações finais, e fez um apelo para que haja uma maior integração por parte da sociedade para que assim o objetivo de todos ali presentes fosse alcançado e o direito à vida fosse preservado.


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