Aborto e excomunhão: católicos envergonhados

Os três assuntos mais comentados da última semana no Balaio, na Folha e na Veja:

Balaio

A menina e o bispo/Aborto e excomunhão: 1.783

Intolerância: 147

Médico da Juréia: 23

Folha

Estupro da menina em Pernambuco: 65

Collor em comissão do Senado: 52

Ditadura: 50

Veja

Pelé: 118

Cotas raciais: 82

André Petry: 54

Ufa! Nunca tinha visto nada parecido nestes seis meses de Balaio, que vamos completar na próxima quarta-feira, e nos meus quase 45 anos de carreira como jornalista.

Acabei agora de fazer a moderação dos comentários que chegaram até as 10h30 deste domingo, um trabalho que me fez ficar os últimos três dias na frente do computador.

Como sei que é bastante delicado e polêmico o caso da menina estuprada e do bispo excomungador do Recife, tive que ler com cuidado os quase 1.800 comentários publicados, fora os mais de 500 que fui obrigado a excluir por apenas conterem xingamentos sem argumentos.

Desde quinta-feira, quando publiquei o primeiro texto no Balaio (“Posso excomungar este bispo da minha Igreja”), a indignação dos leitores veio num crescendo, cada vez que dom José Cardoso Sobrinho, arcebispo de Recife e Olinda, abria a boca para fazer novas declarações sobre o caso.

Ao excomungar a mãe da menina de nove anos violentada e grávida de gêmeos, e os médicos que a submeteram a aborto para salvar sua vida, ao mesmo tempo em que poupava o padrasto estuprador, alegando que o aborto é um crime mais grave do que o estupro, dom Sobrinho provocou a revolta de católicos e não-católicos, ateus e integrantes de todas as torcidas do país.

Na sexta-feira, quando o bispo recebeu a aprovação do Vaticano e da CNBB para suas palavras e atos, os leitores passaram a fazer pesados ataques à Igreja Católica, sua história, seus dogmas e sua hierarquia, com uma violência nunca vista antes nos tempos em que não havia internet.

A imensa maioria do universo de leitores que se manifestaram, condenou a posição do bispo e da Igreja Católica no caso, lembrando os crimes por ela praticados ao longo da história, desde a Idade Média, e cobrando a punição dos seus membros pedófilos recorrentemente denunciados em tempos mais recentes.

Os católicos se declararam envergonhados, muitos falaram em deixar a Igreja, alguns pediram para ser excomungados e houve até quem propusesse um movimento para se deixar de ir à missa e pagar o dízimo à Igreja.

O que mais me chamou a atenção é que a maioria dos leitores, ao contrário do que acontece em outros blogs, não usou o anonimato nem codinomes para expressar sua opinião, dando seus nomes completos, alguns até com fotografia, endereço e assinando em baixo.

Foi uma discussão em alto nível, com algumas exceções, claro, oferecendo material que daria um livro de bom tamanho sobre a religiosidade do brasileiro, suas angústias, suas crenças e sentimentos neste final da primeira década do terceiro milênio. Para quem tiver tempo, recomendo uma passada na área de comentários.

É de se destacar também a grande quantidade de mulheres que pela primeira vez entrou no Balaio para se manifestar. Muitas pediram para o bispo se colocar no lugar da menina estuprada.

Pode ter igual, mas duvido que exista uma área de comentários em outro lugar, com moderação prévia, mais democrática do que a do Balaio, que abriu espaço para todas as correntes de opinião. Tenho orgulho dos leitroes deste Balaio.

Entre aqueles da parte minoritária de leitores que condenou os médicos que fizeram o aborto, apoiou vigorosamente a excomunhão dos envolvidos no caso e defendeu os dogmas católicos, apoiando o bispo, a CNBB e o Vaticano, o principal argumento é que esta Igreja não mudou suas leis ao longo de 2.000 anos e por isso sobrevive até hoje.

Talvez esteja exatamente aí o maior dilema colocado pelo caso do Recife tanto para a hierarquia como para os fiéis católicos: como conviver com a vida real num mundo que sofreu tantas e tão profundas transformações nestes últimos 2.000 anos?

Como ainda condenar e ameaçar de excomunhão os católicos que usam preservativos em tempos de Aids, proibir relações sexuais antes do casamento, mandar para o inferno os que se divorciam ou partem para um segundo casamento, temas defendidos pelo papa Bento 16 em sua recente visista ao Brasil?

Sem entrar no mérito do amplo debate travado no Balaio pelos antagonistas nesta questão, até porque já deixei claro o que penso no post de sexta-feira (“A menina e o bispo, a Igreja no limbo”), o caso do Recife levantou questões há muito latentes na sociedade sobre a religiosidade do brasileiro, que mereceriam um estudo mais aprofundadado dos que se dedicam a este tema nas universidades brasileiras.

Mais do que isso: apesar da caudalosa cobertura jornalística, depois que a tragédia de Alagoinha, no sertão pernambucano, ganhou os telejornais nacionais, não vi ninguém ir lá para tentar descobrir suas causas, saber como se chegou a esta barbaridade dos estupros que a menina sofreu do padastro ao longo de três anos, antes de engravidar.

O debate entre os leitores não se limitou às questões religiosas, ao estupro, ao aborto e à excomunhão, em si já bastante explosivas, mas levantou temas de toda ordem, como se pode notar pelos mais repetidos nas mais de 2.000 mensagens enviadas ao Balaio.

A lista é grande: controle de natalidade, famílias desestruturadas, Holocausto, sectarismo, dogmas falidos, doutrina, pedofilia, pederastia, celibato, intolerância, radicalismo, Inquisição, fogueiras, fundamentalismo, fanatismo, Idade Média, violência sexual contra crianças e mulheres.

O leitor Ronival, das 18:18 do sábado, foi quem melhor resumiu em poucas palavras o sentimento dos católicos envergonhados:

“A igreja Católica não está apenas cada vez mais distante do povo. Está cada vez mais distante de Deus”.

Por isso, certamente, muitos leitores anunciaram em suas mensagens que preferem falar diretamente com Deus, sem intermediários e sem frequentar templos de qualquer denominação religiosa.

Pela amostra que tivemos, com maior ou menor grau de indignação nas manifestações em prosa e verso, uma até em forma de cordel, do leitor Miguel Lucena Filho, encerro este balanço com os versos finais da mensagem que ele enviou ao Balaio:

Dom José excomungou

A equipe de plantão,

A família da menina

E o ministro Temporão.

Mas para o estuprador,

Que por certo perdoou,

O arcepispo recervou

A vaga de sacristão

Em tempo: aos leitores que se queixam da demora na liberação de comentários informo que isso se deve à grande quantidade enviada e também pelo fato de eu precisar comer, ver a família e dormir de vez em quando. Preciso arrumar alguém para me ajudar a fazer este trabalho para ter tempo de levantar novas histórias e escrever novas matérias.


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