O alcoolismo é um dos problemas médico-sociais mais importantes da atualidade, que afeta, dependendo do critério diagnóstico adotado, de 3% a 10% da população adulta do planeta. Apesar de inúmeras campanhas, cada vez mais adolescentes e mesmo crianças apresentam problemas com o uso de álcool, e a incidência do alcoolismo em mulheres, limitado no passado por razões culturais, rapidamente se aproxima dos índices masculinos. As consequências do alcoolismo comprometem não apenas o indivíduo, mas também o meio sócio-familiar do qual ele faz parte.
Por tratar-se de um hábito socialmente aceito na maioria dos países, a ingestão de bebidas alcoólicas não é, a princípio, reprovável, o que torna mais difícil identificar a linha fina entre o beber social e a compulsão pela bebida. Há inúmeras classificações para definir o alcoolismo. De modo geral há concordância de que o diagnóstico de alcoolismo pressupõe ingestão excessiva de álcool com consequências físicas, psíquicas e/ou sociais. Mas o critério do que é beber excessivamente está sujeito a maiores divergências e se baliza não apenas na quantidade, mas nas consequências negativas para o usuário e no modo como ele se comporta em relação à bebida.
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Para a psiquiatria, as relações das pessoas com o álcool são divididas em três categorias: 1 – Uso Esporádico (social, recreacional); 2 – Abuso (uso problemático, nocivo) e 3 – Dependência.
No primeiro caso, o do Uso Esporádico, a ingestão alcoólica raramente acarreta problemas e, quando isso acontece, são circunscritos e de fácil superação. Já no Abuso ocorrem prejuízos sistemáticos de ordem psíquica, orgânica, de relacionamento familiar e/ou sócio-profissional. Já os casos de Dependência são muito mais graves e neles se incluem os verdadeiros quadros de alcoolismo. Pode-se dizer que quando se chega ao extremo da Dependência, é o álcool que faz uso do indivíduo e não o contrário. Ou seja, a autonomia do sujeito em relação ao hábito alcoólico é muito precária. O indivíduo não bebe por prazer ou vontade, mas porque não consegue permanecer abstinente.
Em minha tese de doutoramento na Universidade de São Paulo, constatou-se que homens dependentes do álcool apresentavam, quando comparados à população geral, maior incidência de certas características de personalidade, tais como: baixa produtividade psíquica (comprometimento na capacidade de estabelecer associações); menor capacidade de planejamento e avaliação prática de fatos; menor atenção às dificuldades cotidianas; prejuízo do julgamento de realidade, com excessivo subjetivismo; maior tensão emocional no processo de adaptação à realidade; carência de autonomia e autoafirmação; acentuada tendência a apresentar fantasias infantis; prevalência de tendências egocêntricas e impulsivas na elaboração e expressão dos afetos (essas características gerais, no entanto, não implicam evidência de que existe uma “personalidade típica” do alcoolista, pois não são exclusivas de alcoolistas e nem todos os alcoolistas as apresentam).
O tratamento do alcoolista é complicado pela própria atitude do paciente. Alguns negam, contra todas as evidências, a ingestão excessiva de álcool. Outros minimizam a quantidade de bebida utilizada, ou reconhecem que bebem, mas asseguram que o hábito não lhes acarreta nenhum malefício físico, psíquico ou social. Visto que beber promove alívio imediato aos mais variados tipos de desconforto enfrentados pelo alcoolista não é fácil abandonar o hábito.
É impossível tratar o problema genericamente. Cada alcoolista é um ser único, com características singulares que devem ser levadas em conta para um tratamento eficaz. Como geralmente o alcoolista mostra-se pouco ou nada cooperativo com as condutas terapêuticas necessárias para seu restabelecimento físico e mental, é preciso muita persistência até se estabelecer o tratamento mais eficaz para cada caso. Mas compensa. Ao controlar ou superar a dependência alcoólica, o indivíduo amplia substancialmente sua capacidade de ser livre.
*Sérgio Vieira Bettarello é médico psiquiatra e psicoterapeuta
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