Foto: Rogério Cassimiro/Folha Imagem, Reprodução
Relâmpago
Inês, no centro histórico de Paraty, diz que a idéia para o seu novo livro A Eternidade e o Desejo surgiu durante uma viagem a Salvador

Quando descobriu a poesia, ainda adolescente, a escritora e jornalista portuguesa Inês Pedrosa pensou que seria poeta. Com o tempo, percebeu que, apesar de ter nas letras a sua vocação, seu ofício seria outro. Tornou-se jornalista e depois escritora, atividade que, segundo ela, a fez enxergar o mundo por outro prisma. Feminista convicta, ao dirigir a revista Marie Claire portuguesa, entre 1993 e 1996, não permitia que as mulheres entrevistadas fossem questionadas sobre como conciliavam o trabalho com o cuidado com a casa e os filhos. Perguntas assim só eram permitidas se fossem dirigidas aos personagens homens. E foi o que ela fez ao entrevistar, certa vez, um candidato a presidente da República do seu país. O político ficou sem ação e pediu socorro a sua assessoria.

A escritora, que atualmente dirige a Casa Fernando Pessoa – este ano comemora-se os 120 anos do nascimento do poeta português -, recebeu a reportagem de Brasileiros numa pousada em Paraty depois de ter participado, na noite anterior, da mesa “Sexo, mentiras e videotape”, junto com as escritoras Cíntia Moscovich, brasileira, e Zoë Heller, inglesa. A certa altura, o mediador e escritor português José Luis Peixoto entrou numa saia justa ao falar sobre uma suposta “literatura feminina”, termo que Inês abomina e evita comentar. “Acabou provocando um debate divertido. José Luis sentiu-se na obrigação de tocar nesse assunto devido à temática da mesa e porque ela era composta só por mulheres. A posição dele foi bastante ingrata”, disse bem-humorada.

Literatura brasileira
Inês nunca escondeu que a literatura brasileira influenciou a sua carreira como escritora. Entre seus “mestres” estão Machado de Assis (1) – que ela considera superior ao seu patrício Eça de Queiroz – e Clarice Lispector (2), que ela só lamenta ter descoberto tardiamente. Ela conta que seu primeiro contato com as obras brasileiras foi durante a adolescência, quando leu Jorge Amado e Erico Verissimo. Apesar disso, sua estréia na literatura foi em 1991 com o livro infantil Mais Ninguém Tem, seguido um ano depois pelo seu primeiro romance A Instrução dos Amantes. Depois viriam Nas Tuas Mãos, Fazes-me Falta, Fica Comigo Esta Noite (editados no Brasil pela Planeta) e o novo A Eternidade e o Desejo (lançado pela Alfaguara), primeiro trabalho ambientado no Brasil.

Esse romance surgiu ao acaso. Inês estava participando de um projeto no qual teria de refazer o trajeto de Padre Antônio Vieira (3) em terras brasileiras e escrever um relato sobre essa experiência quando teve a inspiração para o romance. “Eu estava em Salvador e, de repente, como um relâmpago, surgiu-me a figura de Clara, uma mulher cega que buscava conforto nos Sermões de Vieira e a possibilidade de um novo amor”, conta. O romance A Eternidade e o Desejo acabou sendo escrito antes das suas impressões sobre a viagem, que resultou no livro No Coração do Brasil. Em todos os contos e romances da escritora portuguesa, é forte a presença da figura da mulher. Ela sempre se encontra às voltas com alguma perda, seja amorosa ou de um ente querido, e tem de seguir em frente e aprender a conviver com sua nova situação. Outra característica marcante de suas obras é a forte carga emocional e sensual das cenas, descritas sempre de forma poética.

Corajosa e politizada
Em toda a sua carreira, seja como jornalista ou escritora, Inês Pedrosa defendeu suas posições sociais e políticas. Para ela, a vida do escritor está atrelada às suas obras, pois elas refletem a atitude do autor diante do ambiente e das pessoas que os cercam. “Quando conheci Clarice Lispector fiquei deslumbrada com seus livros e com a sua vida. Ela tinha coragem e capacidade de viver de olhos abertos em todas as circunstâncias. A coragem que o escritor tem com sua vida pessoal transparece no seu trabalho literário. Assim como a covardia”, acredita.

Essa posição combativa de Inês Pedrosa extrapola a sua vida profissional. Com a mesma intensidade que assume a sua atitude social em suas obras, ela também procura ser atuantepoliticamente. Nas últimas eleições presidenciais em Portugal, por exemplo, ela apoiou a candidatura independente de Manuel Alegre (4), depois que Mário Soares (5) e o Partido Socialista declinaram do apoio prometido inicialmente a ele. “Eu acho que o cargo de presidente da República não é como o de um rei. Mário Soares já havia sido duas vezes presidente e, por uma questão de renovação democrática e porque achei muito feia a atitude do Partido Socialista, decidi ficar ao lado de Alegre. Ele ficou em segundo lugar e foi uma candidatura muito eloqüente. Manuel Alegre é como Padre Antônio Vieira, que transitava pela ação e pelo saber”, diz.

Aborto e casamento homossexual
Mesmo com a queda do muro de Berlim, o desmantelamento dos países socialistas e com o advento da globalização, Inês acredita que a igualdade social está longe de se tornar realidade. Para ela, uma das evidências mais fortes de que as desigualdades continuam mais fortes do que nunca é quando se fala em legalização do aborto. “O aborto sempre foi discutido de uma forma hipócrita. Ele ainda é uma das formas de dominação dos ricos sobre os pobres. Em qualquer parte do mundo a mulher rica pode abortar. Já as mulheres pobres não têm opção, não têm dinheiro. Temos de acabar com isso e lutar para que os governantes legalizem o aborto em todo mundo. É uma questão de escolha, as pessoas têm o direito escolher”, diz. O mesmo acontece com as discussões sobre o casamento homossexual. “Na Espanha o governo permite que pessoas do mesmo sexo se casem e tenham todos os direitos de um casal, inclusive no que diz respeito à herança. A diferença entre a Espanha e Portugal, país não menos católico, é que lá houve um governo corajoso que decidiu conceder o direito ao cidadão”, diz. Temas polêmicos que podem inspirar os seus próximos romances.


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