Alemão na passarela

Neste terceiro episódio, Olmir Stocker, o Alemão, que aprendeu a tocar enquanto viajava com o circo da família e aprimorou sua técnica de boate em boate, acompanhando todo o tipo de cantor – fatos tratados nos capítulos anteriores -, chega à maturidade como músico. Os anos 1960 e os Beatles corriam para o final. Os festivais e os programas da Record que haviam “criado” a nova música brasileira definhavam. A Tropicália capitalizava a agitação cultural que varria o mundo, fornecendo régua e compasso para as gerações que viriam. Nascia a contracultura, afinal o Brasil penava sob uma ditadura e as manifestações culturais subterrâneas davam o tom de resistência.

Embora não fosse tão famoso como seus colegas – os guitarristas Aladdin, do The Jordans; Risonho, do Clever’s e depois Incríveis; e Gato, do Jet Blacks e mais tarde do RCs, o conjunto de Roberto Carlos -, Alemão levava uma vantagem, sabia ler música e dominava outros gêneros além do rock. Na hora de gravar era chamado, a exemplo do lendário Boneca – um doido que gostava de inventar coisas, tipo instalar dois câmbios no carro para andar de ré a 60 km/h -, do pernambucano recém-chegado Heraldo do Monte, uns poucos enfim.

É nesse ponto que entra em cena o italiano Lívio Rangan, dirigente da Rhodia, pioneira do fio sintético no Brasil, criador da Feira Nacional da Indústria Têxtil (Fenit). Lidando com igual desenvoltura com empresários estrangeiros e figuras ímpares, como o poeta Torquato Neto, Rangan realizou shows inesquecíveis na Fenit, começando com o grupo de Sergio Mendes, então já com um pé nos Estados Unidos. Com a ida dele, Rangan convocou o pianista e organista Cido (Aparecido) Bianchi, para montar um grupo com os melhores músicos disponíveis. Vieram Alemão, Douglas de Oliveira, baterista residente do João Sebastião Bar; Nilson Carlos Ruiz Matta, baixo, amigo do Cido; João Carlos Pegoraro, vibrafone; para o saxofone e a flauta, Carlos Alberto de Alcântara Pereira, também dos Wandecos; e o lendário Casé (José Ferreira Godinho Filho).

Era sopa no mel. Não havia repertório, só sonzeira improvisada o tempo todo. A ponto de não terem o que tocar quando foram convocados para o primeiro show, Momento 68, com texto de Millôr Fernandes e trazendo, entre outros, Caetano Veloso e Walmor Chagas. A salvação foi a mania do Casé de pescar. Ele fazia de tudo para não ensaiar e, quando lhe solicitaram que tocasse clarineta, foi a gota d’água, sem trocadilho. Foi pescar, deixando o lugar para um albino igualmente esquisito, mas com fome de composições.

O alagoano Hermeto Pascoal pertencia ao Quarteto Novo, ao lado de Heraldo do Monte, Theo de Barros (compositor de Disparada, com Geraldo Vandré) e Guimorvan, um ex-cantor de boleros conhecido de Alemão e que faria sucesso como percussionista sob o nome de Airto Moreira. Hermeto revolucionou o grupo com seus arranjos. Batizado Brazilian Octopus, o septeto que atuaria em Afrodizia, fantasia de Rangan e Rogério Duprat com ritmos africanos, ganharia mais um componente no espetáculo Tropicália. Em princípio, convidado para participar de um dos quadros, devido à habilidade com o instrumento que girava sobre a cabeça à maneira do Who e de Hendrix, o garoto de 16 anos era meio afilhado de Hermeto, que tocava na boate de seu pai, Stardust. Logo, Lanny Gordin foi incorporado ao grupo. E foi esse o grupo que gravou o único disco do Brazilian Octopus no Brasil. A capa traz Alemão de colete ao lado de Lanny, e um desconhecido atrás no piano – era um funcionário da Rhodia substituindo Hermeto que não compareceu à sessão de fotos. O saxofonista japonês Sadao Watanabe gravou Meets Brazilian Friends com o grupo desfalcado de Lanny e Hermeto, com Casé, Mathias Matos, no baixo, e o excelente trompetista Waldir Arouca Barros, amigo de Elis Regina, Tim Maia e Cassiano. O Brazilian Octopus chegou a se apresentar em Portugal antes de acabar. O fim do BO coincidiu com a saída de Rangan da Rhodia. Hermeto acabou sendo levado por Airto para os Estados Unidos, onde conheceu Miles Davis que gravou duas músicas suas. Na volta, montou outro conjunto com Alemão. O grupo que trazia Anunciação na percussão, Alberto, do Stardust, no baixo, e Cabeleira na bateria, tinha quatro instrumentos de seis cordas! Alemão e Lanny nas guitarras, Odilon e o inesquecível Macumbinha nos violões. Durou pouco.

Em sua carreira, Olmir Stocker calcula ter acompanhado quase uma centena de cantores, de imitadores do Trio Los Panchos a Pedro Vargas e Bienvenido Granda, os originais, ainda no sul. Ícones como Ângela Maria e Gregorio Barrios e globe trotters como Nelson Ned. Tocou com Simone no auge da carreira da baiana com a qual gravou dois discos e deixou por causa de cachê – com seu humor característico apelidou-a “Sem Money”. Durante mais de seis anos, Alemão integrou a banda da boate Gallery, de José Victor Oliva, onde calcula ter tocado New York, New York centenas de vezes. Ao contrário do que muitos pensam, a música é “nova”. Foi composta por John Kander e Fred Ebb para o filme de Martin Scorcese de mesmo nome, lançado em 1977. Mas o fato é que durante um período, Alemão garante, a moda era “dançar no Gallery”. Havia chegado a hora certa para um disco solo. Quem sabe uma carreira?

No capítulo final das Aventuras do Alemão, vamos ficar sabendo de sua carreira solo como astro de jazz, à frente de seu quarteto e em dupla com Zezo Ribeiro. De quebra, Alemão dará dicas para quem quer ser um bom guitarrista.

Leia os capítulos anteriores, veja e ouça

» Parte I – Olmir Stocker, o Alemão brasileirinho
» Parte II – As aventuras do Alemão na noite paulistana
» Brazilian Octopus – Gamboa


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