Fotos: 1 Reprodução, 2 Walter Craveiro
O grupo Grateful Dead, nos velhos tempos da esquina famosa da rua Haight que ainda mantém os sobrados vitorianos

No dia 13 de junho acontecerá a maior feira de discos de vinil do planeta. Pode-se antever: muitos deles contendo solos de guitarra com 15 minutos de improviso. Dado o endereço, qualquer um faria a previsão. A 33a Feira de Rua de Haight-Ashbury – este ano dedicada ao LP Event – acontecerá nas veredas em que o movimento hippie fixou suas bases, há 45 anos e lá vai (muita!) fumaça.

A esquina das ruas Haight e Ashbury deu o nome a um bairro de San Francisco, na Califórnia, a cidade americana onde o bávaro Levi Strauss inventou o jeans, o poeta beat Allen Ginsberg escreveu Uivo e o estradeiro do romance On The Road, de Jack Kerouac, elegeu como ponto final da viagem. Também é a metrópole dos grupos de rock Grateful Dead e Jefferson Airplane, e do professor de psicologia Timothy Leary, idealizador dos acid tests, o ponto inicial das “viagens”.

Sobretudo devido ao LSD, a junção das ruas Haight e Ashbury passou para a história como a “esquina psicodélica”. O batismo não se deve aos hippies. Seria outro, não fosse o cientista Humphry Osmond, um scholar. Em 1957, ele nomeou os efeitos do LSD, o ácido lisérgico. Estava em dúvida entre psicofórico, psico-hórnico, psicozínico, psicorréxico e psicolítico. Optou por psicodélico (manifestador da mente) e justificou: “O termo é claro, eufônico e não contaminado por outras associações”.

No início do século passado, Haight-Ashbury era o bairro distante, onde gente bem de vida comprava sobrados em estilo vitoriano para servir de casa de campo. As guerras trouxeram a decadência. No fim dos anos 1940, as tais casas passaram a ser alugadas por operários. Na década seguinte, o preço camarada atraiu os beatniks. Os universitários chegaram não só em virtude dos aluguéis baratos, mas devido à proximidade da San Francisco University. Haight-Ashbury já era um centro de deslocados e descolados quando desembarcaram os hippies.

As fachadas coloridas dos sobrados sobrevivem. Também as lojinhas de pôsteres psicóricos e discos psicozínicos. Em geral, essa aparência é mesmo só de fachada. O sobrado da rua Ashbury, onde morou o Grateful Dead, comprada há 30 anos por US$ 55 mil, vale US$ 1,5 milhão. Mesmo as casas em que residiam bichos-grilos anônimos custam os olhos (ou os chacras) da cara. Outra ironia são as lojas chiques, vendendo jeans caros, das marcas Hurley, Volcom e Fred Perry, entre outras. Nos tempos das calças e causas justas, os jeans igualavam a todos e por isso eram usados. Hoje, sua serventia é oposta. Destinam-se a deixar claro o status e a classe social do usuário e distingui-lo da ratatuia.

Nos idos psico-hórnicos, um certo Ben e seu chapinha Jerry abriram na rua Haight a sorveteria Ben & Jerry’s. Ela tornou-se uma rede, com quase 300 unidades no globo. A franqueza hippie virou franquia e, em 1988, Ben e Jerry foram condecorados “empresários do ano” por Ronald Reagan. Wood e Stock choraram.

Mas o espírito hippie resiste em lugares como o hotelzinho Red Victorian, um bed & breakfast no número 1.727 da rua Haight. Um dos quartos tem um céu com arco-íris pintado no teto. Outro, espelhos mágicos. A proprietária cobra US$ 150 pela diária. Seu nome: Sami Sunchild. Ou Sami “Filha do Sol”. Mais hippie que um solo psicorréxico de guitarra.


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