A natureza logo ali e, por todo o lado, muito verde, montanhas e águas. O cenário poderia ser o Rio de Janeiro, mas, por uma dessas obras do destino, esse lugar é Seattle. A maior cidade do Estado de Washington, extremo noroeste dos Estados Unidos, é, há 15 anos, a residência oficial do músico carioca Jovino Santos Neto, que faz um auto-exílio profissional sem maiores crises. No entanto, em maio de 2007, o ex-integrante da célebre banda do mago Hermeto Pascoal saiu do conforto de seu lar em terras distantes para se perder, por 20 dias, nas estradas e cidades do sertão nordestino. Voltou de lá com as músicas de seu quinto disco solo, Alma do Nordeste – o primeiro a ser lançado no Brasil -, e algumas surpresas. “No final de 2005 minha produtora brasileira perguntou se eu tinha algum projeto para colocar no edital da Petrobras. Olhei para a estante e vi um livro que tinha acabado de resgatar da biblioteca do meu pai. Era uma edição autografada de Alma do Nordeste, do folclorista C. Nery Camello, que pertenceu ao meu avô. O livro foi resultado de uma viagem que o autor fez em 1936 pelo interior da Bahia e Pernambuco. Não é organizadinho, é mais uma coleção de impressões sobre a jornada. Decidi refazer os passos desse escritor e retratá-los musicalmente a partir dos sons e cheiros da viagem”, explicou Jovino, em breve passagem por São Paulo para o lançamento do disco.
O pianista, compositor, arranjador e regente de 54 anos começou a tocar no início da adolescência, mas durante a segunda metade da década de 1970 sua vida tomou novo rumo ao conhecer Hermeto Pascoal. “Quinze anos com ele é uma escola onde você aprende todas as coisas possíveis sobre a música instrumental brasileira.” Jovino esteve ao lado de outras feras, como Itiberê Zwarg e Carlos Malta em uma banda que acompanhou Hermeto em inúmeras turnês mundiais e em discos clássicos como Cérebro Eletrônico (1980), Lagoa da Canoa, Município de Arapiraca (1984), Só Não Toca Quem Não Quer (1987) e Festa dos Deuses (1992). No início da década de 1990, o pianista foi tomado por uma urgência de outros aprendizados e acabou em Seattle, mais precisamente no Cornish College of the Arts, que acabou lhe contratando como professor. “Acho que morando lá sou mais brasileiro do que morando aqui. Ampliei meu conceito de lar, mas ainda não equilibrei, porque gostaria de vir mais vezes para cá”, confessa.
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O projeto Alma do Nordeste e a viagem por cidades como Campina Grande, João Pessoa e Cabedelo, na Paraíba, e Caruaru e Recife, em Pernambuco, serviram como um calmante para os embates internos deste neto de sergipanos com o Brasil. Porém, nada o havia preparado para o primeiro encontro com o Nordeste do início do século XXI. “Estava esperando voltar no tempo, mas todos os hotéis tinham internet sem fio e de graça. Achei as estradas ótimas e a infra-estrutura, no geral, muito boa. Eu tinha um Nordeste na cabeça e acabei encontrando outro. Por exemplo, Arapiraca (AL), terra do Hermeto, estava um caos urbano. Quis sair correndo, mas parei para pensar e achei que a gente estava ali por algum motivo, e a cacofonia da cidade acabou entrando no disco. Em vários momentos os músicos improvisam juntos”, diz.
Na Fazenda da Macuca, perto de Garanhuns (PE), o encontro se deu com rara intensidade. Durante três dias, o músico tocou com sanfoneiros e percussionistas locais, conheceu o samba de coco de Mestre Zé Romão e uma festa de boi diferente e anárquica. “Mas é bom falar que não fui buscar música, especificamente. Hermeto dizia que o músico não pode se inspirar só em música porque fica naquela auto-referência. É preciso tomar como base também as árvores, as coisas e as pessoas”, ensina. Nessa, e em muitas outras palavras de Jovino, é possível notar a assumida reverência aos ensinamentos do mestre Hermeto Pascoal. Um deles, talvez o principal, é que aprendizado e movimento precisam caminhar colados um ao outro. Rodopiando, de preferência.
No liquidificador pessoal de Jovino Santos Neto todas essas informações se misturam ao forró, jazz, baião, choro, free jazz, maracatu e outras milongas. “Quando subo no palco não estou tirando uma coisa do nada. Estou lançando uma rede em um mar cheio de peixes, de idéias musicais que estão ali há mais de 500 anos. Esse movimento constante é uma enorme fonte de alimento para o amanhã. Ainda mais no caso da música brasileira. Acho que a razão da nossa música ser tão rica e aceita no mundo é porque condensa influências de todos os lugares”, afirma. Ele sabe o que diz, afinal, é o responsável por um concorrido curso sobre a história da música brasileira na Cornish, em Seattle. Atento, e de ouvidos abertos, o músico mantém-se informado sobre o noticiário cultural/musical daqui por amigos e, principalmente, pela internet, local onde construiu seu site lá pelas bandas do ano 2000. Mais recentemente, no final de 2007, montou sua página no MySpace. “Agora tenho mil acessos por mês e uma rede com umas 700 pessoas, sendo que metade é do Brasil. Uma das coisas mais bacanas da internet é que meu outdoor é do mesmo tamanho que o de uma grande gravadora. É do tamanho da tela do computador”, diz.
Mesmo não sendo um alvo em potencial da pirataria digital, o artista gosta de meter a colher nessa panela. “Consigo ver os dois lados. Como compositor que paga aluguel e compra o leite das crianças, não é legal ver as pessoas consumindo minha música sem pagar nada. Por outro lado, faço tanta música que não vejo problema em colocar algumas para as pessoas baixarem. Serve como estímulo para elas ouvirem mais”, acredita. E, de repente, tomado por metáforas dignas do mestre Hermeto, finaliza o raciocínio: “Porque música é trabalho, mas também é fonte. O sujeito pode ir lá e beber um litro, pode ir lá e pegar três garrafas, mas é fonte de água e continua jorrando. De onde saiu essa tem muito mais”. Ainda bem.
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