Tinha recebido dois convites para eventos marcados no mesmo horário na noite de terça-feira. Como não dá para estar em dois lugares ao mesmo tempo, tinha que escolher.
Um convite era para participar da festa dos 10 anos da revista Almanaque Brasil, do grande Elifas Andreato, no Museu de Arte Moderna (MAM), e o outro para ver o show de Roberto Carlos com 20 cantoras, quase todas belas e formosas, no Teatro Municipal, em comemoração aos seus 50 anos de carreira.
Entre um velho amigo e um ídolo de muito tempo, meu coração balançou, mas acabei indo ao MAM para dar um abraço em Elifas, enquanto minha mulher, claro, ia ver o Rei no Municipal, o que é muito justo. Não me arrependi, garanto.
Voltamos os dois felizes para casa e um contou para o outro a bela festa que acabou de ver. No meu caso, não poderia ter sido melhor. Além de partilhar da felicidade do Elifas, um dos maiores artistas gráficos brasileiros de todos os tempos, ainda encontrei um monte de amigos e assisti a um belo concerto no auditório do MAM.
Rolando Boldrim, Antonio Nóbrega, Moacir Luz, Vicente Barreto e Celso Viáfora revezaram-se no pequeno palco para mostrar um pouco do que a música brasileira tem de melhor.
Imperdível, mas quem não viu não vai ver mais, ao contrário do show do rei Roberto Carlos, que poderemos assistir no domingo depois do “Fantástico”, na TV Globo.
Menino de família muito pobre criado no interior do Paraná, Elifas começou a trabalhar cedo. Analfabeto até a adolescência, torneiro mecânico que gostava de desenhar, militante político perseguido pela ditadura, autodidata que acabou dando aulas de Artes na USP sem nunca ter frequentado um banco de escola, estava feliz de orelha a orelha no papel de mestre de cerimônias.
Desde que trocou o chão de fábrica por um estágio na Editora Abril, onde foi responsável pelo projeto gráfico da coleção de História da Música Popular Brasileira, nos anos 1970, ele já fez mais de 500 capas de discos, algumas delas antológicas, de Pixinguinha a Zeca Pagodinho.
Este é um cara mais velho do que eu que poderia viver só do que já fez no jornalismo, na música, no teatro, na literatura, nas artes plásticas, sempre deixando sua marca de talento e muita garra, mas ele sempre quer mais.
Agora mesmo, está acertando com Paulo Markun, da TV Cultura, e Tereza Cruvinel, da TV Brasil, que estavam no evento, um projeto para levar o Almanaque Brasil à televisão pública ainda este ano.
De tudo que Elifas já fez e faz, o Almanaque, que circula faz uma década a bordo dos vôos da TAM, com uma tiragem de 100 mil exemplares por mês, é seu filho dileto, que sobrevive com muitas dificuldades, com a ajuda dos seus outros filhos, mas também lhe dá muitas alegrias.
Na contra-capa do livrão “Todo Dia é Dia”, que ele lançou pela Ediouro este ano, com os melhores momentos do Almanaque Brasil de Cultura Popular, ele resume o espírito da coisa:
“Como em todo bom almanaque, além de fatos curiosos e divertidos, aqui você também vai encontrar o que se comemora em cada dia do ano; o que se colhe no Brasil a cada mês; os signos; o significado das expressões mais tradicionais; os santos de cada dia do mês; as festas e os costumes populares”.
Entre tanta gente amiga, bonita e talentosa que lotou o auditório e o saguão do MAM, abastecida pelos petiscos e chopes do Pirajá, desfilava com sua camisa de renda vermelha comprada em Havana o miúdo Myltainho Severiano da Silva, dono do melhor texto jornalístico do país, ancorado no Almanaque deste a sua criação.
Quando vi os dois juntos, não resisti à brincadeira, e fui lá falar para eles: “Se o Elifas é o pai do Almanaque, o Myltainho só pode ser a mãe”.
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