Rumos da Economia – Desafios para o Crescimento, promovido pela Seminários Brasileiros, é um concorrido evento que acontece desde 2011 na cidade de São Paulo. A mais recente edição, em abril, contou com a participação do prefeito Fernando Haddad (PT). Em seu discurso, ele defendeu algumas ações de política econômica da presidenta Dilma Rousseff.
“Mesmo tomando como pressuposto o ciclo benéfico das commodities, o Brasil tem de se perguntar se soube aproveitar esse momento para fazer coisas relevantes do ponto de vista estrutural”, afirmou. “Eu sou do ponto de vista que sim: basta ver os dados de miséria, indicadores sociais, de distribuição de renda e acesso à educação. Tudo isso mudou significativamente. Tivemos capacidade de acumular reservas cambiais expressivas.” Ainda segundo Haddad, a dívida líquida caiu e a bruta se manteve estável em um período em que as divisas no mundo explodiram. “Do ponto de vista fiscal de longo prazo, não estamos confortáveis. Mas não existe risco de default das dívidas externa e interna.”
De acordo com o prefeito, o governo fez muita coisa importante que é pouco valorizada. O que está acontecendo hoje é fruto do que se plantou – o fortalecimento de mecanismos de controle da corrupção. O Brasil tem órgãos parecidos com os de países desenvolvidos. “No âmbito municipal de São Paulo, eu importei esses órgãos para desbaratar quadrilhas. Resolvi uma série de problemas que envolvia corrupção de servidores públicos e empresários.”
Na Educação, segundo Haddad, o Brasil não fez um catch up com o mundo, mas o fez com a América Latina. “Hoje, não temos um sistema europeu, canadense, australiano, mas, para o tempo em questão, fizemos um avanço que nos colocou melhores do que a Argentina. Chegamos perto do Chile e do México, dobrando a população universitária em alguns anos.” Estudos de Ricardo Paes de Barros (IPEA), com base em dados empíricos e em indicadores internacionais, como o PISA (Programme for International Student Assessment), mostram que boa parte dessa inclusão aconteceu em função do Bolsa Família, renda mínima e aumento da escolaridade.
Haddad disse ainda que a questão da energia elétrica, do câmbio e da conta petróleo tem muito a ver com a perspectiva de manter a inflação sob controle, do que gerar mais emprego e crescimento. “Imaginava-se que, naquele período, as coisas iriam se acomodar. Que o governo iria controlar os desequilíbrios. Ao contrário, as contas foram se avolumando.” O prefeito afirmou que o governo Fernando Henrique Cardoso teve várias crises, a cambial de 1999, a elétrica de 2001, os ataques da imprensa aos processos de privatização, às emendas da reeleição, em momentos distantes. “Estamos vivendo as mesmas crises, mas sobrepostas. O governo FHC enfrentou isso sem ter uma crise de governabilidade no Congresso Nacional. É por meio da política que vamos superar esses momentos.”
Também participante do seminário, o economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros, traçou um cenário negativo, mas com tendência à melhora. Em sua avaliação, o risco Brasil ainda é imensamente elevado em relação a Chile, Turquia e México, por exemplo. “A confiança, como dizia Larry Summers (ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos), é de graça. Nos últimos anos, houve um desprezo (do governo) pelo mercado, o que foi ruim.”
Mas ponderou que o Brasil sempre se saiu bem em momentos de crise. Hoje, no entanto, tudo conspira contra. “Nossa expectativa é que o PIB (Produto Interno Bruto) caia 1,5% neste ano. Acho que podemos chegar a crescimento de 3% em 2018. A previsão média é de 1,3% neste segundo mandato de Dilma.”
Os pontos inquietantes são: o País tem um dos menores crescimentos demográficos do mundo, de 0,8. Os casais têm menos filhos, com taxa de 1,7. “Nossa População Economicamente Ativa não cresce. É um momento difícil. Teremos 3,5 milhões de desempregados a mais até 2016. O PIB per capita cairá abaixo de US$ 10 mil neste ano.” Segundo Barros, não há milagres para 2015. “Vamos precisar de drivers clássicos, como infraestrutura, novo ciclo de inclusão social, educação? Ou a retomada de confiança será suficiente?”
Para Barros, o Brasil lutou com excesso de armas contra a queda das commodities, mas perdeu a batalha. “Estamos também em um nível pré-globalização no comércio internacional. O setor industrial continua com hemorragia: vai cair 4% neste ano. Os investimentos recuarão 8% e os domésticos anunciados estão em queda há três anos.” Ele lembrou, contudo, que todos os países do mundo estão com dificuldade de agenda.
Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp, foi mais contundente em suas críticas ao ajuste fiscal. No plano macroeconômico, disse, a estratégia de Dilma foi equivocada, em 2011, com a adoção de ajuste fiscal – um ano em que a economia não crescia. O segundo erro foram as desonerações de impostos de muitos produtos. “Isso gerou um custo enorme em termos fiscais.” Segundo o economista, os gastos públicos mantiveram o ritmo de crescimento, mas com a economia fragilizada, o déficit aumentou. Para ele, contudo, não há “explosão do déficit”.
Rossi afirmou que o ajuste fiscal pode ser muito bom, mas também desastroso. “Sua qualidade depende do ciclo econômico. Em um momento de recessão, o ajuste agrava a saúde da economia, sobretudo hoje, com a redução forte de investimentos da Petrobras e das empreiteiras. Caberia ao Estado uma atuação anticíclica.”
“O risco é o Brasil entrar em um ciclo vicioso, pois corte de gastos reduz investimentos, diminui a arrecadação, o que exige mais corte de gastos. E isso pode durar anos.” Para ele, o empresário investe porque tem expectativa de vendas e lucros, não porque haverá ajuste. “Também não faz nenhum sentido a escalada dos juros promovida pelo Banco Central.”
Segundo Rossi, essa é uma agenda determinada pelo mercado e pelas agências de classificação de riscos. Mas eles não estão preocupados com a distribuição de renda. “Trata-se de um modelo liberal, que é o oposto do modelo distributivo. Há possibilidade de mudança, mas é preciso ousar”, afirmou. Sua sugestão é retirar o investimento do cálculo do superávit primário. “Seria uma porta de saída para o ajuste fiscal.”
O painel “Mercado de Crédito no Brasil” foi abordado pelo economista-chefe do Itaú, Ilan Goldfajn, e pelo ex-ministro e professor emérito da Fundação Getúlio Vargas Luiz Carlos Bresser-Pereira. Segundo Goldfajn, “é preciso entender que, desde 2008, o mundo mudou”. Para os países latino-americanos, o ciclo terminou em 2010, com o fim do boom das commodities. O segundo momento, de juros muito baixos e dinheiro barato no exterior, está terminando também. “A América Latina desacelerou, mas no Brasil, o movimento foi mais forte.”
“Parte tem a ver com políticas internas e com a necessidade de ajustes serem feitos: fiscal, quase fiscal, tarifas públicas, balanço de pagamentos e os aumentos de juros promovidos pelo BC, para a inflação voltar a atingir o centro da meta, de 4,5% ao ano. O especialista disse que, sem dúvida alguma, a economia hoje está em recessão. No flanco externo, existe a perspectiva de os Bancos Centrais elevarem os juros. “Não se sabe se o Federal Reserve tomará essa decisão em setembro ou dezembro.”
Já o ciclo de commodities terminou com os preços voltando a cair, como ocorreu na Primeira Guerra Mundial, na Segunda e na crise do petróleo. Ou seja, há uma questão global do crescimento baixo. Mas isso não significa que políticas internas não sejam importantes.
Para Goldfajn, se não houver reformas profundas, dificilmente o País voltará a crescer ao redor de 4,5% ao ano. Já se observa alguma melhora no mercado financeiro: os credit default swaps (medida de risco) alcançaram 320 pontos, em fevereiro. Significa que o risco é compatível com grau especulativo. Mas agora refluíram e voltaram a indicar grau de investimento. Os juros sobem, o câmbio cai e a Bovespa avança. O papel do ajuste é a menor intervenção no câmbio pelo BC e o realismo tarifário. De todo modo, afirmou, é “muito difícil ter um superávit primário de 1,2% neste ano, por conta da arrecadação em queda”.
Bem-humorado, Bresser-Pereira disse que concordava com 95% do que Goldfajn falou, apesar de serem de campos opostos na economia. O primeiro é desenvolvimentista e o segundo, liberal. Os 5% de discórdia: “É um ajuste estranho, porque foi feito na recessão”, disse o professor da FGV. Segundo ele, a política fiscal foi equivocada em 2013/2014. Mas, com o fim do boom das commodities e a crise da Petrobras, agora sobra desconfiança. Para ele, é preciso fazer o ajuste fiscal para também pagar “os custos absurdos da taxa de juros”.
Feito o ajuste, o Brasil retomará o crescimento? “Se falarmos em 1% ao ano, sim. Precisaríamos crescer entre 3,5% e 4%, para retomarmos o padrão dos anos 1950 a 1970, disse Bresser-Pereira. O baixo crescimento não é decorrente da falta de confiança desde o Plano Real, mas sim da educação e da infraestrutura insuficientes. A corrupção sempre existiu no Brasil. “Hoje, ao menos, a Polícia Federal investiga. Mas não são fatos novos.”
Quais são as causas da quase estagnação? “Inventamos que o Estado não tem recursos e não pode poupar e investir em infraestrutura e temos alta preferência pelo consumo imediato”, diagnosticou. Na sequência, vêm os juros elevados e a taxa de câmbio, que não é competitiva desde 1990/1991. “Isso porque queremos crescer com poupança externa, com déficit em conta corrente. Isso é populismo cambial, chancelado inclusive pelo Fundo Monetário Internacional Se não resolvermos estes três problemas, estaremos fadados a crescimento medíocre.”
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