Ambientado no período das Diretas Já, ‘Depois da Chuva’ propõe um debate contemporâneo

Da direita para a esquerda, Caio (Pedro Maia) e seus amigos anarquistas, interpretados por Aícha Marques e Talis de Castro - Foto: Reprodução
Da direita para a esquerda, Caio (Pedro Maia) e seus amigos anarquistas, interpretados por Aícha Marques e Talis de Castro – Foto: Reprodução

Ambientado e produzido em Salvador, o filme Depois da Chuva, chega às salas de cinema de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Belo Horizonte, Recife e Fortaleza na quinta-feira, 15 de janeiro.

A estreia internacional do longa aconteceu no 43º Festival de Filmes de Rotterdam, na Holanda, depois disso passou por mais 11 países.  Foi premiado em três categorias no 46º Festival de Brasília (roteiro, ator e trilha sonora) e escolhido o melhor filme estrangeiro do Harlem International Film Festival, em Nova Iorque (EUA). Além disso participou dos festivais de Cannes e de Cinema Independente de Buenos Aires (Bafici), como “work in progress”, trabalho ainda não concluído. O filme ainda recebeu o convite para ser exibido na Cinemateca da França.

A trama é focada em Caio, papel que rendeu a Pedro Maia o título de mais jovem vencedor do Festival de Brasília na categoria ator principal. Caio é anarquista, vai a shows de punk e hardcore e não consegue ver com bons olhos a redemocratização e o movimento das Diretas Já. Sua posição já se manifesta na primeira cena do filme, quando alunos de seu colégio, aparentemente burguês, discutem a possibilidade de ter uma eleição para representantes dos estudantes pela primeira vez em 20 anos.  Após falas sobre a eleição direta e indireta, Caio abandona a reunião e brada pelo voto nulo.

Cena da reunião dos alunos visando a formação de um grêmio estudantil - Foto: Reprodução
Cena da reunião dos alunos visando a formação de um grêmio estudantil – Foto: Reprodução

É bom aluno, lê, gosta de ouvir Dead Kennedys, beber, fumar um baseado e não tem muitos amigos na escola. É branco e tem o cabelo preto, comprido e bagunçado, anda com amigos anarquistas, entre eles Talis, interpretado pelo ator do teatro baiano Talis de Castro, que lidera a rádio pirata O Inimigo do Rei, que inspira um fanzine de mesmo nome. Os dois amigos, apesar de uma sólida camaradagem, têm momentos de intenso confronto ideológico.

Apesar da marcante carga política, o filme promove uma discussão madura sobre a juventude. O despertar político do protagonista acontece paralelamente a seu despertar amoroso. No colégio, Caio conhece Fernanda (Sophia Corral), com quem se identifica. Aproximam-se e em uma cena, quando passam o dia juntos, entre conversas e risadas, é notório na expressão dos personagens a dúvida sobre como agir, típico da transição  para o universo adulto.

Sophia conta sobre a construção de sua personagem, “Nós fomos construindo (os personagens) baseados nos atores. Várias coisas que a Fernanda diz eu disse no ensaio. Eles ouviam nossas conversas e botavam no roteiro”. Também conta que é amiga de Pedro do Colégio Oficina, onde estudou e formou um grupo de amigos.

A esquerda Fernanda (Sophia Corral) e a direita Caio (Pedro Maia) vivem um jovem romance - Foto: reprodução
A esquerda Fernanda (Sophia Corral) e a direita Caio (Pedro Maia) vivem um jovem romance – Foto: reprodução

A trilha sonora do filme traz dois ícones do hardcore baiano, bandas como Crac! e Dever de Classe – que participam de cena do filme. “Naquela época, a atmosfera era muito sombria. Estávamos vivendo o início da Aids, a Guerra Fria, recessão econômica e tinha a cena punk também. Tudo era muito deprê”, afirma Cláudio. A filmagem em 16 mm, feita por Ivo Lopes Araújo dialoga com esse clima sombrio.

Diretores de seis curtas-metragens, que acumulam 56 premiações e mais de 150 participações em mostras e festivais, Cláudio Marques (44) e Marília Hughes (38) apresentam pela primeira vez um longa-metragem. Cláudio lembra da concepção do filme: “Eu falava para a Marília sobre os anos 1980, quando vivenciávamos as grandes utopias. Esses foram os anos derradeiros dessas utopias. A anarquia, o socialismo. Um dia, Marilia que disse ‘acho que é nessas memórias que está o nosso longa’”.

Apesar de ter como base uma discussão sobre a juventude, o filme expõe uma opinião minoritária de pessimismo em relação às Diretas Já, o que, segundo Cláudio, não foi planejado. Ainda problematiza a democracia construída no Brasil desde esse momento histórico e dialoga com recentes movimentos políticos, como as manifestações de junho de 2013.

Apesar de ser o momento de escape de Caio, as cenas com seus amigos são obscuras - Foto: Reprodução
Apesar de ser o momento de escape de Caio, as cenas com seus amigos são obscuras – Foto: Reprodução

“A grande maioria estava inebriado pela euforia da possibilidade de acabar a ditadura. Depois de 20 anos, me parecia que a população estava segurando as rédeas de novo. Aí vem a impotência, os obstáculos e a sensação de orfandade. Para mim, esse período termina com uma sensação de amargura muito grande, que ficou ali quieta. Para nossa surpresa, em 2013, vem os protestos e a gente percebe que o nosso ponto de vista não era apenas nosso. Estamos cansados de depositar um cheque em branco a cada 4 anos. Independente da orientação política, a gente quer participar.”, comenta.

Foram no total 5 semanas de gravação, o filme foi aprovado no edital de baixo orçamento do Ministério da Cultura em 2010. Depois conseguiu mais um apoio, do Governo da Bahia, para finalizar e ajudar a distribuir o longa.

Apesar de ver o cinema baiano com um pouco atrás do resto do País, Cláudio é otimista sobre a nova safra de diretores baianos e brasileiros. Elogia a mudança da política do Minc e da Ancine, durante o governo Lula, que se tornou mais democrático, e ajudaram regiões fora do eixo Rio-São Paulo, a desenvolver sua cena cinematográfica.

Veja o trailer oficial de Depos da Chuva:



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