A última vez que um movimento sociopolítico chegou a ameaçar o governo dos Estados Unidos foi em 1968, com as manifestações estudantis contra a Guerra do Vietnã. Poucos sabem que houve um momento naquele período em que o governo norte-americano estava perto de uma paralisia total.
Os EUA estão novamente perante uma ameaça semelhante com o Tea Party Movement. Este nome deriva de um momento na história colonial do país em que um grupo de “patriotas” despejou na baía de Boston um carregamento de chá vindo da Inglaterra, em protesto contra os impostos ingleses na colônia. Os “patriotas” que cometeram esse ato “subversivo” contra a coroa britânica vestiram-se como índios para executar a façanha. Entraram para os livros de história norte-americanos como heróis. Mais adiante, revisionistas da história colonial sustentaram que os famigerados heróis eram um bando de imigrantes irlandeses (sempre acusam os irlandeses, pô!) que, bêbados, simplesmente cometeram um ato de vandalismo que nada tinha a ver com patriotismo ou com nacionalismo.
Ao contrário das manifestações contra a Guerra do Vietnã, que foram promovidas por estudantes universitários e professores, o Tea Party Movement é, em sua essência, um movimento anti-intelectual. Aqueles que se demonstraram contra a guerra estavam criticando e exigindo uma mudança na política externa e protestando contra o “complexo militar-industrial”, que diziam ter tomado conta dos EUA. O Tea Party Movement, por sua vez, quer acabar com o governo e suas instituições. Critica não apenas a atuação de Washington, como as próprias instituições governamentais. Seus membros querem derrubar as instituições, não mudá-las.
O Tea Party Movement é uma colcha de retalhos de ideologias e grupos que abrangem neonazistas; milícias armadas autodenominadas “Patriot Groups”; organizações antissemitas e racistas; grupos ultraconservadores; americanos “médios”, de pequenas cidades, que se sentem impotentes contra o poder do Estado; liberais frustrados; e outros grupos com agendas singulares (por exemplo: antiaborto, fundamentalistas religiosos, etc.). É mais fácil, portanto, saber o que eles estão contra, que saber o que eles querem.
O mais recente herói desse grupo “vira-lata” é A.J. Stack, o americano que jogou seu avião contra um prédio da IRS – a Receita Federal norte-americana – em Austin, Texas, após escrever um manifesto contra o governo e seus desmandos e controle sobre a vida do cidadão. A descrição de Stack, na mídia, como desequilibrado e desesperado, serve, aos olhos do Tea Party Movement, para reforçar sua tese de que o governo e a mídia são controlados pelas grandes corporações e Wall Street, em detrimento da verdade. De fato, há pouco na vida de Stack que justifique o rótulo de desequilibrado. Desesperado, sim, pois a vida do homem estava de fato em frangalhos. Para o Tea Party Movement, Stack é vítima de um governo e uma estrutura econômica opressivos, que funcionam somente para o bem de alguns privilegiados.
Movimentos desse tipo não são incomuns nos EUA, embora nas últimas décadas não houvesse um tão grande assim. A última vez de que se tem notícia de um movimento anti-intelectual e antieducacional nos EUA foi no início de século XX com o movimento progressista, cujo maior porta-voz foi William Jennings Bryan. Bryan apoiou a Lei Seca, que proibiu a produção e venda de bebidas alcoólicas, foi contra o ensino do darwinismo nas escolas, e declarava-se a favor do “americano comum”. Muitas das posições que Bryan defendia se assemelham às defendidas hoje pelo Tea Party Movement, cujos representantes em muito se parecem com uma reencarnação de Bryan. Sarah Palin defende o conceito de que o verdadeiro americano é aquele que vive no interior, abraça valores tradicionais e opõe-se às elites educadas dos grandes centros urbanos e é cópia fiel do anti-intelectualismo de Bryan. Outro líder, Glenn Beck, comentarista da rede Fox News, faz apelos emocionais para a reconquista da América e chega a chorar em suas declarações. Uma vez declarou que se vestia com uniforme de um soldado soviético para saber como comunista pensa. Chegou a fundar um movimento, “9/12” – o dia depois do ataque terrorista de 11 de setembro -, e abraça uma banda larga de ideias estapafúrdias, para não dizer loucas.
O Tea Party Movement já chegou a “sequestrar” o Partido Republicano, cujos representantes e candidatos sentem-se na obrigação de ir mais “à direita” no espectro político, para obter o apoio dos membros do movimento. Os Democratas vivem com medo do aparecimento dos membros do Tea Party em comícios públicos, onde serão vaiados ou silenciados com palavras de ordem. Portanto, o movimento já exerce uma influência relativamente grande na política e, por extensão, sobre as medidas econômicas para recuperar a economia norte-americana.
Mas, o perigo desse movimento não está apenas em sua capacidade de afetar a política. Há um outro perigo maior: a disposição de se empregar a violência para fazer valer o seu ponto de vista. Ações como aquelas cometidas por A.J. Stack e Timothy McVeigh (que explodiu um prédio federal em Oklahoma, em 1995, matando 168 pessoas) são descritos pelo Tea Party Movement como “atos patriotas”, contra um governo e uma estrutura governamental opressiva. Abraça-se à violência e, ao terrorismo doméstico (por que não dizer?), como sendo métodos válidos para fazer valer suas ideias e crenças.
Como americano, reconheço que a violência, tanto verbal quanto física e institucional, sempre fez parte da minha sociedade. A paixão que o cidadão comum tem por seu direito de possuir armas de fogo permeia o pensamento do americano. Interessantemente, o Canadá tem mais armas de fogo per capita que os EUA, mas uma taxa de homicídio por essas armas muito menor. A diferença está na cultura. Uma situação em que o cidadão norte-americano perde a confiança em suas instituições políticas e a esperança em transformá-las por métodos pacíficos é, certamente, uma situação de perigo. Não pense que o americano jamais levantará armas contra outro americano. Já aconteceu e poderia acontecer novamente. E, instigado por demagogos como Sarah Palin, Glenn Beck, Ron Paul, Rush Limbaugh, e outros como eles, apela-se para o menor denominador comum de qualquer sociedade.
Uma economia do tamanho dos EUA, emaranhada em uma disputa interna dessa natureza, não deve interessar a ninguém em meio à crise econômica global. Penso que os EUA e seus concidadãos têm de abraçar o novo paradigma de um mundo mais pluralista e do declínio da influência norte-americana. A ideia de que se pode restaurar a dignidade de uma nação por meio de rufiões é equivocada e perigosa. Foi assim que nasceu o nazismo. O mundo mudou, não obstante as objeções do Tea Party Movement. Cabe a alguém informar a seus membros!
*Jim Wygand é consultor nas áreas de investigação de fraude, due diligence, gestão de risco e diretor na CCI – Critical Corporate Issues (www.criticalcorp.com.br)
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