Ana Estela, a mulher do prefeito

oi um beijo e tanto. Assim que terminou o discurso da vitória, o prefeito eleito de São Paulo, Fernando Haddad, e sua mulher, Ana Estela, trocaram um beijo digno de cinema. Rara no ambiente político, a cena antecipa o que vem por aí e serve para trazer políticos mais para perto dos cidadãos comuns. A memória não registra tal demonstração pública de afeto entre um político e sua mulher. Casada há 24 anos com Haddad, mãe de dois filhos, Ana Estela tem 1,60 m, elegantíssimos 51 kg e tudo para marcar a trajetória do marido pelo Palácio do Anhangabaú. Aos 46 anos, frágil na aparência, ela tem ainda pique de tirar o fôlego, além de ser dona de uma respeitável trajetória profissional.

Ana Estela começou no consultório, como odontopediatra, migrou para a carreira acadêmica na Universidade de São Paulo (USP), onde se formou, virou mestre e doutora, e ampliou os horizontes e a expertise como gestora durante oito anos de atuação nos Ministérios da Educação (2003-2005) e da Saúde (2005-2010) e se revelou poderosa na campanha do marido. Mesmo sem filiação nem experiência em militância partidária, surpreendeu na mais acirrada disputa eleitoral do País. “Não estava programado eu ir para o palanque. Aconteceu, meio no improviso”, disse ela à reportagem da Brasileiros.

Logo no começo da campanha, em um debate com mulheres do comitê de Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, ela não gostou do próprio desempenho. Mas ouviu atentamente a fala da vice-prefeita eleita, a engenheira agrônoma Nádia Campeão (PCdoB), que considera uma pessoa “altamente competente, inspiradora”. Naquele dia, ficou claro para Ana Estela como Nádia, discreta por natureza, crescia ao microfone. “Ela é muito articulada, levanta a galera. Fui observando e me envolvendo com o projeto. Não dava para ficar parada.” No segundo compromisso público, Ana Estela pediu para falar depois de Nádia. Ficou mais satisfeita com o resultado. Na reta final da campanha, a professora-doutora de Odontologia da USP tinha conquistado traquejo de veterana. Comandou sem o marido uma carreata pelo bairro do Jaçanã, na zona norte da cidade. Na carroceria de uma camionete, contou com a companhia da ministra Eleonora Menicucci e de Juliana Borges, secretária de mulheres do PT municipal.

Em outro momento, também em campanha, a presidenta Dilma Rousseff elogiou Ana Estela publicamente. Em seguida, foi a própria presidenta quem a tirou do meio da multidão. “Foi algo inesperado e, ao mesmo tempo, muito emocionante. Um gesto de mulher para mulher, sabe assim? Uma coisa de cumplicidade feminina bonita. Acompanhei todo o processo eleitoral da presidenta Dilma e já estive com ela muitas vezes socialmente. Mas nunca tivemos proximidade maior. Aquela situação, de fato, me deixou muito tocada.”

Para encarar a campanha, Ana Estela se licenciou da USP a partir de julho, quando se afastou da graduação, mas ainda manteve algumas de suas atividades na pós. “Tenho meus orientandos de mestrado, doutorado e as minhas aulas na pós. Alguém me cobriu uma hora ou outra durante a licença, mas não dá para se afastar totalmente.”

Enquanto Ana Estela surpreendia pela desenvoltura nas ruas, seu filho mais velho, o estudante de Direito Frederico, 20 anos, também se engajava totalmente na campanha. “Ele exerceu até certa liderança em congregar os jovens, que panfletaram faculdades, cursinhos, a cidade inteira.” O grupo se reunia todos os domingos no salão de festas do prédio onde mora a família Haddad, no bairro do Paraíso, centro-sul da capital paulistana. Foi tão atuante que seus encontros chegaram a ser frequentados por lideranças do PT, como o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. “Eles ficaram encantados”, diz Ana Estela. “A ministra Marta Suplicy também esteve com eles.”

Com apenas 12 anos, a filha caçula, Ana Carolina, participou menos do dia a dia da campanha, embora tenha protagonizado cenas de alta visibilidade nos palanques e na cabine eleitoral. O dia da eleição, ela diz, foi tranquilo. Pela manhã, encontraram o grupo de coordenação da campanha e alguns ministros em um hotel. O ex-presidente Lula, ao contrário do primeiro turno, não participou da reunião. “Fernando falou que, como Lula tinha comemorado o aniversário no dia anterior, precisava descansar”, conta Ana Estela.

No meio da manhã, Fernando foi votar em companhia de Carol – foi ela quem apertou na urna eletrônica a tecla 13, do pai, no domingo que culminou com a vitória petista em São Paulo. A família voltou a se reunir no apartamento do Paraíso (reduto tradicionalmente tucano) apenas para o almoço: salada, bife a rolê, arroz e uma massa. Ana Estela conta que havia muitos jornalistas na porta do prédio onde moram há mais de 20 anos. “Isso incomoda os vizinhos, mas paciência. O que a gente podia fazer? Faz parte”, diz. Se alguém se incomodou com o assédio da imprensa, garante Ana Estela, não se manifestou publicamente.

Sobre a disputa travada entre Fernando Haddad e José Serra (PSDB) pela Prefeitura de São Paulo, Ana Estela diz apenas: “Serra é um político experiente, mais velho, já esteve em várias eleições. Essa foi a primeira campanha do Fernando, mas ele cresceu durante o processo e tinha uma experiência de vida pública de 11 anos. Ele já foi testado ao gerir o Ministério da Educação, que tem um orçamento duas vez maior do que o da cidade de São Paulo e foi bem-sucedido.”

Em casa
Na família Haddad é costume partilhar cada detalhe da vida. Fora da agitada temporada eleitoral, o que os une muito é a música. O vínculo de Ana Carolina é com o piano. Ana Estela, Haddad e Frederico tocam violão, embora nos últimos anos ela tenha deixado um pouco de lado o instrumento que estudou por uma década: “Hoje, arranho pouca coisa. Quem está tocando violão melhor é o Frederico. Ele é bem eclético. Eu tocava muito bossa-nova. Fernando sempre foi mais rock. Há um tempo, Frederico, sem ter intercambiado comigo, começou a tocar bossa-nova. Fiquei felicíssima”.

Ana Estela tinha mais tempo para a música quando trabalhava perto de casa. Seu consultório fica a três quarteirões do apartamento. Está alugado desde que ela passou a trabalhar na USP, em regime de dedicação exclusiva e, na sequência, foi para o governo federal, em Brasília: “Foi muito difícil sair do consultório. Eu nunca consegui desmontá-lo.”

Ela também não conseguiu se desgrudar de Stick, o cachorro da família, uma mistura de labrador com golden, adquirido ainda bebê nos tempos de Planalto Central, quando os Haddad moravam em uma casa. Agora, no apartamento, eles se revezam nos passeios diários com o animal. “A gente se apegou a ele e, quando viemos para São Paulo, ele veio junto. Stick é grande, precisa correr, necessita de espaço. Por isso, saímos pelo menos duas vezes por dia com ele.” Aliás, a única atividade física, no momento, que Ana Estela tem praticado. “Este ano, não consegui fazer mais do que isso.”

Ana Estela, que nasceu Haddad como Fernando, explica que o sobrenome é comum no Líbano, mais ou menos como os Silva brasileiros. No entanto, ela afirma não ter nenhum parentesco com o marido. “A origem dos sobrenomes árabes tinha a ver, lá atrás, com o ofício que cada um tinha. Haddad é ferreiro. Mas a gente sabe se é parente ou não a partir da cidade. A família do meu pai é de Zahlé, a maior cidade libanesa, depois de Beirute. A de Fernando é de Ainata. Não, não somos primos”, ela brinca.

Quando se casaram em uma cerimônia tradicional na igreja do Colégio São Luís, onde Ana Estela fez o Ensino Médio, ela decidiu manter o sobrenome de solteira apenas para evitar a duplicidade. Mas em casa, evidentemente, o tratamento entre eles é diferente. O prefeito eleito costuma chamá-la de Tê, uma redução carinhosa de Estela, enquanto ela o trata por Fê.

A profissional e acadêmica agora também vai carregar o título de primeira-dama de São Paulo, apesar de ela achar o título anacrônico. Dias depois da vitória de Fernando Haddad, o casal tirou uns dias de férias, aproveitando o feriado de Finados. Mas Ana Estela não revelou o destino e ainda brincou: “Espero que Fernando não dê com a língua nos dentes”. Carol, a caçula, ficou sob os cuidados do irmão mais velho, de parte da família e de Karin Nazar, amiga de longa data e assessora dela.

Reservada, Ana Estela tem achado “estranha” a exposição que a atual situação a coloca e parece não ter se acostumado totalmente a isso. Por isso, vira-mexe quer sair sozinha pela cidade, a pé ou dirigindo seu ASX, da Mitsubishi. “Fernando e eu estamos mais acostumados a um perfil de atuação de gestão, que não é um espaço que permite uma exposição pessoal tão grande. Por isso, minha tendência é seguir a vida normalmente.”

Tão normalmente que o beijo que ela deu no marido no dia da vitória não estava no script da campanha. “Não foi planejado. O beijo faz parte do nosso modo de estarmos juntos.” Mas Ana Estela nega que tenha sido um beijaço. Diz que a imagem congelada dá a impressão de ter sido mais do que realmente foi. A verdade, ela conta, é que o gesto foi emocionado e sincero., como esperamos que São Paulo siga nos próximos anos.


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