Andanças de um repórter pela França no Ano do Brasil

Eita semana boa aqui no Balaio! Até que enfim, falamos pouco de política e muito da vida real, desta grande aventura humana que nos renova o ânimo e a esperança a cada dia.

Depois do belíssimo depoimento que me foi enviado pelo Gilberto Carvalho sobre a sua batalha para a adoção de duas novas filhas, recebo de outro velho amigo, Luiz Augusto Michelazzo, o popular Mic, repórter das antigas, um saboroso texto sobre as suas andanças pela França no Ano do Brasil.

Lá de Altinópolis, no interior paulista, onde vive hoje, depois de ter passado a vida trabalhando em grandes redações, ele nos manda um relato que eu gostaria de ter escrito, bem diferente daqueles textos burocráticos dos suplementos de turismo.

Além do prazer de ler um texto bem escrito, Mic nos dá uma aula de geografia, história, literatura, guerras e conquistas do Velho Mundo. É um daqueles repórteres em extinção que ainda gostam de beber e comer, e depois contam tudo pra gente nos mínimos detalhes.

Faz sete anos que não vou à Europa a passeio. O Mic fez o favor de me levar para lá novamente sem ter que gastar nada e, por isso, quero neste sábado dividir com os leitores o prazer que senti ao ler uma reportagem escrita com alma e bom humor como ele tão bem sabe fazer.

O texto é meio longo, como costuma acontecer com os velhos repórteres, mas vale a pena ir até o final, viajando nas venturas e desventuras do casal Mic e Anita pela França e arredores. Divirtam-se.

PARIS AINDA É UMA FESTA

Altinópolis, julho de 2009

Aí, gente fina, tô de volta.

Pois é, Paris ainda é uma festa. Mas acho que não avisaram o pitbull uniformizado do Aeroporto Charles De Gaulle, que 2009 é o Ano do Brasil na França, que parece tão bonitinho na TV.

Com passaportes e as passagens de volta nas mãos – meus e da Anita – , mais os seguros-saúde e a reserva no Hotel Moufettard, louco para mostrar serviço e nos deportar, o policial ladrava atrás da cabine de vidro:

– T’a l’argent??? T’a l’argent???, t’a l’argent???”. (cê tem dinhêro, tem dinhêro???)
– Tenhoum pouco. Cartão de crédito também.

Humilhado, toca a procurar os euros entocados no esconderijo da bolsa, com ele rosnando atrás do vidro, inibindo meu francês que já não é grande coisa quando tudo vai bem. Atrás de nós, uns 30 passageiros do mesmo avião da TAM já haviam sido barrados no baile e seriam deportados. Os jornais depois confirmariam.

Mostrei os euros e quando ele latiu pelos cartões de crédito, chega um intérprete oficial da polícia, mulato, gordinho, carioca e simpático.

– Por favor, diga ao cara aí que todo o exigido para entrar na Europa já está na mão dele. Ah, pergunta também se, a bordo dos meus 62 anos, paletó e gravata, cabelo branco, quatro livros – que ninguém leu, mas que deram um trabalho do cão – e dois netos, se já não estou um pouco velho para lavar pratos e desentupir privada na em Paris?

O cara perguntou rindo pro pitbull, ipsis litteris. Aí acho que caiu a ficha. Meio desconcertado o policial ignorou os cartões de crédito. Resmungou qualquer coisa como:

– Alors, grrrr, bien, bein, grrr, au-au, bien venue à la France. Lê prochain!!! Lê prochain!!! Merde

– Porra, que recepção! – protestou a Anita, primeira vez na França – irada, claro. E eu arrasado. Mas filosofei que já havia passado por coisa pior nos Estados Unidos – meia hora de interrogatório – e que não seria um babaca desses, incapaz de diferenciar abobrinha envaselinada do supositório que o médico lhe receitou, que abalaria meu amor pela França.

E tampouco minha gratidão ideológica a esse povo gentil e valente, que acolheu os perseguidos pela ditadura brasileira e que, a poder de ferro, fogo e guilhotina varreu a escória aristocrática da face da Europa. Da face da Terra. Acabou com a patifaria do “sou nobre pela graça de Deus, vai passado a grana”.

Mas pensei com amargura nos deportados. Aí, não sei porque cargas d’água, me veio à mente o narigão enorme do marido da Carla Bruni, no poder que esses fenômenos midiáticos detêm e nas palavras de François Mitterand, então com câncer, já perto da morte:

– Sou o último político da França. Depois de mim virão só contadores, tecnocratas (e comediantes, emendo eu, com um olho na França, outro na Itália).

À noite, quentinho na cama do hotel, a Tigra dormindo, custei esquecer os rostos dos deportados e seus sonhos jogados no lixo. Pensar que de meados do Século 19 até 1920 a Europa – Itália, Alemanha, Portugal, Espanha, Inglaterra, França, Suíça, Hungria, Polônia – expulsou 41 milhões dos seus filhos mais pobres, que que emigraram principalmente para Estados Unidos, Brasil, Argentina, Uruguai. Está na enciclopédia, verbete “imigração”.

A festa continua

Mas, maridos de cantoras e pittbulls à parte, vive la France! Afinal, como dizem os corintianos, depois que passa a cabeça, o resto é só alegria. E ai de quem falar mal dos franceses, que francês é grosso, é isso e aquilo. Eles são meio esporrentos, é verdade, mas principalmente entre eles. Saem dos carros para discutir. Mas, fomos tratados com cortesia e até carinhosamente.

Quer ver? Experimente pedir informação às doces velhinhas parisienses. Seus olhinhos brilham protetores e em seguida elas nos adotam. Se as perninhas cansadas permitirem, nos levam até onde perguntamos. Nos seis dias que perambulamos por Paris e nos outros 10 em que rodamos 2.500 km num Renault Clio alugado, pelo interior da França – além de Suíça e Itália -, fomos tratados com liberdade, igualdade e fraternidade.

E Paris continua uma festa, mesmo. Em que pese a multidão de turistas e a praga dos automóveis, que empesteia o mundo, do Nepal a Altinópolis

O gosto dos outros (e nosso)

A Rue Moufettard, onde ficamos, perto da Sorbonne, Pantheon, Jardim Botânico, é uma graça. Estreitíssima – foi estrada romana-, tem pouquíssimo trânsito e um restaurante colado ao outro, gente moça, mulher bonita para todo lado.

E dá-lhe comida boa! Não sei se as coisas estão caras por lá ou nossa moeda que é fraca. Mas os parisienses estão assustados com a crise – desemprego em massa – e, parece, baixaram um pouco os preços. Mas para nós tudo é caro. Dez merréis deles são 30 paus nossos.

Ainda assim vale a pena jantar num bistrô gostoso, saborear saladas maravilhosas – ou suas cremosas sopas, pois que o tempo estava bem frio – e depois deliciar olhos, bocas e almas com confit de canard (pato conservado na banha de porco, assado com pimenta e mel, mostarda e zimbro), boeuf à la bourguignone, codorna ao vinho, cassoulet de fruit da mer (frutos do mar cozidos no creme de leite e nadando num fundido de queijo), tarteflette (gratinado de bacon, batatas, cebolas, que, fritos, são cobertos de queijo reblochon, crocante por cima e derretido por dentro).

De entupir as artérias, rezando e pedindo mais! E por aí vai, com vitelas, quiches, carneiros e frangos, tartes, coelhos e peixes, terrines. Impossível listar, que a cozinha dos caras é vasta e para apreciar tem de cair de joelhos, abrir a boca e esquecer o bolso.

E que dizer dos doces, tortas, cremes? E o creme brûlé? Creme de leite, gemas, açúcar, favas de baunilha, gelados, com crosta de açúcar mascavo queimada a maçarico? E os pães, baguetes, brioches, carolinas, sorvetes, crepes e madeleines? Sai de baixo! E tudo regado a vinho nacional. U-lá-lá!

Gauche na vida

Andamos Paris a pé, deixando o táxi para a volta. Fui mapear in loco lugares e marcas do avanço do homem na sua luta pela razão e contra todo tipo de sagrado. Pisei com meus pezinhos cansados a praça da Concórdia, onde Luiz XVI literalmente perdeu a cabeça.

E depois sua mulher, a rainha austríaca Marie Antoinette, seguida dos barões lampiões, dos condes juões, dos duques hurros, além de condessas, baronetes, criados puxa-sacos, militares, simpatizantes. E foi lá, também que rolaram as cabeças de Danton, Desmoulins, Robespierre, que Marat já havia sido esfaqueado na banheira. Eu ali, gritando no meio da choldra e, zaaaaap!!!, vendo a lâmina do Dr. Guillotin trabalhar.

Fui ao túmulo de Marat, no Pantheon, onde estão Rousseau, Voltaire, Mirabeu e figurões mais modernos como Victor Hugo, Zola, Dreyfus, Jouret, Louis Braille, Marie Courie, e heróis da resistência anti-nazista como Jean Moulin (que uniu os grupos da Resistência e morreu na tortura) e André Malraux.

Estivemos nas ruínas da Bastilha e no cemitério de Père Lachaise, passeando pelas tumbas de Jim Morrison e Oscar Wilde – onde mulheres deixam suas boquinhas de batom carimbadas na pedra.

Respeitosamente, contemplamos o muro – ainda furado de balaços – onde os communards de 1871 foram fuzilados. Havia flores ao pé do muro e duas bandeirinhas vermelhas da Association des Amis de la Commune de Paris 1871, com a inscrição “Vive la Commune!”

– Viva!

Nesse pedaço dedicado à esquerda no Père Lachaise, há dezenas de memoriais às vítimas do nazismo – fuziladas em toda França com as bênçãos e ajuda dos traidores de Vichy – ou deportados para os campos de concentração da Alemanha, Áustria, Polônia. Comovente o túmulo dos irmãos Guy e Serge Mouquet.

Guy, preso como refém pelos alemães, foi fuzilado em 1941 aos 17 anos, com 50 outros reféns, em represália ao assassinato do tenente-coronel Karl Hotz, comandante em Nantes. Três anos depois foi a vez de Serge, em 19 de abril de 1944, aos 12 anos e meio de idade. Os retratinhos das duas crianças – o mais novo de gravata – tornam ainda mais trágica a bestialidade das suas mortes precoces.

Cerca de 600 mil pessoas foram deportadas da França para campos de trabalho forçado na Alemanha. Mais de 60 mil morreram e 50 mil desapareceram. Dos que resistiram à ocupação nazista, 15 mil foram fuzilados, enforcados ou decapitados pelos alemães e o governo francês de Vichy.

Com a derrota nazista, vários colaboracionistas foram condenados à morte e fuzilados. O marechal Petain, traidor chefe, foi condenado à morte em 1945, mas teve sua pena comutada em prisão perpétua na Ilha de Yeu, onde morreu em 1951, aos 95 anos. Em 1942 François Darlan, chefe de governo de Vichy, foi assassinado em Argel, com dois tiros, pelo partisan Fernand Bonnier de La Chapelle, de 20 anos – também fuzilado em seguida. Pierre Laval, sucessor de Darlan, foi fuzilado em 1945 pelo governo francês, De Gaulle à testa.

César, queijo e heresia

Nos seis dias em Paris zanzamos também pelos manjadíssimos pontos turísticos que a Tigra não conhecia, compramos perfumes para os filhos e, cansados de multidões urbanísticas, alugamos um Renault Clio com moderníssimo motor diesel (quase 23 km por litro!!!, andando a 80 km/h, banguela nas descidas) e rodamos mais 10 dias pelo interior.

A primeira parada foi em Langres, próxima às nascentes dos rios Sena e Marne, cidade murada, da época dos romanos. César andou por ali – falou das suas flores campestres no livro De bello Galico, ou A guerra na Gália – e elogiou o vinho da região.

Pudera, por acaso é a região de Champagne de onde sai o único espumante que pode ostentar a marca. Há um queijo mole, o Langres, feito ali, divino. Aliás, cada região francesa tem seu queijo. De leite de vaca, cabra, ovelha, chegam a mais de mil os tipos de queijo na França (nóis aqui temo o “minero”, o de “quaio” e tá muito bão).

A cidadezinha é linda. Totalmente remurada na Idade Média, está para a França como San Gimignano está para a Itália. Foi ali que nasceu o enciclopedista e iluminista Denis Diderot – cuja obra A Religiosa contava as bandalheiras da Igreja – que foi várias vezes em cana pelos seus artigos, romances, peças de teatro e filosofia. Ali está também uma das catedrais góticas mais lindas que já vi.

Também cometemos em Langres a heresia de pedir o prato de queijos antes da entrada – para comer com pão e muito vinho nacional (para depois sair cambaleando pela noite fria, beatificados). Francês come queijo – salgado, claro – como sobremesa.

– Ora faça-me o favor! – reprovou a Tigra.

Cometemos essa heresia em toda França, apesar de uns raros olhares tortos e outros de aprovação.

Suspiros com chocolate

Sempre em homenagem a três das maiores invenções do gênero humano – pão, queijo e vinho, ou vinho, pão e queijo – e, como na Europa tudo é perto, resolvemos comer queijo suíço na Suíça.

Mais propriamente em Gruyères, onde os caras fabricam um tal de Gruyère, ora veja! Passamos a noite em Les Verrières, já Suíça, onde, num novissimo hotel de beira de estrada, pilotado por um casalzinho de portugueses, comemos um legítimo bacalhau do Porto, nadando no azeite de oliva e nevado de alho frito. Para regar, muito vinho francês.

Nas ruas e encostas, tudo cheio de gelo e neve, frio de matar, apesar da primavera. Outra vez, um amparando o outro, saímos a cambalear noturnamente pela aldeazinha dorminhoca, os pés fuic-fuic, esmagando o gelo no chão, que dormir com pança cheia daquele jeito não ia dar.

Gruyères, além do queijo de mesmo nome e chocolate com passaporte suíço, tem um castelo lindo, cravado em paisagem de cartão postal. Na cidadela do castelo compramos suspiros assados num forno feito em 1890, ainda na ativa.

Sempre fugindo de multidão e cidade grande (todas iguais), passamos a noite num hotelzinho em Montbovon, à beira da estrada e da ferrovia. Sábado, véspera da Páscoa, tive uma briga tremenda com a Tigra na hora de traçar o mais legítimo dos fundues já garfados na nossa bem levada vida.

Quase dá divórcio: ela queria tinto e eu do branco. Conselheiro matrimonial inato, o garção – que é ainda barman, camareiro, cozinheiro, porteiro, motorista, filho do dono e psicólogo – sugeriu meia garrafa de cada.

– É muito, mas vá lá, o que sobrar joga fora.

No ritual do enfia-o-pão-no-garfinho-mergulha-no-queijo-e-comme, bebemos as duas e depois mais meia. O casamento estava salvo.

Furando a pedra

Deixamos Montbovon e aceleramos para Montblanc, cortando a montanha pelos túneis de Grand St. Bernard a St. Pierre – ligando a Suíça à Itália – com 5.850 metros (18,70 euros, quase 60 paus).

Aberto do lado, ele substituiu a antiga estrada do Passo de São Bernardo (funciona de junho a setembro), ao pé da qual o santo construiu um mosteiro e hospital em 1050, treinando os tais cães São Bernardo com a barriquinha de conhaque na coleira, que socorrem soterrados na neve.

Outro túnel foi o Mont Blanc, entre Chamonix, na França e Courmayeur, na Itália, com seus 11,6 km de extensão. Foi lá que em 99 explodiu um caminhão, provocando 53 horas de incêndio, 39 mortos, 36 veículos queimados.

Reformado, hoje tem toda segurança – distância mínima de 150 metros entre os carros, túnel de fuga, porta corta fogo etc, etc. Custa 33,20 euros, só de ida, quase 100 paus. Perto dali está o túnel ferroviário de Simplon, construído no começo do Século XX, com seus 19.803 metros.

Já na Itália, tocamos para Aosta, para matar a saudade da boa terra, ouvir um pouco a língua dos avós e traçar presunto cru, tagliatelli ao funghi, capeletti com molho de queijo e vinho nacional, claro.

Henriques e Catarina

Voltamos para a França para dormir em Saint-Genix-sur-Guiers, outra joiazinha medieval, linda e cheia de história. Joana D’Arc combateu por ali. A próxima parada foi Vienne, onde há ruínas do templo que Augusto construiu para Lívia, sua mulher, certamente com o dinheiro dos gauleses.

Bem em frente ao templo, um simpático café ao sol, pilotado por duas belas irmãs portuguesas, esperava por nós, com bate-papo, cortesias e beijinhos de adeus. O próximo e exausto pernoite foi em Thiers, cidade famosa pela sua cutelaria – produz espadas e facas desde a idade média.

Na manhã do dia seguinte, estávamos em Chenonceaux para ver um dos mais bonitos castelos da França. Lá viveu a italiana Catarina de Médicis – a mulher de Henrique II e que ensinou os franceses a comer, com seus cozinheiros italianos. Foi rainha da França, mãe de três reis e ficou na história como mentora do massacre de protestantes na Noite de São Bartolomeu, 1572.

A Rainha Margô também enfeitou a paisagem ali em Chenonceaux; Margarida de Valois, filha de Catarina, casou-se com Henrique Rei de Navarra, que depois foi Henrique IV da França. Restaurado, o castelo expõe mobiliário completo – deviam ser todos baixinhos, já que portas, quartos e camas são minúsculos.

Até as panelas nas cozinhas que os caras usaram estão à mostra. Ficamos num hotel perto do Castelo, lindo, com cozinha estrelada pelo Guia Michelin. O tourraine, vinho regional é divinamente aveludado, casando bem com nosso herético prato de queijos, pernil de cordeiro e filé mal passado com pimenta verde.

E dá-lhe andanças noturno-cambaleantes numa noite deliciosamente fria, para ajeitar a comilança no pandulho e preparar o sono. Tinha lareira no quarto!

Ali, no Vale do rio Loire, estão centenas de castelos que os Henriques, Luízes, Felipes e outros endinheirados construíram às margens do rio- à custa do suor da tigrada, claro.

A região é belíssima. No caminho, dormimos em Saumur – igualmente ponteada de castelos de contos de fadas – uma das cidades mais bonitas e vivas em que estivemos. Seu famoso vinho branco frisante é feito como ensinou Don Perignon, do mesmo modo que o frade o fazia em Champagne. Mas como não pode usar o nome, custa metade da grana.

Saumur tem uma escola de equitação centenária, onde abriga um museu de carros blindados – que não fomos ver. Mas vimos moradias trogloditas cavadas na rocha a partir de cavernas, algumas das quais, hoje com água luz e telefone, ainda são usadas como lojas e depósitos de vinho.

Ronaldo e bruxas

Nessas alturas do campeonato já estávamos tomando a direção de Paris. No caminho visitamos o castelo de Chinon, onde em 1429 ( Brasil ainda dormia coberto) Joana D’Arc reconheceu o delfim – disfarçado de criado – que seria o futuro rei da França. Carlos VII montou para ela um exército para lutar contra os ingleses (Guerra dos Sem Anus, como diria aquela dançarina baiana).

Carlos, mais tarde, por razões de estado e medo de concorrência, ajudaria a assar a pobre Joaninha na fogueira da Igreja Católica, torrada por bruxaria (ouvia vozes). Pouco mais tarde, por razões sacro-estatais, a Igreja reabilitaria a bruxa. Santificada, já que morreu de fogo, passaria a santa protetora dos bêbados ribeirãopretanos, – como afirmavam os paus d’água da minha juventude

Às margens do Rio Vienne, Chinon é lindamente velha. Suas ruas antigas parecem cenário de filme da Idade Média.

O último castelo do nosso caminho foi o de Chambord, que ficou mal afamado pelo casamento do Ronaldinho com a intelectual Cicarelli. Duração total do evento: 15 minutos, mas de vida conjugal, não o casamento, que demorou dois dias, segundo Caras.

Super empetecado de torres e parangolés, a orgia arquitetônica de Chambord lembrou-me o delírio de poder dos Papas expresso na Basílica de San Pietro, em Roma. Cada Papa querendo ser mais best que o anterior, inventou um treco para construir, um santo a esculpir, um troço para entulhar dentro da basílica, com resultado estético grotesco.

A imensidão de Chambord – 1.800 pedreiros trabalharam nele – impressiona e faz calcular quanto roubo e gordura foram arrancados do couro alheio para erguer aquelas pedras e manter a casa de campo de Franciscos, Henriques, Felipes, Luízes, dentre outras gentes ditas bonitas.

Enquanto isso a tigrada roia o osso e digeria a raiva, silenciosamente. Eu ali olhando Chambord, pensando nos gols do Ronaldinho, nos 700 anos de gestação da Revolução Francesa, no ódio cevado pela elite sacana e no Zaaaapppp! (barulho da lâmina do Dr. Guillotin no pescoço dos malacos).

– Desole majestê, mas zaaapppp pra vosmicê! Allonsanfans de la patrieiêêê, lê jour de gloire est’arrivê Dá sempre nisso.

Dali para o aeroporto Charles De Gaulle foi um tirinho, descontado um engarrafamento monstro no anel viário de Paris. Ambulâncias, carros de bombeiros, policiais varavam uivando.

– Fecha os olhos, vai ter gente moída no asfalto.

Que nada! Um só carro quebrado, como na 23 de Maio, e os privilégios perfurantes dos que têm sirenes. Como aqui.

Tirando a revista minuciosa e rigorosíssima para entrar no avião – tive de tirar cinta, sapato, passar no Raio-X, detetor de metais, só faltou detetor de mentiras – policial algum encheu mais o saco. Acho que não estavam preocupados que deixássemos a França do Ano do Brasil na França.

Mas, veja você, essa chatice eu aprovo numa boa. Porque, se tem pente fino em aeroporto, é sinal que psicopata algum vai explodir aquela merda no ar, comigo dentro.

A volta teria sido até boa, não fosse o vinho da TAM, que me deixou cego de dor de cabeça. Da Argentina, que também tem bons vinhos, escolheram o pior.

Mas depois que a cabeça passa, é só alegria. Então, vive la France. E viva você, viva tudo, viva o Chico Barrigudo!

Beijos do

Mic e Anita


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