A renovação do cinema brasileiro na última década, passa diretamente pelo nome de Bráulio Mantovani. Roteirista de Cidade de Deus – filme apontado por muita gente como o melhor da história nacional -, ele está por trás das maiores produções cinematográficas dos últimos anos, como Tropa de Elite 1 e 2. Com apenas 48 anos, Mantovani, que estudou Letras e Literatura na PUC de São Paulo, é um dos principais responsáveis pelo respeito mundial que o Brasil reconquistou na sétima arte.
Apesar de ser conhecido do grande público pelo trabalho no cinema, o roteirista começou no teatro amador e garante se sentir mais à vontade com a linguagem dos palcos. Não é à toa que seu trabalho mais recente é a peça Menecma, que estreou em abril no teatro do SESI, em São Paulo. A produção, dirigida pela cineasta Laís Bodanzky, ficou em cartaz até o dia 26 de junho. Este é um dos vários assuntos tratados por Mantovani em conversa com o Paulista 900. Confira a entrevista abaixo, em que o roteirista fala sobre antigos, atuais e futuros projetos.
Paulista 900 – Como começou seu trabalho como roteirista?
Bráulio Mantovani – Uma colega de faculdade, a Maria Bacelar, era casada com um diretor de cinema, o Adilson Ruiz, que hoje é professor da UNICAMP. Eu participei da montagem de um documentário dele e assim comecei a mexer com vídeo. Depois disso, ele me convidou para escrever um média-metragem em parceria com a Maria, e essa foi a minha primeira experiência profissional. Muito tempo depois, passei a trabalhar como roteirista de vídeos empresariais, industriais e institucionais. Umas coisas bem chatas, fiz bastante disso na vida. Morei um tempo fora do Brasil e quando fui para Espanha descobri que tinha um mestrado de roteiro de cinema. Acabei me matriculando. Voltei para o Brasil e comecei a trabalhar com educação a distância. Fiz centenas de roteiros do Telecurso 2000, trabalhei para a Cultura, para o Futura e para o Ministério da Educação. Em dois desses projetos educativos, trabalhei muito próximo do Fernando Meirelles. Foi aí que ele me convidou para escrever o Cidade de Deus. E, antes mesmo de o filme circular, o Fernando começou a me indicar para pessoas e eu comecei a fazer roteiros de longas. Hoje, eu vivo, exclusivamente, disso.
P.900 – Vários de seus roteiros tratam sobre violência. Como consegue escrever com tanta verossimilhança sobre o tema?
B.M. – Eu vim da periferia, cresci ao lado da favela Heliópolis. Tive um primo traficante que vivia sendo preso, por isso a violência era uma coisa muito presente na minha família. Tem até uma cena do Cidade de Deus que é parte das minhas lembranças. Quando o Cabeleira, bem no começo do filme, chuta uma bola para o alto e dá um tiro nela, isso não é do romance, é uma coisa que o meu primo fez em um jogo de futebol e eu inclui no roteiro (risos). Quer dizer, o mundo da periferia não é nada estranho para mim, ainda que eu nunca tenha convivido com o crime, eu venho de família pobre, proletária, então eu cresci ali na periferia do Ipiranga. Não precisei me aproximar do tema, eu sempre convivi com ele.
P.900 – Seu trabalho mais recente é a peça Menecma, quando começou a escrevê-la?
B.M. – Eu escrevi a primeira versão quando eu estava na Espanha, em 1992. Depois, quando eu descobri a palavra “menecma”, retomei o texto e fiz algumas modificações. Um pouco antes da montagem, fiz uma grande modificação. Depois, durante os ensaios, eu também mexi muito nos textos. Para publicar, mexi mais um pouco, então, o que vai ser publicado é uma versão totalmente nova.
P.900 – De onde veio esse título estranho?
B.M. – Antes, o nome era Em Nome do Pai e só depois eu descobri a palavra “menecma”, que eu não inventei, está no dicionário. Achei que ela era perfeita para o meu texto. Tem tudo a ver, porque a peça tem sósias e “menecma” é um sinônimo de sósia. Além disso, a origem da palavra está no teatro, em uma comédia de Plauto. E teatro é também um tema do texto, porque tem toda a questão da metalinguagem. Só não foi Menecma desde o começo, porque eu não conhecia a palavra.
P.900 – Quais são as diferenças de escrever para teatro e cinema?
B.M. – São coisas completamente diferentes. Eu também tenho um romance publicado (Perácio – relato psicótico) e posso dizer que são modalidades de escrita muito diferentes. Enfim, são artes diferentes. Ainda que em todas elas o que eu faço é escrever, são modos muito diferentes de pensar. No cinema, você tem de pensar com imagens, no teatro com diálogos e na literatura é a palavra, o texto em si. É como o caso de um artista plástico, faz esculturas, pinturas e instalações. São formas diferentes de se expressar. São, simplesmente, coisas diferentes e cada uma tem sua maneira certa de ser feita.
P.900 – Quais são seus futuros projetos?
B.M. – Estou trabalhando em uma adaptação do Código da Vida, de Saulo Ramos. E, em breve, vou começar um projeto internacional com o Fernando Meirelles. É uma produção franco-inglesa, da Pathé. A história fala do possível envolvimento do Aristóteles Onassis (magnata grego) no assassinato do Robert Kennedy. O roteiro é com base em um livro de um jornalista inglês chamado Peter Evans, que tinha escrito uma biografia do Onassis. Depois de ter o livro publicado, um advogado do Onassis falou para ele que ele tinha perdido a parte mais importante da história. Ele ficou cutucando o assunto e tentando descobrir qual era essa parte mais importante. Foi assim que ele descobriu a suspeita de que o Onassis tinha financiado o assassinato do Kennedy. O grego tinha, de fato, ligações com terroristas da palestina. Eles estavam chantageando Onassis, em troca de não sequestrarem os aviões da companhia área dele, o que era uma prática comum na década de 1970. O Onassis, inclusive, achava super normal que os terroristas viessem pedir dinheiro para não sequestrarem um avião, ele achava que era bussines as usual (risos). Bom, ele tinha muita raiva do Robert Kennedy, eles tinham uma briga antiga e ambos se odiavam e isso nunca ficou muito claro isso. Ele chegou a dizer para uma pessoa que ele tinha sido o responsável pelo assassinato.
Essa entrevista foi originalmente publicada no site Paulista 900.
Em tempo: O romance de Mantovani, citado na entrevista, é um dos dez finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura 2011. O vencedor será anunciado dia 1º de agosto.
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