Domingo passado, foi Ronaldo Fenômeno que ressuscitou pela terceira vez ao marcar o gol de empate do Corithians contra o Palmeiras, que a televisão não parou ainda de reprisar.
E é hoje a aguardada noite da volta por cima de outro artista, meu amigo João Carlos Martins, o grande pianista brasileiro que virou maestro e já passou por nove cirurgias para poder tocar novamente – esta é a sua sexta ressurreição.
Aos 68 anos, empolgado como no dia da sua estréia, menino prodígio de 13, no momento em que subir ao palco da Sala São Paulo, às 21 horas, para a abertura da temporada 2009 da Orquestra Bachiana Firlarmônica, João Carlos Martins estará começando mais uma vida nova em sua acidentada carreira.
A vida deste artista aplaudido pelas platéias das maiores salas de concerto do mundo foi marcada pela superação de graves problemas físicos nas mãos e nos braços, que por cinco vezes o obrigaram a deixar o piano.
Para agradecer os ingressos que me enviou, falei com ele agora de manhã e fiquei contagiado com sua alegria por poder voltar a fazer o que mais gosta na vida – a exemplo do que aconteceu no futebol com o Ronaldo Fenômeno apenas três dias atrás.
Fanático e raro torcedor da Portuguesa, Martins, como faz todos os dias, acordou às 5h30 da manhã. Me conta que fez duas horas de fisioterapia em sua casa para poder tocar com pelo menos dois dedos da mão direita e, em seguida, subiu e desceu quatro vezes as escadarias do prédio de 11 andares para fortalecer as pernas.
Para reger a Orquestra Bachiana na Heróica, a sinfonia mais complexa e difícil de Beethoven, que dura 48 minutos, não basta ser artista.
Tem que ter fôlego de atleta e memória de elefante, pois, como não tem mais força muscular nos braços para poder virar as 10 mil páginas da partitura, ele teve que decorar tudo.
João Carlos Martins agora rege e toca de ouvido, como se dizia antigamente. Costuma perder nesta brincadeira uns dois quilos por apresentação, o mesmo que um jogador de futebol.
Martins lembra uma curiosidade desta sinfonia de Beethoven, que foi originalmente dedicada a Napoleão. “Quando percebeu que o Napoleão tinha virado um ditador, Beethoven rasgou as partituras com a dedicatória”.
Nas cirurgias, os médicos fizeram aplicações de botox para fortalecer mãos e braços do pianista, mas o procedimento tem prazo de validade limitado e o efeito pode acabar de uma hora para outra.
A grande prova para ele como pianista vai ser na hora de executar Rachmaninoff – além dele e Beethoven, estão no programa também Mozart e Morricone.
E se não conseguir, se as dores voltarem?
“Se sentir que está acabando o efeito do botox, eu simplesmente paro e explico ao público o que está acontecendo. Mas, do jeito que eu me conheço, isto não vai acontecer, vou até o fim”.
A primeira ressurreição de Martins aconteceu em 1967. Depois de um longo tempo parado, usou dedeiras de aço para a reestréia num concerto em Nova York. O problema voltou, teve que parar de novo e só em 1979 voltou a tocar. Aos 53 anos, nova parada, desta vez em consequência da LER, a sindrome dos movimentos repetitivos que deixou suas mãos paralisadas.
O pior momento para ele, no entanto, aconteceu durante um assalto que sofreu na Bulgária e deixou como sequela uma grave lesão cerebral. Sem poder mais tocar piano, recentemente Martins virou regente na sua quinta ressurreição. Pergunto como se sente no dia da sexta volta, agora como pianista e maestro.
“É a mesma sensação de quando subi ao palco pela primeira vez no início da minha carreira. Sinto o corpo mais quente, como um touro que vai para a arena e precisa liquidar o toureiro. Eu sempre torci para o touro”
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