Vista da janela da redação de Brasileiros, em Pinheiros, São Paulo - Foto: Hélio Campos Mello
Vista da janela da redação de Brasileiros, em Pinheiros, São Paulo – Foto: Hélio Campos Mello

Cem números da Brasileiros atrás, o Brasil era diferente. Em 2007, o clima na economia era favorável e o ambiente político mais saudável. Assim foi até meados do ano passado, quando a economia começou a degringolar e a política a azedar. Na receita para a mudança, o governo entrou com uma parte de incompetência e outra de inapetência. A oposição também entrou com duas partes, uma de mesquinhez e outra de hipocrisia. Se o governo e seu partido, o PT, desde a posse em janeiro de 2015 até hoje, não têm e não sabem como se defender da artilharia monotemática vinda da Justiça e da mídia, o PSDB, que a cada dia perde mais um pouco da credibilidade que um dia teve, sofre com a vaidade míope e egocentrada de FHC e com a agressividade infantil de Aécio Neves. Eles parecem se esforçar para empurrar para cada vez mais perto da porta de saída tucanos emplumados, como José Serra e Geraldo Alckmin. E consta que estão tendo sucesso.

Sobre as agruras do governo, um insuspeito diagnóstico está sendo trabalhado por André Singer, ex-porta voz da presidência da República, professor do Departamento de Ciência Política da USP e pesquisador do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic) da FFLCH-USP. O alentado trabalho, em produção, se chama Cutucando Onças com Varas Curtas e de sua introdução aqui reproduzimos um instigante trecho:

Na noite de 30 de abril de 2012, o tradicional discurso dos presidentes lulistas aos trabalhadores por ocasião do Primeiro de Maio veio com sabor diferente. Em lugar do cardápio algo insosso de avanços lentos sem confronto político, a primeira mandatária mulher ofereceu ao público prato apimentado. Dilma Rousseff dedicou o pronunciamento a atacar os bancos. “É inadmissível que o Brasil, que tem um dos sistemas financeiros mais sólidos e lucrativos, continue com um dos juros mais altos do mundo”, asseverou em rede nacional de rádio e TV. Do alto dos 64% de aprovação de que então dispunha, concluiu confiante: “Não vamos abrir mão de cobrar com firmeza de quem quer que seja que cumpra o seu dever”. No caso, o dever era a redução dos juros para garantir o crescimento da economia. O gesto presidencial funcionava como ponta do iceberg da guerra desenvolvimentista, centrada naquele momento na “batalha do spread”, etapa decisiva da conflagração.

De 2011 a 2012, em iniciativa de audácia inesperada, os desenvolvimentistas invadiram a cidadela sagrada das decisões monetárias e avançaram aos saltos, pressionando instituições privadas para reduzirem os próprios ganhos, com o apoio das divisões pesadas dos bancos públicos e de ousada mudança nas regras da poupança. Quando a refrega parecia ganha, abrindo caminho para horizontes rooseveltianos, o poderoso Banco Central voltou a elevar a taxa Selic (abril de 2013) e, na prática, devolveu ao mercado financeiro controle sobre parte fundamental da política econômica. A decisão tornava manca a perspectiva de retomada do desenvolvimento nacional e paralisava o avanço progressista quando ele soava irresistível.


Perdido o ponto de apoio que lhe permitia andar, a proposta desenvolvimentista para. Procura preservar medidas de estímulo industrial que não dependiam da Selic, mas sabe que pouco conseguirá avançar, remando contra a correnteza dos juros. Seguem-se dois anos penosos, em que o cerco a favor de reversão neoliberal completa ganha cada vez maior adesão na burguesia, na classe média tradicional, em setores da nova classe trabalhadora e até entre personalidades influentes sobre Dilma. No Planalto e no Ministério da Fazenda, agora sitiados, não há qualquer iniciativa de pedir ajuda a quem quer que seja. Resistem em silêncio, recuando rua a rua, casa a casa. Nesse contexto defensivo, a eleição presidencial de 2014 é vencida, a pouca distância do adversário, pela candidatura Rousseff com surpreendente discurso desenvolvimentista. Simultaneamente, o ministro-chefe do desenvolvimentismo, Guido Mantega, é demitido em plena campanha.


Eleita, Dilma decide fazer o contrário do prometido e cumprir o que os promotores do cerco exigiam desde o fim de 2012: um choque recessivo. Sobrevém a nomeação de conhecido ortodoxo para chefiar a economia. A perspectiva de acelerar o lulismo acaba por produzir a pior recessão desde 1992, com desemprego em massa e queda na renda dos trabalhadores. Vencida e humilhada, a antiga chefe das hostes desenvolvimentistas, agora reduzida a 13% de “popularidade”, não consegue sequer usar a rede obrigatória no Primeiro de Maio de 2015, temerosa de provocar panelaço semelhante ao que ocorrera, um mês e meio antes, por ocasião de pronunciamento relativo ao Dia da Mulher.

A mudança nos humores acirrou outros problemas. Um deles, como diz nesta nossa edição comemorativa o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, é o ódio com o qual convivemos hoje. Um ódio jamais presenciado. E os problemas seculares, como o preconceito, uma praga que divide o País, manchete de nosso primeiro número. O ator Lázaro Ramos, cuja foto estampava a capa daquela edição, reclamava de ser sempre citado como exceção. Casado com Taís Araújo, tão negra e bela quanto ele, Lázaro era uma exceção por ser um negro bem remunerado, bem-sucedido. Taís Araújo acabou também sendo vítima desta praga que continua a dividir o Brasil.

“Te pago com banana”, “Me empresta seu cabelo aí pra eu lavar louça”, recebeu a atriz em seu perfil no Facebook. A atriz se revoltou:

“É muito chato, em 2015, ainda ter que falar sobre isso, mas não podemos nos calar. Na última noite, recebi uma série de ataques racistas na minha página. Absolutamente tudo está registrado e será enviado à Polícia Federal. O negro brasileiro passa por isso diariamente.”

O jogador do São Paulo Futebol Clube Michel Bastos, depois de fazer o terceiro gol no 3 a 0 diante do Sport Recife, acabou se desentendendo com a torcida de seu próprio time. Negro, ele foi alvo na mesma rede social, após o jogo, de várias agressões, inclusive a seguinte barbaridade: Macaco negro safado respeita a torcida, otário vagabundo faz por merecer o dinheiro que recebe!!

Tudo isto nos preocupa e nos revolta. Apesar disso, costumamos dizer que nossa essência não mudou porque continuamos focados no Brasil e mantemos com equilibrado orgulho o nome Brasileiros, onde se incluem brancos, amarelos, negros, índios, argentinos e todos os outros imigrantes. Buscamos sempre fazer jornalismo com honestidade, defender que é possível ser competitivo sem precisar ser predador nem achincalhar o outro. Olhar o Brasil com olhos comprometidos com sua História, sua Cultura e seu Povo é nossa obrigação.

As marchas e as contramarchas que atravessamos foram bem notadas e anotadas pelas personalidades que nos deram a satisfação de estar em nossas capas, como o deputado Jean Wyllys, Maria Victoria Benevides, Raí, a consulesa Alexandra Baldeh Loras, Luiza Erundina, Renato Janine Ribeiro, José Simão, Paulo Sérgio Pinheiro, entre outros tantos, cujos depoimentos publicamos nesta edição.

A Brasileiros cresceu ao longo destes 100 números.

Lançamos um caderno de Literatura e um de Economia.

Sua presença nas plataformas digitais se firmou e cresceu para áreas de conteúdo de informação sobre tecnologia e sobre saúde.

Agradecemos aos nossos parceiros, colaboradores, apoiadores e leitores.

Que venham mais cem números.

*Diretor de redação de Brasileiros


Comentários

Uma resposta para “Apesar do ódio”

  1. Avatar de Welbi Maia Brito
    Welbi Maia Brito

    O PSDB está unido e organizado. Focado em fazer oposição ao governo Dilma. Já o PT em frangalhos. Os grupos de Dilma e Lula em guerra pelo poder interno do partido. Um tenta salvar o governo, o outro tenta de descolar do desgaste da presidentA, na tentativa de viabilizar a candidatura de Lula para 2018. Acho que nenhum dos dois se salvará.

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