Um ano depois da primeira tentativa, incontáveis trocas de e-mails e telefonemas, e uma tragédia familiar no meio, finalmente meu amigo Augusto Diniz, jornalista e produtor musical dos bons, conseguiu trazer o cantor e compositor Riachão, grande sambista baiano, de volta a São Paulo.
Nos dias 7 e 8 de novembro, sexta e sábado da semana que vem, ele estará se apresentando no palco do Sesc Pompéia. Todas as dificuldades enfrentadas pelo produtor para trazer a São Paulo o show deste notável artista popular, desde o final de 2007 até a semana passada, ele conta no texto enviado para os leitores do Balaio, que publico abaixo:
No final do ano passado, o departamento de programação musical do Sesc Pompéia me telefonou perguntando se gostaria de produzir um show do cantor e compositor Riachão. Ele seria uma das atrações dentro de um projeto extenso, que aconteceria em janeiro e fevereiro na unidade, com a presença de músicos de diversos gêneros.
Topei na hora. Porém, tinha um primeiro desafio. Falar com a pessoa certa. Antes, o Sesc Pompéia não tinha obtido sucesso nessa empreitada. Apareceram duas pessoas se anunciando empresários do artista e cobrando os tubos para ele cantar em São Paulo.
No entanto, consegui contato com a sua filha caçula. Depois de alguns dias de negociação, acertamos o cachê de Riachão, acompanhante de Salvador a São Paulo, já que a sua idade (dia 14 de novembro ele faz 87 anos) e a saúde não permitem que se desloque sozinho por aí. Definimos o roteiro musical (algumas músicas não tinham nem registro), hospedagem etc..
O ano virou e nos primeiros dias de janeiro liguei para a filha do Riachão para darmos prosseguimento à produção do show. Riachão se apresentaria logo após o Carnaval. Tentei contato por telefone uma, duas, três vezes, e nada. Liguei para um amigo de Salvador e ele me esclareceu: uma tragédia abateu a família de Riachão.
Em uma nova tentativa de contato com a filha, por e-mail, consegui saber o que houve. Num relato comovente, ela escreve que a mãe, a irmã e o marido dela, e a cunhada sofreram um acidente de carro no Rio e todos morreram. Um irmão dela, que também estava no veículo, faleceu dias depois. Sem a mulher e dois filhos, a família de Riachão estava destroçada. E, eu, estarrecido.
Trocamos mais alguns e-mails. Sofrimento, dor, abalo, busca de força divina e incredulidade. As mensagens caminhavam pelos significados dessas palavras, em um tom de dramaticidade angustiante.
No meio deste ano, tentamos novamente reagendar o show que havia sido cancelado por conta da tragédia familiar. Nada feito. A dor tinha tomado conta do mais representativo sambista da Bahia. Já não se sabia mais se um dia ele voltaria a cantar.
Clementino Rodrigues, o Riachão, nasceu na Língua de Vaca, bairro do Garcia, em Salvador. Seu modo peculiar de compor tem características de crônica. Em suas letras, quase sempre irreverentes, apresenta o povo baiano a partir da antiga Salvador, com suas baianas, malandros e capoeristas atrevidos.
Riachão foi o primeiro compositor da Bahia a ser gravado no Rio de Janeiro após Dorival Caymmi, ainda na década de 50. As músicas foram “Meu patrão”, “Saia rota” e “Judas Traidor”, interpretadas por Jackson do Pandeiro.
Nos anos 70, Riachão teve um samba proibido pela censura. A música se chama “Barriga Vazia” cuja letra fala sobre a miséria: “Eu de fome vou morrer primeiro / Você, de barriga cheia, também, vai morrer um dia”.
Em 2001, o diretor Jorge Alfredo lança o filme “Samba Riachão”, realizando uma viagem pela história da música popular brasileira, através dos olhos de Riachão. Um punhado de artistas do primeiro time da MPB participa do filme.
Seus registros fonográficos incluem os discos “O Samba da Bahia” (1973; c/ Batatinha e Panela), “Sonho do malandro (1981)” e “Humanenochum (2000)”. O sambista tem ainda composições gravadas por Caetano Veloso (“Cada Macaco em Seu Galho”), Cássia Eller (“Vá Morar com o Diabo”), dentre muitos outros.
Em outubro, a pedido do Sesc Pompéia, retomei o projeto de tentar trazer Riachão para São Paulo. As minhas esperanças eram parcas. Esperava tudo, menos que ele aceitasse fazer o show. Mas Riachão topou. O sobrinho que está cuidando da produção dele disse que há alguns dias lembrou de mim e estava mesmo querendo conversar comigo. Fechamos tudo então, finalmente para valer.
Feliz, aliviado e emocionado, informo que nos dias 7 e 8 de novembro (sexta-feira e sábado da semana que vem), a partir das 21 horas, Riachão, ao lado de outros três expressivos sambistas baianos – Mariene de Castro, Nelson Rufino e Roberto Mendes -, se apresenta no Sesc Pompéia (rua Clélia, 93), em São Paulo.
O projeto, intitulado “Bahia de todos os sambas”, mostrará as diferentes variáveis do gênero na Bahia – partido alto, samba de coco e samba do recôncavo. Riachão vai estar de novo com a gente. Não foi fácil, mas valeu a pena.
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