Aqui se espiona

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O maior serviço de inteligência dos Estados Unidos não nasceu ontem. A National Security Agency (NSA), ou Agência de Segurança Nacional, tem predecessores que datam a Primeira Guerra Mundial. Em 1917, o Exército americano criou a seção de códigos de seu setor de Inteligência. E a modesta subdivisão foi crescendo, digamos, como a planta carnívora do filme A Pequena Loja de Horrores. Em 1951, o então presidente americano Harry Truman colocou seu jamegão no decreto de criação da grande agência, que fazia parte do Conselho Nacional de Segurança. A essa altura, porém, o organismo de vigilância já estava interceptando comunicações internacionais de modo corriqueiro, embora não tão eficaz como viria a fazer anos depois.

A prerrogativa principal da NSA é interceptar e interpretar comunicações. De modo geral, o povo americano, que paga a conta desse serviço, concorda e aplaude essa função. Contanto, claro, que a espionagem seja feita apenas contra estrangeiros. Na base de “pimenta no olho dos outros é refresco”. Já na área doméstica, existe o grande – mas cada vez encolhendo mais – empecilho da Quarta Emenda da Constituição, que garante o direito de privacidade. Além disso, em 1978 o Congresso passou a lei Foreign Intelligence Surveillance Act (ou Lei de Vigilância de Estrangeiros), que criava uma corte secreta para autorizar, ou não, a arapongagem a cidadãos do país. “Qualquer ato de espionagem sobre um americano, seja por telefone ou internet, deve ter autorização prévia de uma corte especial, que emite mandato de segurança permitindo a interceptação”, diz o professor Ary Webster, ex-juiz e autor de tratados sobre a Constituição dos Estados Unidos.

Porém, e com a NSA sempre há um porém, os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 escancararam os portões da bisbilhotice, fazendo cair a última fortaleza da privacidade doméstica no país. A agência passou a grampear telefones e endereços particulares de cidadãos americanos na internet, logo depois dos atentados, mas só se descobriu isso anos mais tarde. O governo George W. Bush, invocando – erradamente, diga-se – prerrogativas do “Ato Patriota” (conjunto de leis dando poderes excepcionais ao Executivo), encomendou a xeretice geral. Houve choro e rangeres de dentes quando, ainda em 2005, a imprensa descobriu a manobra ilegal.

O Congresso ativou uma CPI e apurou que o governo Bush não estava buscando os mandatos de segurança para as operações. Houve pressão da Casa Branca para que essa exigência caísse, mas não houve jeito. Os legisladores reforçaram os dispositivos legais para que vigilâncias domésticas viessem acompanhadas de ordens judiciais. O Executivo, no entanto, conseguiu permissão para interceptar transmissões feitas para fora do país, por um cidadão americano. Ou seja, ligações telefônicas, por exemplo, que estabeleçam contato com o exterior estarão sujeitas a escrutínio.

Para o público externo, o mais importante é que toda essa obsessão com espionagem eletrônica gerou enorme capacidade de ação, multiplicando as ferramentas à disposição da NSA. A agência quebrou, em nível global, todos os maiores códigos protetores de transações bancárias, comerciais, industriais, científicas e até de fichas médicas de incautos. Fez mais: convenceu empresas que atuam nos Estados Unidos – nacionais ou multi – a lhes abrir portas secretas em seus programas codificadores digitais. 

AT&T, Verizon, Sprint e inúmeras outras empresas privadas de telecomunicações foram pressionadas para fornecer esse acesso. O governo também arranjou meios de modificar até mesmo processadores e chips de computadores a serem vendidos mundialmente, para ter entrada secreta no rol de suas atividades. Assim, ao comprar um sistema de computação, a pessoa, empresa ou governo já leva uma peça vulnerável, que dá passagem aos arapongas da NSA.

Ou seja, o governo brasileiro, cujos computadores têm processadores da Intel e sistema operacional da Linux e Microsoft, está com seus arquivos, e-mails e todas as funções da máquina expostos como em vitrines. E mais: a agência americana tem um programa supersecreto, capaz de decifrar 99% de novas codificações. Esse megaespião chama-se Bullrun. A ferramenta foi revelada pelos papéis divulgados por Edward Snowden, ex-funcionário de empresa particular prestadora de serviços para a NSA.

“O processo de colheita de dados começa antes mesmo de a informação ser codificada. Inúmeras empresas particulares multinacionais deram e ainda dão aberturas secretas em seus produtos para serem explorados pela NSA”, disse à Brasileiros Jeremy Alston, dono da empresa de segurança na internet AllStorm. “Em 2011, o público ficou sabendo que a NSA era capaz de decifrar mensagem codificada pela Secure Sockets Layer, ou SSL, que é usada universalmente na rede, e agora sabemos também que quebraram a codificação da Virtual Private Networks, ou VPN, que protege data nos aparelhos 4G. “Com a ajuda da parceira britânica Government Communications Headquarters, ou GCHQ, agora estão bisbilhotando e armazenando os tráfegos de empresas como Yahoo!, Google, Facebook, Hotmail e outras redes”, diz Alston.

Como se não bastasse a mãozinha britânica, a NSA ainda conta com outros três parceiros, formando um quinteto com acesso irrestrito ao cyberspace. Canadá, Austrália e Nova Zelândia estão na equipe multinacional de espionagem eletrônica. “Ainda não foi bem investigado, mas há forte indicação de que a NSA mantém também laços de muita cooperação com Israel”, diz Donald Schwartz, analista da empresa Devron Inc., de segurança na internet.

O jornal The New York Times revelou que a NSA gasta US$ 25 bilhões apenas com o programa Sigint Enabling Project, que alicia companhias privadas para mostrarem previamente seus produtos para a agência que, por sua vez, irá influenciar nos designs. Melhor dizendo, a NSA cria abertura secretas nos produtos, às vezes sugere modificações para poder colher dados de modo mais eficiente. Isso antes mesmo do item ir ao mercado. Na Microsoft, por exemplo, agentes do governo trabalharam em conjunto com os engenheiros da companhia para obter de modo definitivo acesso aos programas populares como Outlook, Skype Internet e SkyDrive (a nuvem armazenadora de dados operada pela empresa). Fora isso, a NSA plantou uma falha fatal no padrão adotado por 163 filiados na International Organization for Standartization, organismo internacional de medidas que garante unidade nas operações mundiais na internet. É o proverbial bode tomando conta da horta. 


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