Cofundador da Associação Brasileira da Pedagogia de Emergência, que capacita educadores que atuam no Brasil para lidar com crianças em situação de vulnerabilidade social, Reinaldo Nascimento é também voluntário da associação alemã Freunde der Erziehungskunst Rudolf Steiner (Amigos da Arte de Educar de Rudolf Steiner), que atua em campos de refugiados e em locais que passam por grandes catástrofes naturais. A proposta é trabalhar com crianças e adolescentes com traumas psíquicos – a associação tem cerca de 400 voluntários, entre educadores, pedagogos, médicos e terapeutas.
Nascimento, 38 anos, nascido em São Paulo, é o único brasileiro da equipe de oito educadores sociais atuando no Iraque. Eles estão em campo de refugiados em Zahko, perto de Mossul, a terceira maior cidade iraquiana depois de Bagdá e Basra, que foi capturada pelo Estado Islâmico em 2014. É a peça mais importante no califado que o grupo terrorista tenta implantar com a ocupação e consequente eliminação de fronteiras de parte da Síria e do Iraque.
A tentativa de retomada do controle de Mossul por uma coalizão de forças oficiais iraquianas vindas de Bagdá, de soldados do Curdistão baseados em Erbil e de milícias xiitas apoiadas pelo Irã, com o apoio aéreo e logístico norte-americano, faz da cidade o palco de uma guerra sangrenta. O EI, para defender o território ocupado, usa de todos os armamentos, inclusive ataques suicidas com carros e motocicletas, e franco atiradores posicionados nos telhados das casas. Nas residências ocupadas, armadilhas explosivas são instaladas e seus moradores são tomados como reféns. Um verdadeiro inferno.
Não há números exatos, mas estima-se que, antes da ocupação do Estado Islâmico, Mossul tinha uma população de mais de 2 milhões de pessoas e, segundo a ONU, 1 milhão e meio lá permanecem. Ainda segundo a ONU, 1 milhão de habitantes devem ser desalojados pela guerra e 700 mil vão necessitar de abrigo.
Campos de refugiados, a poucos quilômetros de Mossul, crescem aceleradamente. Entre as vítimas do conflito, milhares de crianças e adolescentes que sofrem opressões étnicas, vivenciam a guerra e são torturadas. Algumas são usadas como soldados.
Zahko, onde a equipe da qual Reinaldo Nascimento faz parte está, fica perto de Erbil, cidade curda, a 80 quilômetros ao norte de Mossul. Por meio de artes, jogos, tempo livre para brincar, essa equipe cria recursos de sobrevivência para essas crianças e adolescentes soterrados por conflitos. Hoje, no diário Pedagogia de Emergência, Nascimento traz mais um relato do trabalho que está fazendo por lá.
Zahko, 8 de novembro de 2016.
Chauani? As bachim! Como vai você? Estou bem!
Eu gosto muito de idiomas e sempre tento aprender o máximo durante as intervenções. Eu sempre me divirto. Ontem, quando terminei de escrever deveria ter dormido, mas resolvi preparar toda a minha aula em curdo e quase não dormi, mas foi muito divertido! Como educador físico e pedagogo de vivencia tenho a “sorte” de precisar de poucas palavras: direita, esquerda, pra frente, pra trás, gato, rato, corram, devagar, rápido, vocês são muito bons! Banana, maçã e outras! Eles se divertem muito, pois falo quase tudo errado e eles adoram o meu sotaque e eu estudando a noite inteira achando que falaria o curdo mais clássico do mundo! Mas a aula foi um sucesso!
Eu conheci o Amir em 2014, numa das intervenções mais intensas que já participei. Era criança demais! Em alguns dias chegamos a trabalhar com 800 numa única tarde. Tínhamos 15 voluntários curdos. O mais novo tinha 13 e a mais velha uns 24. Apesar do cansaço, foi uma intervenção superespecial. Esses jovens tinham percebido que só colchões, comidas e roupas não estavam ajudando essas pessoas como imaginaram. Eles entraram em contato conosco por meio das autoridades curdas, que conhecem o nosso trabalho, e juntos atendemos mais de três mil crianças. Incrível!
O Amir ficou sabendo que eu estava aqui e veio ao meu encontro. Ele chegou na hora da oficina e confesso que fiquei um pouco chateado, pois não poderia falar com ele como gostaria. Eu me desculpei por não ter tempo e ele, com aquela cara de pau, disse que sabia que eu daria a oficina e por isto veio nesse horário. Ele me disse que estava com muitas saudades dos jogos e das brincadeiras. Em sua homenagem, refiz algumas daqueles jogos e brincadeiras!
Amir cresceu. O trabalho em 2014 mexeu muito com ele. Hoje, é presidente de uma associação que trabalha com voluntários para prestar auxílio aos refugiados. Ele me prometeu voltar amanha só para tomarmos chá!
…
Eu realmente estou cansado! Dormi pouco, mas estou superfeliz! Foi um dia especial! Quem me conhece sabe o quanto gosto e aprecio o trabalho com os jovens. E ter revisto Amir com todo o seu engajamento foi incrível!
Muitas pessoas têm me escrito. Desejando boa sorte. Enviando pensamentos bons, orações, beijos e abraços. Querem saber se estou dormindo bem? Comendo bem? Eu estou dormindo pouco, mas é sempre assim durante as intervenções. A cabeça não para. Muita coisa para organizar, muitas crianças com suas histórias em nossos pensamentos. Pais desesperados, jovens largados. Eu ainda quero escrever mais sobre os jovens. É uma tristeza a situação dos que trabalhavam e estudavam tanto em suas cidades e hoje vivem o dia inteiro esperando por alguma coisa, qualquer coisa além da noite e do dia…
Se você vir uma criança ou um jovem hoje em qualquer lugar, e você verá, dê um sorriso para ele! Aqui um simples sorriso ou um aceno curam!!!
S bahe – Até amanhã
Reinaldo
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