Araçuaí, nome indígena que significa araras grandes, possui 35.713 habitantes e fica no Vale do Jequitinhonha, nordeste de Minas Gerais, a 678 quilômetros de Belo Horizonte. O município tem 66 comunidades rurais. Algumas são distantes e de difícil acesso, como Córrego dos Bois, que fica a 70 quilômetros do núcleo urbano. Quando não conseguem carona em um carro para ir até o centro da cidade, os moradores de lá viajam a cavalo durante dois dias na “estrada cavaleira”, como dizem. Das estradas que levam às comunidades rurais sempre se avista a imagem imponente da Chapada do Lagoão.
Estima-se que 5 mil homens saiam de Araçuaí todos os anos, em abril, para cortar cana em São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul – para a Pastoral do Migrante, o número é maior. Os “gatos” que recrutam os trabalhadores agem sorrateiramente, longe da fiscalização. Os empregados ganham por produção e cortam, em média, de 10 a 12 toneladas de cana por dia. Muitos, para não desmaiar, tomam a “birola”(na internet, birola é como é chamado o tipo de morte por overdose de trabalho, comum entre os cortadores de cana), um pó amarelo dissolvido em água, que recebem das mãos dos empregadores. Os que contraem a doença de Chagas são demitidos e voltam para Araçuaí. Os demais voltam em dezembro, quando termina a colheita. Nove meses depois nascem muitas crianças na cidade.
As escolas públicas costumam promover palestras sobre a exploração no corte de cana. Lucas Santos Barreto, 18 anos, diz: “A gente se esquece das palestras e das reportagens da televisão quando vê os trabalhadores voltando no final do ano. Eles chegam com dinheiro para comprar moto, som e roupa de marca. Na cabeça de muitos jovens eles são heróis”.
O GADO E A MOTO | |
Na parte baixa da cidade fica o velho Beco da Sola e, nas proximidades, a avenida com as selarias. As selas feitas em Araçuaí têm um diferencial na região: são as únicas “com cabeça”, ou seja, têm uma parte elevada na frente, um detalhe que serve de enfeite e dá segurança ao vaqueiro. Mozart Esteves, Rivadávia Levi e Antônio Miranda já se foram e deixaram a fama de terem sido grandes seleiros, homens que dominavam a suvela, a ferramenta que fura o couro por onde passa a costura. Atualmente, em Araçuaí, apenas Zé do Sussu sabe fazer um autêntico gibão, o paletó de couro usado pelos homens. Sinal dos tempos. Na missa do vaqueiro, no dia 21 de junho, é comum ver todos usando calça de lona e não de couro. O motivo é um só: uma calça de couro custa R$ 300 e a de lona, R$ 40. Houve também uma incrível mudança de hábitos. Os novos vaqueiros, como Agostinho, já não usam gibão e tocam o gado em cima de uma moto. Enquanto aceleram a máquina gritam: “Eh! Boi!”. |
Modernidade:O vaqueiro Agostinho toca o gado em cima da moto |
LIRA DO VALE | |
Para chegar à casa de Maria Lira Marques, uma das mais importantes artistas do Vale do Jequitinhonha, é preciso subir o morro calçado com pedras roliças. Lá do alto avista-se Araçuaí cercada pela Chapada do Lagoão. “Entrem”, diz Lira, com tranças no cabelo e feições de uma bela descendente de índios e negros. Ela conta que aprendeu com a mãe a amassar o barro. Tempos depois teve lições de como queimar as peças com uma mulher da região que conhecia vários tipos de terra. Assim fez máscaras e vasos. Hoje se dedica a pintar “flores e bichos do sertão” em pedras redondas e no papel. Usa tintas feitas à base de terra e consegue tons com os quais até ela mesma se surpreende. “A gente faz, faz, e ainda sabe pouco sobre essas tintas naturais”, diz. Lira é também uma pesquisadora da cultura popular. Junto com o holandês Frei Chico, viajou pelo Vale do Jequitinhonha e registrou, em 250 fitas e em muitos cadernos, rezas, versos, sabedorias, benzeções e cantigas populares, como as das lavadeiras. Muitas dessas músicas são cantadas hoje pelos seis corais que existem em Araçuaí. Sim, o povo de lá tem música nas veias. |
Filha da terra: Artesã mais famosa da cidade usa tintas naturais nos seus trabalhos de barro |
LIRA DO VALE | |||
Apoio cultural:Jovens do projeto Ser Criança, responsáveis pela existência do único cinema da cidade |
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